Opinião: Debaixo de Algum Céu de Nuno Camarneiro

Debaixo de Algum Céu

Nuno Camarneiro

Editora: LeYa

Vencedor do Prémio LeYa 2012

Sinopse

“Num prédio encostado à praia, homens, mulheres e crianças –
vizinhos que se cruzam mas se desconhecem – andam à procura do que lhes falta:
um pouco de paz, de música, de calor, de um deus que lhes sirva. Todas as
janelas estão viradas para dentro e até o vento parece soprar em quem lá vive.
Há uma viúva sozinha com um gato, um homem que se esconde a inventar futuros, o
bebé que testa os pais desavindos, o reformado que constrói loucuras na cave,
uma família quase quase normal, um padre com uma doença de fé, o apartamento
vazio cheio dos que o deixaram. O elevador sobe cansado, a menina chora e os
canos estrebucham. É esse o som dos dias, porque não há maneira de o medo se
fazer ouvir.

A semana em que decorre esta história é bruscamente
interrompida por uma tempestade que deixa o prédio sem luz e suspende as vidas
das personagens – como uma bolha no tempo que permite pensar, rever o passado,
perdoar, reagir, ser também mais vizinho. Entre o fim de um ano e o começo de
outro, tudo pode realmente acontecer – e, pelo meio, nasce Cristo e salva-se um
homem.

Embora numa cidade de província, e à beira-mar, este prédio
fica mesmo ao virar da esquina, talvez o habitemos e não o saibamos.

Com imagens de extraordinário fulgor a que o autor nos
habituou com o seu primeiro romance, Debaixo de Algum Céu retrata de forma
límpida e comovente o purgatório que é a vida dos homens e a busca que cada um
empreende pela redenção.”

Contracapa de “Debaixo de Algum Céu

Opinião

Esta opinião não é de agora, pois o agora das últimas
páginas foi já há sete meses – que, em boa verdade, foram só dois mas a
cadência do tempo é diferente para cada um . Dois meses, acertemos, mas
aceitemos que para mim se passaram sete. 
E meio, só para aconchegar a perfeição.

E esta opinião – antes da sua concretização – vem com uma
consideração prévia a ela mesma: li este livro por dois simples – e fúteis,
talvez – motivos. Analisemos então:

1) Há algo poético nas palavras “Debaixo de Algum Céu”;

2) Nuno Camarneiro é Engenheiro Físico (talvez o
entendimento deste ponto não seja substancialmente óbvio, mas refresca o ser de
um estudante de enganharia a prova física de que não é limitado à arte da sua
ciência, ou engenho, se preferirem.).

 (#1 – Impõe-se a
questão: quão ocos serão os motivos que nos guiam?)

(#2 – Acho que matei a poesia da coisa com esta enumeração.)

Ocos poderão ter sido os meus motivos, mas não o que ele
encerra. Um prédio à beira-mar. Plantado talvez fosse o seguimento lógico, mas
não. Apenas um prédio à beira-mar.

E esse prédio podia ser o nosso. Famílias que poderiam ser
as nossas, com personagens que poderíamos ser nós.  Eu, tu, com as particularidades de nós mesmos
e apenas a nós associados, ao mundo que nos envolve, ao som do velho motor do
elevador, do tipo estranho dois pisos abaixo, o gotejar do telhado no vidro, um
nós apreciado numa realidade escrita diferente.

(#3 – Este hábito de deixar as palavras – ou serei eu? –
divagar pela metafísica da treta…)

Diárias vivências são retratadas e oito são os habitantes. O
período é curto e encerra o mar, e o prédio, e o nós daquelas palavras. E,
nesse nós, um homem encontra Deus e outro nele se perde. Uma menina tornada
mulher e uma criança constrói no trágico que descobre, ‘Beatriz’. O stress de
recém maternidade e abandonos numa vida virtual tornada real. Crises de
meia-idade, uma visão romântica da vida que só um velho vivido pode ter. Um
romance de anos que se descobre. Uma perda. Uma vida solitária há anos vivida.
E a vida como um jogo de pontuações acumuladas.

Isto é o que encontramos debaixo do nosso céu, numa cadência
de tempo incerta, talvez não possível (impossível não era o termo certo),
talvez desadequada do tempo físico que encerra. 
Seja como for, neste ou noutro tempo, é um céu curioso.

E o que é curioso, seduz. E o que seduz, merece ser lido.

joanapontoneto

Algumas citações

“Uma história são pessoas num lugar por algum tempo. As
margens da página, como o silêncio, estabelecem limites certos para que um
conto não se confunda com o que não lhe pertence. Pode contar-se uma história
enchendo-se uma caixa vazia ou desenhando-se paredes à volta de gente.”

“No prédio, pessoas em cima umas das outras, divididas por
tijolos e cimento, apartadas em apartamentos, para que não caiam e se baralhem
as vidas de cima com as debaixo. Pessoas arrumadas como histórias em estantes;
só que não é assim, quase nunca é assim.”

“A história é também muito que não vai contado, porque é
fácil contar o que acontece, mas faltam palavras para o resto.”

