Entrevista a Célia Loureiro, Escritora Portuguesa

Viva, cá estamos para mais uma entrevista de uma autora portuguesa – Célia Loureiro!

Fala-nos um pouco sobre ti:

Nunca sei o que dizer sobre mim… Chamo-me Célia C. Loureiro, licenciei-me em Informação Turística pela Escola Superior de Turismo e Hotelaria do Estoril. Isto é como a sociedade me descreveria. Nome, nº de BI, formação e ocupação. Bom, eu prefiro dizer que já corri por Almada à noite à procura de um qualquer estabelecimento que vendesse chocolate fora de horas. Gosto de fumar um cigarro no meu quintal no verão, e de olhar para o céu e descobrir a Ursa Menor à primeira. Gosto de fazer pesquisa Histórica. Gosto de fotografia, muito mesmo (http://olhares.sapo.pt/cidade-lisboa-foto5235603.html) e gosto de viajar. Lamento não ter tido possibilidade de viajar mais antes. Gosto de ar livre, de paisagens rurais, de limoeiros e figueiras. Não gosto da vida urbana, não gosto dos hábitos do séc. XXI embora seja escrava de muitos deles, não gosto da leveza de mente da juventude nem da ausência de preocupações de maior. Gosto de ovelhas e jacarandás. Gosto muito, mas mesmo muito, de aldeias e de casas de campo e da conversa dos idosos. Não sou uma pessoa paciente, nem tolerante por aí além. Tenho a mania que sou engraçada então passo a vida a fazer piadas. Gosto de conviver com pessoas que entendam o meu humor negro, pessoas que baste eu sorrir e semicerrar os olhos e entendam logo o que estou a pensar. Gosto de música, é a primeira coisa que faço de manhã – ligá-la no telemóvel enquanto me visto, a ver se espevito. Gosto de ler e tenho pena de todos os que não aproveitam esse passatempo para se fazerem felizes. Acho que uma pessoa tem direito aos seus vícios e às suas excentricidades, se as faz para ser feliz (e não por ostentação, obrigação, etc.). Aprecio bastante a liberdade, e gosto do facto de ser sagitariana. Não me custa associar-me a um cavalo bravo com uma metade superior de mulher. Essa dualidade combina bem com a minha inquietação constante. Definir-me-ia nas palavras da minha tia-avó. Célia, tu és como aquele dito do meu pai, que Deus tenha – Não sei se vá se fique, não sei se fique se vá. Se estou lá não estou aqui, se estou aqui não estou lá.

Qual o teu estilo e ritmo de escrita:

Não tenho um estilo definido. Não o consigo encaixar em nenhum autor que tenha lido – não o digo por vaidade nem por indecisão. Simplesmente despi-me do que já li e escrevi algo que me deu gosto. Gosto de contrastes, nesse estilo de escrita. Palavras dóceis, ou corriqueiras, e palavras mais cuidadas (mas não inacessíveis). É o contraste entre o «narrador» e o «povo». O objectivo é o contraste, não a superioridade dum face ao outro. Quanto ao ritmo de escrita… tendo em conta o que escrevi até hoje, tanto faço planos de escrever «10 páginas por dia» como introduzo meses de interrupção ao longo de uma obra e a termino de um sopro quase dois anos depois.

Quais as tuas influências:

Nenhumas. De todas as vezes que quis aplicar «influências» nos meus enredos, desisti e apaguei tudo. Não sou a Isabel Allende nem a Joanne Harris, por muito que as admire. A cada vez que quis pôr um espectro a atravessar uma sala dei-me conta disso. o surrealismo da primeira e o cariz quase gótico em algumas das obras da segunda agrada-me e fascina-me, como leitora, mas não encontra par no realismo cru do que escrevo. A minha obra mais «surrealista» ainda não foi tratada para publicação, mas também saiu cá de dentro, e não destas minhas duas escritoras de eleição. Inspiro-me na vida, nas vivências ao meu redor. Não consigo inspirar-me num escritor nem numa obra, porque isso roubaria a «pureza» à criação da minha, que deve ser feita dos alicerces para cima. Da primeira pedra à abóbada.

O que é que nos podes contar sobre a tua obra?

Posso dizer que, mesmo os pormenores que se afiguram mais «mórbidos» têm um fundo real que me impressionou, a dado momento da minha vida. Ouvi aquela história, noutros termos mas com aquela dimensão. Romanceei-a para que se saiba que a vida já teve outros contornos mais feios, e a condição feminina actualmente não foi conquistada assim há tanto tempo. Num meio mais fechado, ainda está longe de ser adquirida. Quis lembrar à cidade – aos LCDs e aos óculos 3D e aos i-istos e i-aquilos que o mundo está a evoluir a um ritmo descoordenado. Há quem esteja para trás e que fique mais para trás a cada passo largo que se dá em direcção ao pós-modernismo. Posso dizer que me deu imenso prazer escrevê-la, que há uma mulher de armas a esquecer-se progressivamente dos seus feitos e uma mulher também de armas a lutar corajosamente por esquecer-se dos seus feitos. E há um velhote (adorável), o Sebastião, a mergulhar nas quimeras desta senhora que perde a memória, e um professor mal-humorado que cozinha bem e ouve Nat King Cole e que não está disposto a ponderar a hipótese de estar errado quanto à viúva do seu melhor amigo. E há a Letícia, áspera como pedra-pomes, e as duas filhas, a debaterem-se por uma infância relativamente normal por entre tantos julgamentos. Para mais aprofundamentos há a minha auto-crítica, disponível aqui: https://branmorrighan.com/2012/05/30-loureiro-celia-correia-demencia.html.

