“London Express” – é este o nome do primeiro trabalho da Ana, mais conhecida como Cherry. Foi descoberta em pleno palco, reside neste momento em Londres, mas as suas músicas já rodam por aí, tendo uma delas feito parte de uma das telenovelas da televisão portuguesa. Num estilo musical um pouco diferente do que aquele que tenho aqui divulgado, achei interessante todo o percurso que a nossa jovem cantora tem feito e, como tal, partilho agora convosco algumas perguntas que esta aceitou responder muito gentilmente.
Ana, fala-nos um pouco sobre ti e de como foste parar a Londres.
Eu nasci em Lisboa, e cedo me interessei por artes de palco: adorava dançar, representar, cantar, ler em voz alta, recitar poesia. Também escrevia bastante, fazia desporto, era apaixonada por animais. Inventava brincadeiras e jogos, fazia artesanato, falava muito, era irrequieta. E todas essas paixões e características permanecem até hoje. Contra a rotina, “valia tudo”. Acrescentei-lhe o gosto por viajar, por Radio, por documentar tudo e registar todos através da fotografia, e por Comunicação, mesmo a um nível académico.
A música acabou por falar mais alto, tornei-me cantora e comecei a trabalhar em bares e Casinos, com os Cherry Jam e outros projectos. Londres foi sempre um encantamento que eu tinha – havia de experimentar viver naquela cidade, sentir a cultura e arte fervilhantes, a amálgama de culturas e espíritos criativos. E também precisava de trabalho regular. A teimosia e curiosidade juntaram-se a necessidade e foi a altura perfeita para ir a aventura.
O teu percurso na música foi académico ou puramente algo que começaste a fazer como hobbie?
Puramente amador. No coro da Universidade Técnica de Lisboa aprendi e evolui muito, mas a paixão e a prática já existiam há anos, e foi um resultado natural.
Conta-nos, como é que te foram descobrir em palco e qual foi a tua reacção?
Eu estava a cantar no Casino do Estoril, com o Ruben Portinha e o Nuno Barreto, os jammers, e parece que nessa noite o Rui Ribeiro, compositor, estava a assistir – foi com um amigo “beber um copo”, segundo sei. Algum tempo depois, fui contactada por ele, através do site da banda. Apresentou-se e apresentou o projecto: um álbum com um conceito definido, interessante, para o qual eu seria a voz ideal. Fiquei muito, muito lisonjeada e mal conseguia acreditar na minha sorte. Tinha sido “descoberta”!
O tema Five Knives, em Portugal, já é extremamente conhecido por ser banda sonora da telenovela O Beijo do Escorpião. Como é que essa oportunidade surgiu?
Soube dessa hipótese quando a novela já estava quase no ar. A equipa criativa da serie gostou do tema e atribuiu-o a um dos casais principais da trama, o que me deixou muito entusiasmada. Dai aos amigos começarem a relatar-me a experiência de me ouvir numa telenovela foi um passo! Alias, a estreia foi filmada com um telemóvel por um membro da equipa da Blim Records, e partilhado com grande alegria! Foi uma oportunidade muito boa de dar a conhecer a minha voz, e numa situação de banda sonora de uma peca de arte, neste caso televisiva, de divulgação em larga escala, o que e obviamente positivo.
Achas que as pessoas quando ouvem o tema já o associam a ti ou ainda acontece como quando ouvimos um anúncio, gostamos da música, mas não sabemos que banda é que está por trás?
Acontece sim, ainda não promovemos de forma tão intensiva que permitisse as pessoas reconhecer-me. Mas não devemos esquecer que a música servia um propósito, servia um outro amo: a cena, a história. O “Five Knives” vai agora começar a promover-se mais, com vida própria, com sucesso, esperamos.
Quem é que mais te influenciou na construção do disco London Express?
O Rui Ribeiro, inevitavelmente, visto ter sido ele o compositor. No entanto, como pessoa identifico-me muito com ele, e como músico revejo-me nas suas escolhas, logo a comunicação foi fácil e a influência dele em mim foi grande, não só ao nível da simples colaboração, mas também ao nível do sentimento nutrido pelo projecto. Depois, as minhas influências “naturais”, pelos anos que passei a ouvir música, enquanto crescia. Ao mesmo tempo, o conceito do álbum e bem explicito e assumido, pelo que, sendo eu mulher, as minhas experiencias ou dos que me rodeiam tiveram também um papel importante aquando da interpretação.
Porquê esse título e porquê o nome artístico Cherry?
“London Express” é a minha oferta ao conceito, a minha contribuição para com as histórias do álbum. E a minha experiencia no último ano e meio, entre Portugal e Inglaterra, período intenso mas valioso. O nome Cherry advém de Cherry Jam, nome do trio acústico de que fazia parte. O primeiro por ser uma fruta de Primavera, doce e feminina, Jam por significar “compota” em inglês e também Jam Session (encontro de músicos que se junta para tocar).
