Opinião: Iluminações de Uma Mulher Livre, de Samuel Pimenta

Iluminações de Uma Mulher Livre

Samuel F. Pimenta

Editora: Marcador

Sinopse: Na aldeia onde é rejeitada e perseguida pela população, Isabel acorda com a única ideia capaz de a libertar do casamento opressor em que vive: matar o marido. Se, de início, a ideia lhe parece improvável, vai ganhando força à medida que recorda as histórias das mulheres do passado, de que a avó lhe falava quando, com outras mulheres, se reuniam em grupos femininos secretos para falarem de oráculos, curas e magia.

Isabel é moderna, sensível, curiosa e sempre quis a sua independência. Cresceu na capital, mas mudou-se para a aldeia por causa do casamento. E foi essa união que a aprisionou numa existência de medo e abuso. Só ela pode libertar-se desse homem castigador, e ao longo de vários dias Isabel confronta-se com todos os receios e dúvidas, imaginando planos e lembrando-se dos ensinamentos da avó, procurando argumentos que fortaleçam a sua decisão, enquanto cumpre com todos os rituais quotidianos da casa com beleza e empenho poético. 

Partindo da figura de Isabel, a mulher visionária e messiânica que é protagonista deste romance, Samuel F. Pimenta revisita histórias que nos chegaram por via da tradição oral, figuras históricas, mitos e referências da literatura universal. Antígona é um desses casos. Ao lado da evocação da heroína de Sófocles, o autor conta-nos também uma história contemporânea e pertinente sobre a opressão – nomeadamente a violência de género –, tornando presente a condição feminina ao longo dos séculos e deixando questões para o agora e para o futuro.

OPINIÃO: Quem foi à apresentação do livro do Samuel, na passada Quinta-feira, provavelmente vai achar repetitivo o que aqui vou escrever, mas acho que não faz sentido não dizer o que disse por lá. Conheço o Samuel quase desde que tenho o blogue. Mais, foi ao blogue que ele deu a sua primeira entrevista enquanto escritor e fui eu a primeira pessoa a apresentar uma obra sua, também na FNAC Chiado, mas em 2010. Foi um livro que, para mim, tomou um rumo inesperado, na minha ainda efémera inocência. Mas o Samuel é maior que as circunstâncias menos felizes do meio literário português e prevaleceu. A sua perseverança tem-lhe valido um caminho duro, mas penso que ele concordará comigo que também tem sido feliz. Lançou livros de poesia, ganhou uns quantos prémios, todos merecidos, e voltou aos romances com Os Números que Venceram os Nomes, já aqui lido, e este ano com Iluminações de Uma Mulher Livre.

Perguntam-me várias vezes se o Samuel é um escritor de intervenção. A única resposta que sei dar com convicção é que ele é um escritor que escreve com o coração. Se transmite os seus medos, os seus ideais, as suas angústias ou as suas alegrias, é algo que lhe cabe a ele dizer. E isto vem a propósito deste seu último livro que, pelo que se viu na apresentação, é susceptível a tantas interpretações quantas leituras forem feitas. Apesar de o título evocar um simbolismo feminino, ainda para mais a protagonista é uma mulher, esta obra é para ser lida tanto por mulheres como por homens. O Samuel consegue tocar, aflorar e mergulhar em tantos temas, em tantos assuntos de significância ancestral, que mais do que o que está explícito na sinopse é preciso encarar este livro com uma mente aberta, expedita e curiosa. 

Enquanto obra literária, a escrita é límpida e evocativa, chama à acção. O Samuel ainda não tem trinta anos, mas já mostra uma maturidade digna de se admirar e reconhecer. Isabel, a sua protagonista, confesso que nem sempre me deslumbrou. Penso que esta foi a maior diferença entre mim e as restantes apresentadoras. Enquanto que a maioria se identificou com a sua história, eu identifiquei-me com as temáticas abordadas, não tanto com a sua atitude perante as mesmas. Mas isto é saudável, cada um é como cada qual e, tal como eu disse naquele dia, desde que cada um saiba o que é e respeite o que os outros são, há espaço para todos sem que haja qualquer incómodo. Acima de tudo, o ponto fulcral desta história é esta liberdade que todos nós procuramos. Há quem sinta que o objectivo desta vida é sermos felizes, mas o que é a felicidade se não nos sentirmos, de alguma maneira, livres para agirmos em harmonia com o que nos faz sentir bem? E é esta libertação que Isabel procura, porque houve um tempo em que foi mais fácil deixar-se levar pelas crescentes restrições que o marido lhe impunha, mas chega um tempo em que não somos mais capazes de nos enganar a nós próprios. 

Agora, que aqui estou, sei que a liberdade não tem tanto a ver com o lugar onde vivemos, ela é um espaço interior. A tirania mais bem-sucedida será a que impedir a edificação da liberdade interior, a que conseguir gerar, somente, seres programados para obedecer sem questionar. Eu tinha fundado esse espaço, esse questionamento interior, mas não me permitira expandi-lo quando vivia naquela casa, quando vivia com ele. De que serve edificar um lugar de questionamento se não o expandirmos, se não o transformarmos noutra coisa? Hoje é diferente. Embora viva exilada e repudiada por toda a aldeia, nunca fui tão livre. Tão eu.


E este foi o excerto que escolhi ler na apresentação, porque para mim resume o livro todo. Porque acho que isto é uma coisa que pouco tem a ver com o género, mas mais com a sociedade em si. Fala-se em feminismo, em lutar pelo direito das mulheres. Eu vejo a coisa como reeducar a sociedade. Também existe violência com os homens, também existem uma série de injustiças entre “pessoas”. Pouco me interessa se é entre mulheres, entre homens, entre mulheres e homens. As mulheres sabem que ao longo da história foram as suas próprias inimigas, com todas as traições e invejas. Mulheres e Homens, os mesmos direitos, sim, mas não podemos esperar que ambos os sexos tenham o mesmo tipo de personalidade quando biologicamente e quimicamente funcionamos de maneira diferente. Há que encontrar um equilíbrio e esse equilíbrio encontra-se quando aceitamos que a liberdade e o respeito são um direito do ser humano. Um direito e um dever. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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