O blogue acaba de comemorar o seu sexto aniversário e as escolhas da Playlist da Quinzena a decorrer (Manuel Bogalheiro – Mr. Herbert Quain) e da próxima, a começar dia 16, não foram inocentes. Ao longo deste último ano tive o prazer de conhecer gente muito boa, que partilha várias visões sobre diversos temas comigo e que de alguma maneira me fez expandir os meus horizontes musicais. Se ontem agradeci a uma série de pessoas, o António M. Silva foi uma delas. Não consigo precisar o momento em que interagimos pela primeira, mas de uma coisa tenho a certeza, foi através do António que recebi em primeira mão o disco – Forgetting is a Liability – do nosso Mr. Herbert Quain. Foi catártico! Por essa altura comecei a conhecer a ZA, e os seus artistas, e a empatia foi fácil e imediata. O António, um dos fundadores da ZA, não só tem, na minha opinião, um excelente gosto musical, como é das pessoas com quem é mais fácil discutir e debater ideias. De uma simpatia inata e natural, trabalhador até mais não, achei que seria a pessoa indicada para ser o destaque desta quinzena e a próxima Playlist da Quinzena pertencer-lhe-á. Fiquem a saber mais sobre ele, sobre a ZA e também sobre algumas opiniões pessoais.
Isto de enviar perguntas escritas a pessoal amigo é tramado, mas vamos lá. Tenho esta curiosidade, como é que a música entrou na tua vida?
Acho que a música sempre fez parte da minha vida de alguma forma, e a culpa disso é do meu pai. Cresci com a colecção de discos dele, onde estão heróis como o Phil Collins, Uriah Heep, David Bowie, Pink Floyd, Queen, Black Sabbath, Yes e uma série de “discos de pai”. Além disso, o meu pai gravava muitas cassetes com música para ouvir no carro, fez questão de instalar um rádio na casa de banho que ainda hoje toca enquanto tomamos banho… A música esteve sempre muito presente na minha vida e a culpa é dele.
Como é que tu, o Afonso, o Jota (João Pedro Fonseca) e o Manuel Bogalheiro, entre outros, acabaram por cruzar destinos e dar forma à ZigurArtists?
Esta resposta é um cliché gigante, mas foi a música que nos juntou. Eu e o Afonso já nos conhecemos há alguns anos e depois de perdermos várias horas a falar de músicas, sonhos e projectos, percebemos que andávamos com a mesma ideia na cabeça: criar uma editora. O Afonso já tinha a ZigurArtists idealizada, com uma estrutura e objectivos próprios, e acabou por me convidar para integrar o projecto que hoje é a ZA. Acho que estava no sítio certo, à hora certa. O Jota, tal como o Manel Guimarães, o José Silva ou o José Santos também já são nossos amigos há muito tempo e acabaram por integrar naturalmente a família. O Manuel Bogalheiro juntou-se a nós algum tempo mais tarde, depois de nos ter enviado um email com algumas músicas dele. Ficámos imediatamente arrebatados, convidámo-lo a juntar-se a nós e ainda hoje não sei como, nem porquê, mas ele aceitou. Acima de tudo, tem sido muito recompensador ver a ZA e os seus membros a crescer de forma saudável e sustentada, e ir colhendo alguns frutos pelo caminho.
Que missão tem a ZA? Que papel é que te cabe a ti?
A missão da ZA não é estanque e isso talvez a torne difícil de definir. Essencialmente acreditamos no potencial criativo de todas as pessoas, pelo que uma das missões da ZA é descobrir, incentivar e ajudar na concretização desse potencial – e a netlabel é o rosto mais visível dessa vertente. O outro, bem claro, é lutar pela partilha livre e sem custos de informação. De forma mais ambiciosa, diria que apesar de nenhum de nós viver em Lamego, a missão da ZA é ser uma espécie de agente cultural o mais activo possível na cidade – por agora só mantemos o TRC ZigurFest, mas em 2012 programámos mais de 30 concertos ao longo do ano e espero que um dia possamos voltar a gozar desse fôlego em Lamego. O meu papel é ser o mais invisível possível cá dentro. Actualmente, sou responsável pela comunicação externa do colectivo e contribuo para a direcção artística do festival e gestão do catálogo da editora.
