“Force majeure” é uma expressão usada em vários domínios legais que engloba os actos do acaso – ou divinos – impossíveis de prever. São os acidentes extraordinários que ilibam de responsabilidades. São “motivos de força maior”, e daí a tradução portuguesa do título deste filme do sueco Ruben Östlund (co-produção sueca, francesa, norueguesa e dinamarquesa), que passou pelo Indie Lisboa e estreia esta semana.
É precisamente um acontecimento desse tipo – uma avalanche – que acontece aos protagonistas do filme, um casal sueco (representado por Lisa Loven Kongsli e Johannes Kuhnke), com dois filhos, a passar férias numa estância de esqui nos Alpes Franceses. Com este ponto de partida, podia ser um filme de sobrevivência, cheio de actos heróicos e criancinhas soterradas, mas não, é muito mais subtil do que isso. Não quero contar demasiado, mas, na verdade, a avalanche não soterra ninguém, e, em vez dos heróicos progenitores a salvar os filhos, há um acto de cobardia do pai, que lançará uma dúvida firme e inconveniente sobre o seu carácter, a sua competência paterna, e o próprio casamento.
Afinal não aconteceu nada, supostamente – ufa, foi só um susto – e no entanto tudo se altera. Entre pedidos de explicações, tentativas de entendimento, acusações mútuas, recentes ou antigas, e conversas que rapidamente fogem ao controlo do casal, tudo começa a desmoronar – uma derrocada lenta, que me estraga a metáfora da avalanche que tencionava fazer.
É nessas cenas em que o casal se digladia que o filme brilha, e brilha imenso, mais do que uma pista de ski num dia de sol (hélas!). As subtilezas do discurso e dos gestos, aliando a escrita irrepreensível ao talento certeiro dos actores, vai fundo na experiência das relações humanas, concretamente o casamento e a paternidade. No entanto, em última análise, é das relações entre homens e mulheres, no geral, que aqui se fala, e este tema maior é o mais delicioso do filme e, apesar de tudo, o mais importante, estudando de forma despretensiosa mas aguerrida a masculinidade, com a sua “autoridade”, e, principalmente, a falta de validade dos tradicionais papéis sociais de género, e seus estereótipos.
Com as convenientes, reais e devidas distâncias, podemos falar numa mistura entre os cinemas de Buñuel e Haneke, já de si próximos, na forma sarcástica como se olha para a condescendência da burguesia, com as suas relativizações, hipocrisias, e auto-afirmações que se descobrem vazias, enquanto, ao mesmo tempo, se revela a insegurança e fragilidade do equilíbrio aparente das vidas comuns.
Irónico e profundamente inteligente, visualmente encantador e confiante, FORÇA MAIOR é um filme duro e nada complacente, apesar dos seus momentos de humor (de desconforto, principalmente) e da leveza que se possa deixar perceber por um olho pouco sagaz. FORÇA MAIOR é um filme sincero e adulto, sofisticado, original e provocador onde é preciso. Vale a pena.
Emanuel Madalena