“A paróquia é pequena mas devota, como são quase todas as
terras onde os homens morrem só de ganhar a vida.”

“Às vezes o padre falava de pecados e ficávamos todos cheios
de tesão com a ideia disso.”

“A ideia de pecado mata mais do que todas as bombas, o dever
e a culpa são morte antes da morte.”

“Mas as ideias, como um cão, às vezes correm por onde querem
e levam-nos atrás porque também nós lhes pertencemos.”

“Assegurar-se de que o mundo novo não funcione pela mesma
razão que o velho não funcionou, porque há homens que não cabem onde os querem
meter.”

“Nenhum mundo pode ser perfeito se não tiver lugar para
homens imperfeitos. No limite, talvez o único sistema possível seja o que parta
de uma humanidade toda imperfeita em todas as coisas, a excentricidade como
premissa.”

“Somos todos uns sentimentais e por isso demoramos no que
nos dói. Temos o choro fácil que dá ou não dá em lágrimas, guardamos as dores
cheias de pormenor enquanto as felicidades ficam por ali, confusas, com algumas
caras, alguns sons, incertas e vagas. Lembramos os sapatos de calçávamos quando
alguém morreu, a hora da notícia, o programa que passava nesse instante e até
as vergonha que pensámos. Folheemos as páginas do riso e pouco encontraremos,
algumas frases, momentos caricatos, elementos de uma paisagem. Pouco e mal
contado, estávamos distraídos, demasiado ocupados na felicidade para lhe
fazermos o retrato.”

“…, temos arcas cheias de mágoas que não esquecemos e que
abrimos a todo o momento para ver se ainda nos doem, e doem sempre.”

“Alguns segundos de uma irmã, um nome terno que há muito
tempo só chama saudades.”

“Para Moço, as religiões seriam perfeitas se pudessem
dispensar os deuses, se os homens se despissem na rua sem precisarem de olhar
para cima, rindo orgulhosos por seres donos da loucura e de palavras raras.”

“Faltam ainda muitos outros na ideia de Moço, mas não tem
pressa, as memórias fazem-se de tempo.”

“Tenho uma fome grande e antiga de qualquer coisa que não se
pode comer nem tocar. Uma ânsia imensa e permanente que me vigia o sono e me
custa entender.”

“A sede é uma pressa que não admite passado, por isso
esperamos água do céu. Um homem sedento não sabe onde tem os pés.”

“Um eco que é o som depois do som, quando já tudo se calou
mas as almas ainda cantam. As almas são de difíceis silêncios.”

“O tempo é uma merda porque corre sem mim mas eu estou
sempre nele, e isso é uma merda.”

“Viver mais vezes connosco, só comigo, sem ter quem me
esperasse, quem me empurasse, sem as vontades estrangeiras do tempo de outra
gente.”

“Demasiado inteligentes para fazerem apenas o que lhes
mandam, suficientemente cínicos para não proporem alternativas.”

“São precisos homens que tragam poemas nos bolsos e músicas
nos lábios, que interrompam a luta para beber chá e cortejar as senhoras, que
fujam das certezas como um louco da realidade. Só homens incertos podem manter
um mundo que se esquiva de qualquer sentido, não é na lógica que superamos os
animais, mas tão-só nas diferentes modalidade de loucura.”

“- Os homens são crianças também, menina, passam a vida à
procura sem saber o que lhes falta. Correm as mulheres olhando para elas e
mexendo-lhes no corpo, depois fartam-se e viram-se para outra. São poucos os
que adivinham que o que lhes falta está metido dentro do que não sabem ver.
Soubessem eles quantas mulheres dormem dentro de cada uma, menina, mas não
sabem.”

“O quinto e último desenho, que Frederico termina agora, são
os barulhos que ouve quando está sozinho. Chorar é preto, pés a andar é azul, a
música de outras pessoas é verde, pancadas na parede é vermelho, gemidos e a
palavra «Beatriz» são amarelo e cor-de-laranja.”

“…, mas não se esqueça de que a política é efémera,
enquanto a lealdade, ou falta dela, nunca se esquecem.”

“Eis a liberdade que tanta falta te faz, tão importante
quando a imaginas e tão triste quando finalmente a consegues.”

“As palavras que não se dizem estão cheias do que não se
mostra.”

“Só o presente é lugar, e fica aqui, no ponto exacto em que
as memórias se sublimam em desejos.”

“Os cães da praia medem os homens pelas sombras que deitam,
e notam que a sombra de um homem só em parte se deve ao seu tamanho.”

“Também eles causam comoção, o velho ateu e a viúva do
protestante, duas heresias de braço dado.”

“Há depois quem viva para os outros, e são os que morrem
melhor, porque a vida que têm não é já sua mas foi espalhada por quem dela se
valeu.”

“Adriano tem inveja daquele homem, porque soube morrer ainda
com vida, antes que tudo se estragasse.”

Comprar: http://www.wook.pt/ficha/debaixo-de-algum-ceu/a/id/14828350/?a_aid=4ff9b52ae36d3

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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