Eu gosto de música estranha. Eu gosto de coisas que soam a berbequins e gosto de gente que desafina. Eu gosto de matagais electrónicos abstractos, de descargas violentas a decibéis insuportáveis, de atonalidade e de xaropes pseudo-pop. Gosto de tudo, na verdade. Se não gostasse não me poderia descrever segundo o único adjectivo que realmente creio que me faz justiça: o de melómano.
Gosto de música estranha. Como Jandek, artista que andou desaparecido durante anos e anos, sendo culto para pessoas que também a adoram, como os Sonic Youth, os Low ou Bill Callahan. Jandek, para quem não conhece, é autor de dezenas de discos desde que se estreou, em 1978, com um álbum que seria um clássico da folk (vaporosa e sombria, mas folk) caso o mundo fosse justo: Ready For The House. É um disco onde ele não canta, balbucia. E é um disco onde ele toca, mas não da forma que é ensinada a milhares de estudantes pelo mundo fora. É tão idiossincrático que poderia ser o seu próprio género.
Mas dizia eu que gosto de Jandek, e tive a oportunidade de vê-lo no Teatro Maria Matos, naquela que foi a segunda vez que passou por cá – ele que, como referi, andou desaparecido: a sua identidade permaneceu por muitos anos um verdadeiro mistério e só foi mais ou menos desvendada já no novo milénio, quando ele se atreveu a aparecer em público. Do concerto poucas memórias sobram que não as mais importantes: não houve folk, mas sim algo ainda mais estranho do que os discos mais estranhos que possam imaginar. Um saxofonista a arrastar o banco onde se sentou, em palco, de forma a produzir som. Pessoas a sair da sala, confrontadas com uma sessão daquilo que julgavam ser anti-música (música é música, Sr. Gershwin, e o som é música in and of itself). Nada que pudesse ser familiar nem para os fãs mais acérrimos do norte-americano. Tive de ir recuperar uma publicação perdida num blogue perdido que fundei e depois mandei às urtigas para me lembrar que passei aquele concerto todo com um sorriso de orelha a orelha. Só para poder provar este ponto, o de que sim, senhores, em gosto de “música estranha”.
Tão estranha quanto, por exemplo, a dos Sunn O))) – que pegaram numa ideia de La Monte Young e transpuseram-na para o mundo do metal. Drone atrás de drone, peso atrás de peso, gente com protecções nos ouvidos e o Mágico Porto a espetar cinco batatas ao Sporting para a Taça: assim foi a noite dos Sunn no Lx Factory, naquele ido Fevereiro de 2010, com Attila Csihar vestido de árvore cyberpunk a plantar o terror nos corações de todos quantos haviam ido ao concerto. Tentei tirar os tampões durante alguns minutos e creio ter visto Deus ali perdido algures, mas não aguentei por muito mais. A estranheza é saudável, a surdez nem por isso.