Como foi o caminho até à publicação deste teu primeiro romance? Tiveste muitas dificuldades em publicar? Fala-nos um pouco sobre esse processo.

Eu não andei com o Demência em punho a tentar publicá-lo. Tinha umas quantas obras e o sonho fantasioso de que, se continuasse a enviar outros manuscritos para editoras, um dia alguém diria que eu era um talento inato, que tinha um dom e que queria apostar em mim, ou algo do género. Mas tal nunca aconteceu e tive de me bater pela publicação de uma obra que, na altura, não era esta. A Alfarroba respondeu-me em tempo útil a convocar uma reunião e, até hoje, foi dos dias mais felizes da minha vida, a par com o dia do lançamento. Quando o processo de edição de um manuscrito meu de 2008 arrancou, lembrei-me de terminar o Demência (Julho 2011) e de lhes implorar que o analisassem. Queria saber se concordavam que era muito melhor. E felizmente concordaram. Foi um processo… sem explicação. São suficientemente abertos para me deixar participar em tudo – e tenho pena deles por isso, porque dou palpites a torto e a direito. Devo ter mudado dez vezes os agradecimentos. Felizmente são mais sensatos do que eu, e vão-me refreando quando necessário.

Tens tido feedback dos teus leitores? Como é que gostas de interagir com eles?

O feedback dos leitores é, sem dúvida, o melhor. Não posso ser inconsciente. Não escrevi, nem escrevo, a pensar neles nem a pensar em ganhar dinheiro ou fama. Não tenho nenhum familiar com um sobrenome famoso, se não já tinha não sei quantas mil vendas, como a Fátima Lopes, e uma editora qualquer de peso estabelecido no mercado a implorar-me para ficar com os direitos do meu livro. Por isso, quando pessoas que não conheço assim tão bem descem de um carro aos tropeções e vêm abraçar-me e falam da minha idade e, de lágrimas nos olhos, me perguntam como fui capaz de escrever algo que reflecte bem os sacrifícios que teve de fazer em vida, fico estupefacta. Lisonjeada é pouco, é mesmo estupefacta que fico. Quando uma professora de português diz que, além de alguns melhoramentos técnicos, vocabulário, etc., pegou no meu livro com faca e garfo e não conseguiu desmantelá-lo como pensara de início – porque só tenho 22 anos, primeiro romance e tal – fico estupefacta. Quando me dizem que a avó a quem faziam tranças se esqueceu de si no final, por causa do Alzheimer, fico comovida. Tem sido bom demais tocar as pessoas por várias frentes, e isso não tem custo. Faz-me feliz constantemente. Estou a marcar um debate sobre a obra, para quem a leu, para dia 19 deste mês. Dá bem para debatê-la – aborto, estado novo, condição feminina, vida rural, abuso de poder, maus-tratos, violência doméstica (e os filhos no meio), alzheimer, velhice, isolamento. Penso que seria algo enriquecedor, vamos ver se os leitores estão interessados.

Projectos Futuros:

Está neste momento a começar o processo de edição do meu próximo romance, que deve sair neste verão. Chama-se «O Funeral da Nossa Mãe» e é sobre pessoas que não nasceram para a maternidade e que metem o amor (se é que, neste caso, lhe podemos chamar isso), ou seja, a condição de «mulher», à frente da condição de mãe. Acontece. Não é algo tão digno de um debate como os temas do livro anterior, mas este é mais reflexivo, mais melancólico. Pus-lhe três personagens principais com características individuais, as três filhas desta mãe, e pu-las a braços com o passado de uma mulher que, afinal, não conheciam assim tão bem. É novamente passado (sobretudo) em espaço rural, Alto Alentejo. Criei uma vila fictícia, Vila Flor, e cenários de oliveiras, limoeiros e alfazema. Casinhas caidas e noites de verão com bailes populares são o cenário deste romance sobre o que é esperado de nós e o que estamos dispostos a fazer pelo que realmente queremos. Falo na tradição da tauromaquia, no Estado Novo, no regresso dos Portugueses da Índia em ’61, na criação de gado e cavalos e nos padrões sociais de outra época. Tudo confluí para um presente em que estas três filhas e a tia se sentam à mesa a levantar véus sobre as inexplicabilidades do casamento dos pais. Ainda assim, aborda alguns temas prementes – ditadura, comunismo no Alentejo tradicional, pedofilia, emigração/imigração, suicídio… Parece dose, assim de repente, mas é preciso termos em conta que é a vida das pessoas e que é passada num largo espaço de tempo. Também estou empenhada na escrita de um romance histórico sobre as invasões francesas. Vai focar-se na do Porto. Está em fase de arranque.

E a pergunta da praxe: o que achas do blog Morrighan?

Olha querida, adorava poder fazer uma grande crítica construtiva, mas a verdade é que não costumo acompanhar muito. Sigo mais críticas literárias pelo goodreads, quando estou interessada em ler um livro. Mas a partir de agora vou empenhar-me em estar atenta ao que publicas! É uma promessa.

Um grande obrigada pela oportunidade,

CCL.

Sobre o livro da autora: http://branmorrighan.blogspot.pt/2011/11/novidades-alfarroba-para-este-sabado.html 

Obrigada Célia! 🙂 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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