Siddhartha
Hermann Hesse
Editora: Pushkin Press
Nunca vos escrevi sobre a livraria Libreria (vamos deixar isso para outro post), mas sempre que lá vou é difícil não comprar um livro novo. É um dos meus espaços seguros em Londres, com a sua própria selecção de livros que vendem, e foi lá que encontrei Siddhartha, nesta belíssima edição gráfica. Talvez devesse ter vergonha de nunca antes ter lido Hermann Hesse, mas a verdade é que esta foi a minha estreia na sua literatura. Não costumava eu defender que cada livro nos escolhe na devida altura? Pois essa teoria não mudou.
Siddhartha é um dos livros mais ancestrais e mais actuais de sempre. A dicotomia entre esse uma narrativa antiga e ainda assim ser algo tão intemporal, na verdade provocou em mim um sentimento de paz: que no fundo, tal como nos é transmitido a certa altura na leitura, todos somos feitos do mesmo e a nossa origem não é mais do que um momento no tempo, a transição de algo que um dia tomou uma forma completamente diferente. A pedra que foi animal, o animal que foi estrela, a estrela que se tornou parte de um humano.
Foi então impossível não ligar esta leitura ao caminho que percorro no yoga. Siddhartha vem como um lembrete gentil de todas as lições que vamos aprendendo ao longo do nosso percurso como yogi. O início de Siddhartha não é evidente. Quando partilhei que iria começar esta leitura, duas pessoas que me são especiais disseram-me que Siddhartha era um dos seus livros preferidos. Que volta e meia voltam à sua leitura. No entanto, o curioso é que ao início não me prendeu muito. Não considero que seja um início lento, mas o desenvolvimento da empatia e da ligação com Siddhartha tomou o seu tempo a desenvolver.
Na verdade, a minha experiência de leitura com este livro, ecoou muito do caminho que às vezes é desenvolver uma ligação com uma outra pessoa, sendo que na verdade é um caminho para nos encontrarmos a nós mesmos. Acho que uma das mensagens com que mais me identifiquei, é que conhecimento é possível transmitir, mas sabedoria não. Sabedoria só nasce da experiência, visceralmente, da tentativa e erro, de nos perdermos e termos a modéstia suficiente para o reconhecermos e procurarmos a verdade em nós mesmos.
O que tem o seu aspecto frustrante: se vemos alguém que parece perdido na sua missão (como tantas vezes Govinda achou que Siddhartha estava), não temos o impulso imediato de tentarmos ensinar, aconselhar, guiar? Vasudeva mostra-nos na verdade outra forma de o fazer. Este personagem mostra-nos o poder de ouvir e de apenas redireccionar quem amamos para que ouçam algo que vai para além da forma física.
Não vou comentar todo o trajecto de Siddhartha, deixo isso para o leitor explorar e ter a liberdade de se identificar com aquilo que lhe servir, e só reconhecer o que não lhe servir. Porém, sou da opinião que abraçar o ciclo e a mensagem completa deste livro requer um poder de auto-reflexão grande. Exige que entremos em contacto com as nossas emoções e que nos permitamos ouvir no silêncio do universo. Só assim evitamos precisar de toda uma vida de apegos e desapegos para percebermos o quão transitório tudo é, sentindo então liberação.
The river laughed. Yes, that was how it was. Everything that was not suffered to the end and finally concluded, recurred, and the same sorrows were undergone.
E é nesse reconhecimento que está a dádiva: encontrar a liberdade de não viver no passado, nem antecipar o futuro, mas simplesmente aceitar que fazemos parte do todo.