[Diário de Bordo] A minha relação com Lazarus

Era suposto eu estar a falar da Festa de Aniversário brutal que ocorreu na Sexta-feira passada, e vou fazê-lo, mas quero partilhar convosco algo mais pessoal, um abismo que por momentos senti ontem e que me fez colocar tudo numa perspectiva tão vertiginosa que esta música – a composição, o ritmo, a cadência, a letra, a voz do Bowie – se tornou numa espécie de hino da minha vida. Sabemos agora que o Bowie passou por uma série de dificuldades de saúde ao longo dos anos. As razões da sua morte só depois foram reveladas, tais como os seus ataques cardíacos, tal como tantas outras coisas. Ele brilhava, ele conquistava, ele marcava pela diferença, ele agia na vida de milhões de pessoas que nunca conheceu, mas que o respeitavam, que se inspiravam nele, que o viam como uma referência, um deus no que à arte diz respeito. E esta capacidade de elevar as pessoas, de ser uma espécie de ignição aos seus talentos, é louvável. Bowie tem toda a dimensão que tem precisamente por causa das consequências dos seus actos, dos seus ideais, da sua liberdade. 

Mas não consigo deixar de pensar no que sempre esteve por trás disso tudo. Por trás do artista, da personagem que ele vestia e exibia orgulhosamente. O timing da sua morte, com o lançamento de Blackstar, com a simbologia dos vídeos e das letras, é assombroso. Ecoa em mim como um estaladão à velha antiga, em que a cara vira e a mão parece marcada a ferro. Se às 3h da manhã de Sábado estava a sair de uma festa lindíssima e cheia de gente boa, às 3h da manhã de Domingo estava-me a deitar num aparelho de TAC. Em 24h passei de estado eufórico e feliz para as urgências de um hospital. Não se preocupem, estou bem. Hei-de estar sempre bem. É essa a força que nos move. E nem quero tornar este post sobre mim, mas sobre a efemeridade de tudo o que nos rodeia, da nossa própria vida e do quanto numa questão de segundos as coisas podem mudar drasticamente. E a questão é que isto acontece a milhares de pessoas sem que quase ninguém saiba, sem que se apercebam. Incluo amigos e familiares, incluo todos os potenciais interessados, ou não. 

Só agora depois da morte de Bowie é que vamos sabendo mais sobre todas as implicações das suas decisões em manter coisas a público ou não. É como quando sabemos que temos uma doença que poderá ter consequências devastadoras. Contamos ou não? Será que se Bowie tivesse contado, a sua luta se tivesse tornado inspiradora? Ou o facto de a ter mantido escondida e tal ter vindo agora a público torna tudo muito maior, a sua força, a sua persistência. Ninguém quer ser visto como um coitadinho, imagino que Bowie seria a última pessoa a querer passar essa imagem. Lazarus é para mim uma das músicas mais inspiradoras para quem trava batalhas sozinho. Esse poder, essa liberdade, essa consciência e aceitação provocam tanto medo quanto fascínio. Eu fui seguindo Bowie muito levemente, ouvia as suas canções de vez em quando, vi muitos dos filmes em que entrou, mas nunca me tinha tocado particularmente, apesar de ter noção do seu papel e do seu impacto mundialmente. E depois ele lança Lazarus. E depois morre. E depois sabemos de mais. Acredito que mesmo quem não o admirava ou fosse sequer fã não ficou indiferente. Como seria possível? 

No fundo não sei bem porque vos estou a escrever isto, mas para mim faz todo o sentido. Há tanto que cada um de nós vive, passa e ultrapassa sem que haja uma mínima desconfiança de quem nos é próximo que se não fosse a música e a arte a acompanhar-nos nessas alturas… Esta música foi um autêntico pronúncio que todos ignorámos, mas que agora pesa toneladas nos nossos peitos. Para com os outros e para comigo mesma, tenho a certeza que esta música significará sempre um abismo vertiginoso entre o aviso e a despedida, entre o esfregar na cara a evidência que não queremos aceitar. Tocou-me como poucas músicas algumas vez tocaram e não é por agora estar na moda ou por ter morrido e ser fixe partilhar coisas dele. Nada a ver com isso. Tem a ver com o sentir nas entranhas a familiaridade de coisas que só quem passa por elas saberá. Muito respeito, muita admiração, muito sentido de que a vida são dois dias e que sentir a proximidade da morte pode gerar as coisas mais aterradoramente belas que existem. 

Look up here, I’m in heaven

I’ve got scars that can’t be seen

I’ve got drama, can’t be stolen

Everybody knows me now


Look up here, man, I’m in danger

I’ve got nothing left to lose

I’m so high, it makes my brain whirl

Dropped my cell phone down below

Ain’t that just like me?


By the time I got to New York

I was living like a king

Then I used up all my money

I was looking for your ass


This way or no way

You know I’ll be free

Just like that bluebird

Now, ain’t that just like me?


Oh, I’ll be free

Just like that bluebird

Oh, I’ll be free

Ain’t that just like me?


Fotografia Vera Marmelo


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  • Sobre

    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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