Ouvi falar da Ana C. Nunes há já um bom tempo. Talvez até quando me comecei a aventurar no mundo da literatura e dos autores portugueses. Porém, não sei dizer porquê, nunca tinha surgido a oportunidade de a conhecer. Com a publicação do seu primeiro romance “Angel Gabriel – Pacto de Sangue” finalmente surgiu um contacto entre ambas e é com um prazer enorme que agora publico a sua entrevista. Considero o percurso da Ana extremamente interessante e aconselho-vos a lerem as suas respostas atentamente. Obrigada Ana pela tua simpatia e disponibilidade.
Olá Ana, fala-nos um pouco sobre ti:
Olá Sofia! Eu sou uma rapariga do Norte, mais propriamente da cidade do Galo. Já tenho idade para ter juízo, mas não sei se o uso com a frequência necessária. Descobri a paixão pela escrita na mesma altura em que me tornei competitiva, isto porque as minhas primeiras histórias foram escritas simplesmente porque queria ser melhor que uma colega. Isto foi quando tinha 14 anos. Antes disso já gostava da língua portuguesa, mas nunca me havia dedicado a escrever histórias. Desde então, nunca parei de contar histórias, fosse através da prosa, da banda desenhada ou de uma mistura dos dois.
Como caracterizas o teu ritmo e estilo de escrita?
É de luas! Tenho meses em que não paro de escrever um único dia e me esqueço do resto do mundo, e tenho outros meses em que passo dias sem escrever nada. Nunca estou afastada dos meus projectos por mais que dois ou três dias, mas nem sempre isso se traduz em palavras no papel.
Já o meu estilo, ah bem, não saberia caracterizá-lo. Não estou suficientemente distanciada do que escrevo para conseguir ver isso, mas posso dizer que não me delongo em descrições de cenários e muito menos de vestimentas. Isto porque detesto ler sobre os folhinhos e a cor das calças, mais as riscas da camisa, por isso também não o escrevo nos meus romances ou contos.
Quais as tuas principais influências?
Normalmente os escritores, nesta pergunta, fazem uma enorme lista de outros escritores, pois eu não saberia como fazê-lo. A verdade é que (e vou cair no cliché) tudo me inspira. Tudo o que vejo, oiço, sinto, imagino e vivo, é semente para as histórias que mais tarde planto no papel. A única influência literária que posso citar é V.C. Andrews. Foi ela quem me fez começar a ler e, sinto que, a minha escrita acaba por ter uma parte das trágicas histórias de V.C. Andrews (especialmente a saga Landry). Não é propositado, mas às vezes é notado.
Tens escrito principalmente na área do fantástico e FC. O que é que te fascina e te inspira para escreveres dentro destes géneros?
Pode parecer um pouco estranho, tendo em conta que leio um pouco de tudo, em todos os géneros, mas mesmo enquanto leitora, tenho uma predileção pela Fantasia e FC. O mesmo acontece no cinema. Enfim, acaba por ser uma escolha inconsciente. Sempre achei que para real, já chega a vida. Embora isto acabe por ser uma contradição, já que uma das coisas que tento sempre criar são personagens humanas, realistas, personagens que os leitores possam entender, mesmo se estiver a falar de um vampiro, um fantasma, um dragão, tudo criaturas que, não existem.(Ou existirão?)
Mas voltando à questão inicial, o que realmente me fascina na Fantasia e na FC, é a imaginação, o sentir que posso criar algo que o leitor saberá que não é real, mas que lhe parecerá tão palpável como a cadeira na qual se senta enquanto lê. Esse testar da credibilidade, é para mim a melhor parte de escrever e ler nestes géneros.
“Angel Gabriel – Pacto de Sangue” é o teu primeiro romance publicado. O que é que nos podes contar sobre o mesmo?
É sobre vampiros. Hehehe! Não há como escapar a isso, mas também não é só sobre vampiros; tem feiticeiros e gente normal (mais ou menos). Esta história nasceu na minha cabeça em 2005, ou seja, muito antes da vaga de vampiros que agora já passou de moda. Escrevi a primeira versão deste romance no fim de 2008 e início de 2009, e nos anos seguintes, enquanto trabalhava noutros romances, fui mudando este, até que finalmente fiquei satisfeita com o produto final. Tentei publicá-lo pelos caminhos ‘normais’ (mais conhecidos por ‘editoras’), mas não tive sorte e depois de ponderar sobre as hipóteses, decidi publicar em ebook, um mercado crescente a nível mundial mas que, em Portugal, ainda é muito pequeno.
“Angel Gabriel – Pacto de Sangue” é uma história dura, onde os humanos estão numa situação precária e, ou se rebelam, ou estão condenados à extinção. E é para prevenir isto que Ishvar, uma poderosa feiticeira, amaldiçoa Gabriel, um dos mais poderosos vampiros, e o une à sua filha, Angel. Contra vontade de ambos, como devem imaginar. E porque estão ligados na vida e na morte, os dois vão ter de ajudar-se e sobreviver o tempo suficiente para encontrar alguém que os possa livrar da maldição.
Esta não é uma história romântica, mas tem romance. Não é uma saga de amizade, mas têm-na em abundância. Não é terror, mas não é para os fracos de coração. Tem vampiros, daqueles que matam, dos que vos dão vontade de fugir, daqueles vampiros que vocês nunca chegarão a compreender na totalidade. Tem magia, mas nem toda a magia é boa e, nesta história, todo o poder tem consequências. Cabe aos leitores descobrir quais são.
Tens recebido feedback dos teus leitores?
