Fernando Tordo: Não Houve Geração mais Rica que a Nossa
Diálogo com José Jorge Letria
Guerra & Paz
176 págs
13,99 euros
Há algum tempo que José Jorge Letria vem mantendo esta colecção, tirando partido do seu conhecimento antigo das várias das personalidades envolvidas, do seu passado de jornalista e da proximidade que partilha com os seus entrevistados, quer no campo profissional, quer em diversos encontros ao longo da vida, mais que naturais em quem sempre esteve ligado a actividades que, de uma forma ou de outra, acabam por se relacionar com a Cultura em diversas áreas e de diferentes formas.
Posto isto, é necessário deixar claro que este não será um dos livros mais conseguidos dessa colecção, uma vez que Letria poderia ter ido muito mais longe nas revelações (factos ou reflexeões) que, pelo atrás descrito, qualquer leitor espera encontrar num volume com estas características. Mais que traçar o percurso de Fernando Tordo (o que seria difícil num livro desta dimensão, compreende-se) ou fixar as suas ideias, o livro prende-se a meia dúzia de momentos do percurso do cantor e compositor, na sua maioria já do domínio público.
Não se julgue, contudo, que é tempo perdido ler este livro. Nada disso. A tal cumplicidade acaba por dar frutos na forma simples, mas directa, como ambos se referem a alguns pontos e Tordo deixa-nos alguns momentos emotivos na sua conversa com Letria.
«O meu pai era um homem que veio para Lisboa pobre, fazia recados ao Eng. Duarte Pacheco e ficava a trabalhar porque era trabalhador a tempo inteiro, não tinha outra hipótese de sobrevivência senão isto (….) Seria um descaramento da minha parte ir pedir ao meu pai que me comprasse uma guitarra Fender que custava os olhos da cara. Nem uma guitarra Fender nem coisa nenhuma. Era roubar, eventualmente, da mesa-de-cabeceira do meu pai, uma ou duas moedas de vinte e cinco tostões, ir a correr à Avenida João XXI, ao professor Duarte Costa e alugar uma viola».
Tocar em Albufeira para Tom Jones ou para os músicos dos Shadows, estávamos então no Verão de 1967, era uma alegria, uma honra e uma oportunidade para qualquer jovem músico, como se percebe da narrativa de Tordo, quando evoca esses dias em que ele e o grupo trocaram a segurança de um contrato chorudo para actuações diárias pelo calor que o Algarve sempre parecer ter tido.
Claro que um dos pontos mais intensos da sua carreira, da sua criatividade, da sua vida, é o encontro e cumplicidade com José Carlos Ary dos Santos. E esse é também um dos eixos do livro, aqui sim, explorando uma pespectiva mais pessoal, concedendo uma mais-valia ao leitor. «Eu sabia que o José Carlos Ary dos Santos era homossexual e, ao nível da opinião pública, fui tocado por tabela porque se trabalhava com ele todos os dias é porque também era homossexual. Não sou. E se fosse?».
A relação entre o álcool e a criação artística da dupla é abordada de forma descomplexada e aberta, mas, mais do que isso, as diferentes opções de cada um dos artistas – Tordo entende que a bebida iria ficar pelo caminho; José Carlos Ary dos Santos, como é público, leva-a de braço dado até às últimas consequências. E o cantor de “Tourada” não esconde que isso contribuiu em grande medida para a cisão, incorporada, de alguma forma, na última canção que fizeram em conjunto.
«Um gin tónico para ele, para mim zero. Isto foi tenso. Hoje, ao fim de uns anos de trabalho, pensar nisso é difícil. Há uma coisa que terminou ali. A gente tinha de fazer uma cantiga para terminar a peça. Mas não era só para terminar a peça, era para terminar uma parceria com imensa história», recorda Fernando Tordo. O simbólico título dessa canção era “O amigo que eu canto”…
João Morales