Tendo sido formada em 2011, que balanço retrospectivo é que consegues fazer neste momento?
É difícil fazer um balanço de forma objectiva, sabes? Ao olhar para trás, vejo muita coisa boa, muita gente bonita que não teria surgido na minha vida de outra forma, mas o crítico que há em mim também me faz ver coisas que podem(e devem) ser melhoradas. Acima de tudo, sinto que conheci as pessoas certas; foram elas que ajudaram a ZA a encontrar-se , e permitiram que este colectivo e tudo o que o compõe encontrasse o seu lugar – isto apesar de sermos muito pequeninos, claro. No fundo, estes três anos são uma súmula de pequenas vitórias que nos dão alento para ir continuando a fazer o que queremos e gostamos. Há muito caminho para palmilhar e estamos prontos para o que der e vier.
Como NetLabel, quais as maiores vantagens e desvantagens que tens sentido haver no que diz respeito à divulgação dos vossos artistas?
Acho que o netlabel-ism e o conceito de copyleft ainda são muito incompreendidos. Não quero dizer que há um preconceito em relação às netlabels, mas de facto parece haver uma carga negativa associada ao conceito e isso pode ser uma desvantagem. Outra talvez seja a “competição” saudável que se vive em Portugal, ie, a quantidade imensa de bons músicos, criadores e produtores, que acaba sempre por deixar alguém mais à margem. Mas o facto de permitirmos e apoiarmos a partilha e a descarga gratuitas de música e todo o tipo de informação, acaba por compensar esse “preconceito”. Se a música é boa, pega sempre: seja em .mp3, cassete, disco ou vinil.
Há quem considere a vossa música destina a nichos e não algo mais abrangente. Recentemente,
inclusive, insinuaram uma certa contenção na divulgação dos vossos artistas. Existe alguma posição da vossa parte em relação a este aspecto?
Não temos nenhuma posição em relação a isso, porque não temos que ter. Cada um tem direito à sua opinião e nós respeitamos isso, desde que nos respeitem a nós também. Ao contrário do que se possa pensar, nós fazemos isto por amor à camisola e às pessoas que estão connosco, conjugamos o trabalho no colectivo com as nossas vidas profissionais e pessoais e damos sempre o nosso melhor. Mas como qualquer outra pessoa, também erramos e tenho noção que as coisas nem sempre saem perfeitas – mas tentamos sempre que saiam! Dito isto, não acho que faça sentido catalogar a música que editamos como sendo de nichos, principalmente numa altura em que a fronteira entre “nicho” e “mainstream” está cada vez mais diluída. Acho é que os hábitos de consumo musical mudaram radicalmente e para pior. As pessoas estão submissas ao mp3, às playlists do Spotify, aos vídeos do YouTube, às músicas a tocar no telemóvel… Toda uma série de imediatismos que, aos poucos, estão a destruir o ritual de parar tudo o que se está a fazer para ouvir um disco. Já quase ninguém tem paciência para ouvir dez músicas do início ao fim, ou para procurar música nova, por exemplo. Isso acaba por nos remeter a nós – e tantos como nós – para uma categorização fácil que é essa de nicho.
Em parceria com o TRC, vocês organizam também o Zigurfest. Como é que tem sido ver o festival crescer e que principais marcos é que achas importante deixar registado?
Acho que o principal marco deste festival é acontecer todos os anos. Mas mais a sério, tem sido imensamente recompensador, claro. O Teatro Ribeiro Conceição teve um papel fulcral ao desafiar-nos para criar o festival e ao fim de cinco anos, a sua equipa omnipresente já é parte da família. Aquele auditório e a rua da Olaria são perfeitos para o festival e acho que as pessoas começam a perceber isso também. O ZigurFest tem uma dinâmica própria, ajustada à sua dimensão e com tempo para ver concertos, visitar a cidade, comer uns petiscos , beber uns copos… A palavra tem caído na banalidade, mas o ZigurFest é uma experiência até para nós e acho que só vou conseguir falar dele se algum dia me afastar do projecto (o que duvido muito)… Mas para responder à tua pergunta, vou escolher três marcos: a “apropriação” da rua da Olaria, os concertos de Serrabulho, Gala Drop, Sensible Soccers e dSCI e a alegria que foi convencer o Manel Dx a fazer um dos sets de hip-hop mais fixe de que há memória.
