Gritou Almada Negreiros BASTA PUM BASTA! em nome da decência e da Cultura! E BASTA! grito eu hoje, a Mãe-Terra que vos abriga, homens de uma nova era. Sou a Terra magnânima que vos abraça, a casa titã que vos dá tecto. E hoje grito ferozmente BASTA! por mim mesma e por vós, que me dilaceram sem piedade e levianamente.
Que se detenham os que me infectam de podridão e de horror, pois sou a beleza transformada em mundo. Sou a ninfa-musa que inspira artistas e poetas e a deusa-mãe reverenciada desde os primórdios dos tempos. Sou a mãe de todos os que em mim habitam e a todos dedico um amor sem condição profundo e sincero. Sou-vos íntima e vossa, mas também vós sois meus. Sois meus como são meus os prados, as florestas, os rios, os mares, os animais, os insectos, as plantas, os desertos, as montanhas, os lagos e tudo o que em mim existe e mora. Não sois mais. Não sois menos. Sois para mim como para uma mãe é um filho perante todos os seus irmãos. Iguais. Sois iguais a todos os que pari amorosamente. E por serdes iguais e não diferentes, como tendes pensado por longas horas milenares, grito-vos hoje Basta! em nome da minha e da vossa salvação.
Acordem desse demorado sono que vos aliena e vos coloca nessa fugaz e ilusória condição de seres a quem os deuses brindaram com a superioridade e a Razão. Acordem desse coma que vos afasta de mim, dessa canção de sereia que vos enfeitiça e encaminha rumo ao abismo profundo da mentira. Basta! É a hora! É a hora do Despertar!
Acordem!
Acordem!
Acordem!
Que cessem todas as tradições arcaicas e repugnantes que me cobrem de sangue e tirania. Que cessem as chacinas. Que cessem os horrores. Que cessem as brutalidades. Que cesse a tourada bárbara e infame, essa vil tentativa de espectáculo e cultura que mortifica touros e cavalos. Que cesse a impiedade sobre as baleias assassinadas por esses mares meus. Que cesse a loucura das malditas lutas de cães. Que cessem as indústrias das peles raras. Que cessem os horrendos mercados de marfim. Que cesse o enjaulamento dos meus amados filhos que nasceram livres e não cativos. Que cessem as economias que lançam em morte agonizante toda a fauna que em mim habita e vive. Que cessem os irreflectidos e insanos actos de desflorestação. Que cesse a impunidade dos que me negligenciam e desprezam sobranceiramente. Basta!, grito novamente! Sou a Terra-Mãe, senhora do mundo e ventre terno e suave que acolhe os que a mim estimam. Não castigo. Não me cabe ajuizar nem punir. Respondo consoante o que me dão e oferecem, em simetria e equilíbrio.
Como mãe vossa que sou, homens de uma nova era, quero-vos comigo, quero-vos em mim. Acordem!, é o que vos grito hoje! Despertem para uma nova era!
Sou a Terra que anseia por vos amar sem que o impeçam. Sou a Terra que anseia por ver-vos em harmonia comigo, como parte de um todo que nos mantém unos. Brado-vos para que me escutem e se elevem à condição de humanos que, em vez de viverem na Terra, vivem com a Terra, num equilíbrio sagrado e eterno. Pois Bastam! as horas de divisão, Bastam! os tempos de umbiguismo e cegueira. É hora de eu me tornar a ansiada Terra dos homens livres, de todos os humanos e de todos os outros seres que pari ou dei à luz. É hora de humanos e não humanos viverem como um só, conscientes de que são uma unidade que, quando em equilíbrio, respira como um único ser e em perfeição.
Sou a Terra que é de todos e que todos detém. Sou a Terra-Mãe que não tolera essa diferença que vós, humanos, criastes entre vós e os que, em mim, convosco habitam. Por isso, hoje, grito Basta! e Acordem!, homens alienados, pois é a hora de despertarem para uma nova era. A era em que todos os seres que criei vivam como duas mãos entrelaçadas, como o mar que não é mar sem ondas. É a hora de despertarem para a era do zelo que me é devido, a era do amor e do respeito que por horas milenares tenho esperado.
É a hora da criarmos, juntos, a Era da Terra Prometida.
Alcanhões, 22 de Janeiro de 2012
Samuel Pimenta
Originalmente publicado em: https://branmorrighan.com/2012/01/manifesto-da-terra-prometida.html