Tenho recebido algum feedback, sim, mas para já ainda não é muito expressivo. Como se trata de um romance bastante extenso (impresso teria, certamente cerca de 400 páginas) e só está disponível em ebook, o leitor português tem mais dificuldade em aceitá-lo e lê mais lentamente.
Mas do que tenho sabido, há opiniões para todos os gostos. Alguns leitores adoraram ahistória, outros gostaram mais de umas coisas que outras. Uns admiraram o Gabriel, outros odiaram a Angel. Alguns leitores elogiaram a minha prosa, outros habituaram-se a ela ao fim de alguns capítulos. Mas acho que numa coisa quase todos concordam: o final está aprovado. Em breve espero ter mais opiniões para saber se isto se mantém.
Apesar de este ser o teu primeiro romance publicados, tens já outros no forno, contos publicados em algumas fanzines e um na antologia Lisboa no Ano 2000. Enquanto escritora portuguesa, como é que encaras o nosso mercado editorial?
Acho que o nosso mercado está um pouco fechado, limitado até. Não é culpa só das editoras, que têm medo de apostar, mas também dos leitores. Não existe uma verdadeira cultura das letras no nosso país, e isso é triste! A maioria das pessoas que conheço lê um, ou às vezes nenhum livro por ano. Ando de comboio ou de autocarro e raras são as pessoas que levam um livro na mão. Embora o número de leitores os transportes públicos tenha aumentado bastante nos últimos anos, acho que ainda é um número irrisório, especialmente se comparado com as pessoas que vão a ouvir música ou a ver séries/filmes no portátil.
As editoras, essas, raramente apostam em novo autores, mas pior que isso, remetem-nos ao silêncio. Submeti vários romances a várias editoras e poucas foram as que me responderam. Acho que deviam responder a todas as submissões. Não interessa se a resposta é um não, mas se um escritor tirou tempo para os contactar, o mínimo que podiam fazer era responder. Um simples “Não estamos interessados” seria melhor que o abismal ‘nada’ que fica no caminho.
Também me parece que as editoras deviam apostar mais na propaganda e publicidade dos novos talentos. Só vejo publicidade a livros de quem já vende bem, aos best-sellers, aos grandes. Esses não precisam de publicidade! Quem precisa de publicidade são os desconhecidos (novos ou velhos), os que têm talento mas ninguém conhece, os que se matam e esfolam por espalhar a palavra do seu trabalho, e recebem muito pouco em troca.
Acho que faz falta uma nova mentalidade, nas editoras e nos leitores.
Do teu ponto de vista quais as principais dificuldades encontradas quando se quer publicar uma obra no nosso país?
Já respondi um pouco a isto na questão anterior mas posso acrescentar algumas coisas. Diz-se que em Portugal só publica quem tem cunha, quem tem nome, ou quem tem sorte. Eu não sei se concordo, mas que às vezes parece, lá isso parece. Felizmente vejo muitos casos em que tal não acontece e isso dá-me esperanças que, talvez um dia, eu também tenha sorte.
Uma das principais dificuldades passa pela saturação do mercado. Em Portugal publica-se mais do que se lê. São dezenas de títulos novos todos os dias, mas quantos leitores existem? Melhor: quantos leitores têm dinheiro para comprar livros. E com os livros portugueses a preços que assustam, ainda mais difícil é.
E por isso as editoras não apostam, e por isso os autores não publicam. Vejo escritores que já têm livros publicados, que venderam bem, e que agora não conseguem publicar outro livro porque as editoras estão em ‘contenção’. Ora, se autores já com provas dadas não conseguem publicar, que será dos que não têm nada para mostrar?
E isso leva-me a outra questão. Parece-me que, cada vez mais, as editoras procuram autores que já tenham uma base de fãs criada. Há uns anos, só se podia ter fãs quem já tivesse livros publicados, mas hoje em dia há outras opções: os ebooks, por exemplo; as fanzines; a auto-publicação, etc.
Não tenho nada contra o autor se esforçar por ter fãs, aliás, sou muito a favor. Mas os autores não são técnicos de marketing e as editoras não podem ficar à espera que os autores façam o trabalho todo. Afinal não querem todos vender livros?
Que projectos tens em mente para um futuro próximo?
De momento quero escrever alguns contos cujas ideias já tenho delineadas. Estou também a terminar a tradução de “Angel Gabriel – Pacto de Sangue” para inglês, que vou publicar em ebook brevemente. Depois disso vou rever um dos meus outros romances e, espero ainda, escrever outro romance este ano. Já tenho saudades! Há mais de um ano que só revejo romances ou escrevo contos, e tenho ainda tantas histórias por contar.
Pergunta da praxe: Já conhecias o blog Morrighan? O que achas do espaço?
Conheço já há dois ou três anos e sempre segui com muita curiosidade o teu trabalho. Acho louvável a forma como divulgas e te esforças por apoiar a literatura portuguesa, escrita por portugueses. Tenho conhecido vários escritores novos graças às tuas entrevistas, opiniões e divulgações. É preciso muita dedicação para se criar algo assim. Também acho interessante como consegues conjugar diferentes temas no teu blog, sem que isso pareça despropositado.
Muito obrigada por me convidares para esta entrevista e espero que, um dia que o leias, gostes tanto (ou mais) de “Angel Gabriel – Pacto de Sangue” como gostaste do pequeno conto “Um Dragão com Alergias”.
Sobre “Angel Gabriel – Pacto de Sangue”: https://branmorrighan.com/2013/05/divulgacaofantasticoautora-portuguesa.html
Sofia, eu é que agradeço, mais uma vez, pelo convite e pelo teu apoio.
Disseste uma grande verdade: "Não existe uma verdadeira cultura das letras no nosso país, e isso é triste! "