Quão importante tem sido para Lamego, e para as próprias pessoas envolvidas, este crescimento gradual, mas seguro, da ZA?
Terás que perguntar às pessoas de Lamego. As pessoas dizem-nos constantemente que já não passam sem o fim-de-semana do ZigurFest, por isso acho que alguma importância vamos tendo. Também sei que há gente com saudades de concertos mais regulares na cidade (a começar por nós), mas tem sido cada vez mais difícil encontrar condições e apoio para os fazer… Mas sentimo-nos acarinhados e isso é importante para continuarmos a ter motivação para mudar algumas coisas em Lamego. Temos tempo.
Passando a nível mais pessoal e dada a tua experiência no meio musical, com que olhos é que vês a produção de música nacional? Há quem diga que nunca esteve tão boa…!
E eu sou obrigado a concordar. Há muita coisa, muita coisa boa e tudo à mão de semear. Não reconhecer valor na música portuguesa é admitir que não se conhece o país em que se vive, os seus músicos, a sua expressão e revela (perdoem-me) alguma preguiça.
Fora os artistas da ZA, tens acompanhado algum/alguns projecto/s em especial?
Gosto de muita coisa cá, para não dizer tudo. Gosto muito do RED Trio, de tudo em que o Rodrigo Amado está envolvido, dos duassemicolcheias invertidas, os recém-formados Mandíbulas, o Tiago Sousa, Os Príncipes, Catapulta, Sabre, dreamweapon, Cave Story… Muita coisa que me vou esquecer de mencionar mesmo que passe uma semana a pensar em bandas.
Consideras que temos uma indústria, um mercado, musical em Portugal? Achas que existe uma estrutura que possa suportar o artista de alguma maneira?
Acho que temos um circuito, mas não sei se temos um mercado. O que não temos de certeza – e não quero estar a falar por ninguém – é uma estrutura que suporte um artista. Espero que no futuro aumentem os casos de pessoas que vivem de e para a música, mas por ora parece-me que esse luxo está ao alcance de poucos. Contudo, tem que ser salutar viver num país onde de Norte a Sul encontras gente que luta para contrariar este cenário e, melhor ou pior, mantém o seu próprio mercado, mesmo que quase à margem.
E como espectador, o que é que te fascina mais num disco e num concerto? Quais é que te estão mais gravados na memória?
É difícil responder-te a isso. Eu ouço muita coisa, por isso diria que um disco me fascina quando encontro nele algo novo, mas sem me sentir desconfortável ou estranho a essa novidade. Claro que o desconforto também pode dar origem a grandes discos, mas diria que um disco me fascina quando fico de barriga cheia ainda antes de chegar ao fim. Mas claro, isso depende sempre da altura em que o ouço, da disposição com que estou, das minhas expectativas para esse disco… Não há uma fórmula que explique o porquê de gostar mais do disco A que do disco B. E o mesmo acontece com os concertos. De cabeça, os mais marcantes que vi foram os de Pop Dell’ Arte (na Culturgest e no Sabotage), The Men na ZDB e Little Women no Teatro do Bairro.
Tirando a música, que outros gostos/hobbies te têm acompanhado ao longo da vida?
A leitura, sempre. A culinária, todos os dias. É impossível viver sem eles.
O Morrighan irá fazer seis anos brevemente e, inclusive, foste simpático o suficiente para aceitares o meu desafio em levarmos o aniversário até ao Musicbox e ao Maus Hábitos com artistas vossos. Queres deixar alguma mensagem aos leitores do blogue? Podes insultar a sua mentora à vontade!
Espero que continuem a passar por aqui e a incentivar a Sofia a continuar com o excelente trabalho. Esta miúda é feita de uma fibra rara e quase extraterrestre, por isso se a virem na rua vão a correr dar-lhe um abraço, porque ela merece pelo um por dia. E apareçam no Musicbox e no Maus Hábitos para fazer a festa, vai ser bonita! Obrigado Sofia, por aturares a minha verborreia.
Facebook ZigurArtists: https://www.facebook.com/ZigurArtists
Da minha parte só posso agradecer ao António a disponibilidade em responder a estas perguntas e também todo o apoio que me tem dado. Esta organização de noites de concertos não seria a mesma sem ele.