Quando venta
Aproximo os pés da falésia e sinto o vento na cara, na barba, a fazer da minha t-shirt um balão e a tocar-me os pelos no peito. O vento que te levou numa noite de tempestade, em que os ramos partidos de uma árvore te fizeram perder o controlo do carro. Andei por aí, perdido, sem ti. Conheci outras mulheres, das quais não me lembro o nome, nem o rosto, se alguma vez o tiveram. Fodi-as. Em hotéis, no carro, em vãos de escada de prédios abandonados. Tocavam-me no sexo, com a boca, com as mãos. E eu não sentia nada, porque não te sentia a ti. Procurava-te. Para onde vai o amor quando o seu objecto nos desaparece? Quando alguém some da nossa vida, ainda que com dor, esse amor encontra sempre o seu vaso, mas quando se morre? Para onde vai o amor quando alguém nos foge da vida? As pedras debaixo dos pés resvalam lá para baixo. Estou tão alto, tão perto de quase te tocar, porque tu estás aí algures, no ar, ou no mar, lá em baixo, do qual só sinto a força nas ondas que rebentam nas rochas. Tenho medo de voar e de não te encontrar. Fecho os olhos e a força do vento aumenta ou sou eu que sinto cada vez mais o seu poder, porque os pés já mal tocam na berma da falésia. O som do teu riso aumenta nos meus ouvidos, os teus olhos estão quase alinhados com os meus e eu sinto que te estou quase a seguir. Abraço-te como sempre, num círculo perfeito de quase dois metros, porque os braços abertos, dizias, têm o tamanho da nossa altura. E tu, que tinhas pouco mais de metro e meio, ocupavas muito espaço, transbordavas-me o corpo, que não era suficientemente grande para te abarcar, para te conter. Essa liberdade, que te fazia imensa, levou-a o vento de mim. E agora leva-me com ele, também. Venta ainda mais aqui, quando já solto, me deixo cair em ti, no ar, ou no mar, lá em baixo.
Helena Ales Pereira