Na tua apresentação vem que são “histórias sobre mulheres, das reais às que habitam no nosso imaginário, das suas diferenças a tudo o que têm em comum” – porquê este tema?
Foi o álbum que o Rui Ribeiro idealizou, através de historias de amigas, que lhas foram contando ao longo dos anos, e entendeu passa-las para letra e musica.
Estiveste em Lisboa recentemente. Como foi voltar?
Foi como sempre é: um brilhozinho nos olhos a chegada, um sorriso pateta ainda dentro do avião ao avistar a terra ao longe. Estar ainda na pista, respirar e sentir o ar quente e o cheiro único, sentir as gentes logo nas primeiras horas. Reconhecer cada vez mais o mau, celebrar cada vez mais o bom. Matar saudades. Ir a praia e relembrar o que e um dia de Verão, como a minha terra e linda. Trabalhar, ter horários e responsabilidades. Enfim. Mudamos de local, mas nos seres humanos somos os mesmos em todo o lado, buscamos o mesmo apesar da latitude e longitude.
Já tocaste em Portugal? Ponderarias voltar a viver para cá?
Sim, já cantei em Portugal entre estes meses em Londres, e é sempre uma ocasião feliz: primeiro, porque estou a fazer o que mais gosto, com pessoas que adoro, e depois porque se revêm os sítios, os palcos. Se tivesse de voltar a viver em Portugal seria muito bom sinal, e viria com alegria, mas a ideia de viver entre Londres e Portugal, ou entre o Mundo e Portugal agrada-me imenso.
Numa perspectiva cultural, quais as maiores diferenças, na tua opinião, entre Londres e Lisboa no que toca a apostas em artistas? Enquanto portuguesa, achas que se tivesses tentado começar aqui no teu país, teria sido mais difícil?
De facto foi o que aconteceu – eu comecei no meu país. Fui “encontrada” no meu pais, a cantar com o trio que lá formei. Quando fui para Londres já tinha sido convidada pelo Rui. Por isso, posso apenas imaginar se o teria conseguido se tivesse começado em Londres, isso sim. Nunca se sabe, talvez sim, e mesmo uma incógnita. Em Londres existe mais oferta, mas também mais artistas a tentar. E proporcional ao tamanho das cidades. Claro que existe uma cultura de diversidade maior, pois a população e uma manta de retalhos e existe público para todos os géneros, mas Portugal começa a ser um pouquinho mais assim, parece-me.
Portanto, não deixa de ser o cocktail habitual: talento, trabalho, e sorte – estar no sítio certo a hora certa, como em qualquer outro país. Mas existe um factor diferenciador: como há muita oferta, e mais difícil impressionar e ser único, logo és mais facilmente descartado, principalmente se cantas em Inglês. O género musical também determina o teu sucesso: já tudo foi visto. E mais fácil ser original em Portugal porque há determinados géneros musicais que não se consumem, logo e novidade. Mas o que e novidade em Portugal, muitas vezes já não o e em Inglaterra. E com o aparecimento do youtube e redes sociais, ser original e ainda mais difícil, o que e transversal em todos os países.
Quais as tuas expectativas para este primeiro disco?
Com este primeiro disco espero conseguir levar a minha voz longe, ao maior número de pessoas possível, para que depois possa cantar para elas ao vivo, sentir a sua energia. Viajar. Inspirar-me e ser mais criativa, preparar mais trabalho.
Que agenda de concertos é que tens para os próximos tempos?
A Blim Records e a Universal estão a trabalhar nesse sentido, estamos na fase de promoção.
Fora a música que outros afazeres fazem parte do teu quotidiano?
Trabalho em restauração, nado, ando de bicicleta, pago a renda e as contas, e o passe, ah ah. Espreito jam sessions e open mics.
Dada a forte componente literária que o blogue tem, costumo perguntar aos artistas que tipo de romance é que a sua música inspiraria. Achas que o London Express seria um romance romântico ou um drama?
É uma pergunta difícil… Podemos considerar que os dramas podem ter romance, ou que os romances podem ter drama, ah ah, por isso qualquer um deles. O disco não fala de amor romântico, apenas; fala também de amor-próprio e familiar. Como na vida, tem momentos de tristeza e resignação, alegria e celebração.
Agora que o London Express está cá fora, quais os teus objectivos em termos de futuro musical?
De futuro gostaria muito viajar, cantar para públicos diferentes, em espaços diferentes. Tenho o sonho de cantar em festivais. Compor. Colaborar com músicos diferentes (apesar de não “dispensar” os que gentilmente gravaram este disco, que são fantásticos), e acima de tudo fazer experiencias com outros géneros musicais, ir beber um pouco daqui e dali. Sentir muito a energia das pessoas e dar-lhes a minha, vê-las cantar comigo. Inspirar-me sempre para o passo seguinte.