Parte I
“Sinto-me entorpecida. A espera foi tão longa, a esperança tão vã, que dou por mim sem saber o que fazer comigo mesma. Semanas de planos elaborados, de perspectivas tentando cobrir todas as possibilidades e ainda assim, chegada a hora e confirmada a perda, não sei como voltar a pegar em mim novamente.
Desejava-o com um fervor que não sabia poder existir. Quando soube da sua futura existência, o pânico apoderou-se de mim, não me sentia minimamente preparada para assumir o papel de mãe, para passar a ser responsável por uma nova vida. O teu apoio foi crucial, sem a tua apaziguação constante acho que teria dado em doida. Foi todo um novo mundo: mudar a alimentação, regularizar a prática de exercício aeróbio, ver aos poucos o corpo a mudar, ir-me mentalizando que um novo ser começava a crescer dentro de mim.
Nunca me vou esquecer da ecografia da 8ª semana. Aquele primeiro deslumbre da sua vida a tomar forma dentro de mim. Conseguimos vislumbrar os dedinhos tão minúsculos, tão frágeis. As lágrimas correram pela minha face a baixo e penso que, por muito ridículo que possa parecer, só a partir dessa semana é que me comecei a sentir como uma futura mãe. Já não passava apenas de um dado numas análises clínicas ou de um rumor, ele estava ali, o nosso bebé!
As semanas foram passando e eu cada vez mais redonda, mas completamente orgulhosa. Sem quase dar por isso, fui-me apaixonando por aquela criatura fantástica que se estava a desenvolver dentro de mim, fui ficando cada vez mais rendida ao papel que iria desempenhar dali a uns meses.
Já tínhamos sentido os seus primeiros pontapés, as suas primeiras manifestações quando tudo se complicou. Não era novidade nenhuma para ninguém de que eu era doente cardíaca, ainda assim, há mais de uma década que não tinha problemas e todos os testes que havia feito ao longo da gravidez nunca haviam acusado nada. Lembras-te quando puseste as tuas mãos na minha barriga e o nosso filho respondeu com tanta convicção que ficámos os dois chocados por momentos, até nos termos diluído em risos? E depois veio o apagão. Tu devias estar tão focado no nosso pequeno, e quem não estaria com tal maravilha, que não te apercebeste de que de repente eu não conseguia falar, de começar a colocar-me para trás no sofá, qual rainha no seu trono, mas um trono de medo e pânico.
Acordei numa cama de hospital, cheia de tubos por todo o lado, olhos a arder da claridade e uma certeza que me fez desejar a morte naquele preciso instante de consciência – eu tinha perdido o nosso bebé, o nosso filho, o nosso tesouro, a minha vida. Mal me viste a abrir os olhos saltaste para o meu lado, lembro-me bem, a tentares sorrir e a dares graças por eu ter acordado, mas era mais do que óbvio o teu desespero. Meu deus, estávamos apenas na 22ª semana! Lembro-me da histeria, dos gritos, do perder novamente os sentidos.
“O teu coração falhou, o bebé ficou sem oxigénio, não resistiu. Ainda não encontraram a causa. Lamento tanto!” Muitos lamentos ouvi eu nesse dia, nos seguintes e ainda nos posteriores aos seguintes. Passados alguns dias tentava agradecer, tentava reagir, mas eu tinha perdido parte de mim. Como é que se recupera algo irrecuperável? Como é que se preenche o vazio, o desespero? Para onde vai todo o amor infinito, agora convertido numa tristeza tão profunda que a vontade de continuar viva é perto de nenhuma.
“Voltaremos a tentar.”, dizes tu, “Os médicos vão perceber o que se passou e numa próxima gravidez vamos estar mais atentos.” Eu não quero uma próxima gravidez, eu mal consigo olhar para ti neste momento. Quero-o a ele, ao nosso pequeno, ao nosso enérgico que mal me deixava dormir ultimamente, que me fazia amaldiçoar o cabelo pastoso e as pernas inchadas, que me fazia sentir esfomeada a toda a hora.
Escrevo-te porque não te consigo falar. Ainda me sinto em choque, como se tivesse acontecido a outra pessoa e não a nós, não a mim. Não sei como pedir ajuda, nem sei se quero ser ajudada sem antes fazer o luto completo, seja isso o que for. Quero que saibas que não te culpo, mas que também não consigo olhar para ti sem me lembrar dele, do nosso filho, do que poderíamos ter sido os três.” (por continuar)
Morrighan 19/09/2013 – 14h45
Eu passei por isso, também a minha ex perdeu o nosso filho, também ficou sem poder olhar para mim sem se lembrar do pequenote que poderiamos ter tido. Infelizmente para mim ela não conseguiu resistir a isso e nos separámos, ela não me queria sequer ver. Agora ela está com outra pessoa e conseguiu engravidar de novo, ela está feliz, mas eu, eu continuo triste por não ter podido ter o que sempre desejei, mas fico feliz por ela por poder ter uma nova chance 🙂
Paulo, lamento imenso :
Até me fiquei a sentir um bocado mal, agora. Eu nunca passei por isto. Foi algo que surgiu e escrevi sobre isso tentando colocar-me na pele da mãe.
Custou-me imenso, às tantas enquanto escrevia tinha as lágrimas a escorrerem-me pelos olhos..
Não te precisas sentir mal, são coisas que acontecem na vida, e como tudo cada coisa que passamos nos molda para o que chegamos a ser 🙂
É um óptimo texto… E tu sabes mesmo que, por mais coisas que escrevamos, chega aos corações de toda a gente menina 🙂
Nunca te sintas culpada por fazer os outros sentir. Afinal de contas, isso serve para abrir velhas chagas e criar novas passagens para a luz.
É ao sentir que evoluímos, é ao sentir que nos somos cada vez mais ☺