Existem pessoas que tornam o meio em que trabalham em algo especial. Pessoas que, quando se fala no seu nome, provocam um sentimento de grande carinho e gratidão. É este o meu sentimento em relação a Raquel Lains, promotora e agente da Let’s Start a Fire. Foi muito graças ao seu espírito sempre tão alegre e dedicado que o Morrighan iniciou a sua aventura mais a sério no mundo da música e que conseguiu chegar aos seus artistas nacionais preferidos.
Ao longo dos últimos meses em que tenho interagido com a Raquel, a motivação e o dinamismo têm sido as palavras de ordem e o seu entusiasmo na divulgação dos seus artistas é completamente contagiante. Não, isto não é um post para puxar o lustre à nossa querida Raquel, mas antes a minha forma, o meio que tenho, de agradecer publicamente à Raquel por, sem saber, tornar um sonho meu realizado.
Raquel, mereces todas as palavras maravilhosas que recebes dos teus artistas e colaboradores. É um prazer do tamanho do mundo trabalhar contigo.
Fiquem então com a entrevista sobre a Raquel e todo o seu percurso na promoção de discos.
1. Let’s Start a Fire é o teu projecto de promoção e agenciamento de artistas. O seu nome faz jus ao impacto que o teu nome, Raquel Lains, tem no mundo da música – são poucos aqueles que ainda não ouviram falar nele! Comecemos pelo início, como surgiu a Let’s Start a Fire?
Em adolescente, eu era daquelas miúdas que saía da escola e ia ouvir música para a minha lojinha de música favorita, escolher discos e ouvir sugestões de discos pela dona da loja. Passei horas e horas de phones numa lojinha em Leiria, a minha cidade natal. A música sempre foi uma das minhas paixões.
Comecei a trabalhar na música desde Janeiro de 2002, foi o meu primeiro emprego! Tirei o curso de Comunicação Cultural na Universidade Católica e finalizei-o em 2001. Dois ou três meses depois, quando desfolhava o Blitz, encontrei um anúncio duma editora/ distribuidora independente que precisava de alguém! Telefonei imediatamente e senti que essa era a minha oportunidade de trabalhar numa das coisas que mais gostava, a música! E consegui o emprego! Encontrei o meu primeiro emprego na Sabotage e na Zounds em Janeiro de 2002.
O catálogo e artistas que trabalhavam tinha tudo a ver comigo e sentia um orgulho imenso em lá estar! Trabalhei artistas como: Stealing Orchestra, Loosers, Devendra Banhart, GY!BE, A Silver Mt. Zion, Fantomas, Melvins, Fugazi, Mars Volta, Nina Nastasia; editoras como a Soul Jazz, Kranky, Constellation, Ipecac, Anticon, Young God, Dischord, Touch And Go. Ainda hoje vibro com os artistas da Sabotage! Estive lá dois anos até sentir necessidade de aprender e crescer mais. Optei por sair de lá e procurar novas perspectivas do mundo da música.
Uma semana depois de sair da Sabotage estava a ser contactada pelo departamento promocional da Universal Music porque precisava duma pessoa para substituir uma promotora de rádio que estava de baixa e alguém me tinha recomendado. Esta substituição seria uma temporária, à volta de 15 dias. Eu achei que seria muito interessante a nível profissional observar e ter contacto directo com uma major visto vir duma independente.
O mais engraçado é que os 15 dias transformaram-se em 2 anos de trabalho na Universal Music enquanto promotora de rádio. Aprendi muito na Universal. Sentia-me muito privilegiada por poder ter a experiência de ter trabalhado numa editora/ distribuidora independente (Sabotage/ Zounds) e de a poder completar com a minha passagem por uma das majors (Universal Music). Era uma perspectiva totalmente nova, um mundo novo que se estava a abrir completamente e a ensinar-me coisas sobre as quais nunca tinha ouvido falar.
Na Universal Music, deu-me muito gozo trabalhar determinados artistas como: Pluto, Blasted Mechanism, Cristina Branco, Caetano Veloso, DJ Shadow, Sonic Youth, Kaiser Chiefs, Beck, Feist, Eeels, Ian Brown, Yeah Yeah Yeahs, PJ Harvey, Donavon Frankenreiter, Queens Of The Stone Age, etc. São demais para conseguir mencionar todos.
Mas chegou a um ponto que senti que não iria aprender mais e que estava na hora de sair… mais uma vez! E já há um tempo que sentia que o que queria mesmo era decidir quais os artistas que promovia, promover os meus próprios artistas, os discos e artistas que gostava de ouvir, com os quais me identificava. E isso poderia ser uma aposta a nível profissional! E foi isso que fiz! Saí da Universal com o objectivo de apostar na promoção discográfica enquanto freelancer. E é isso que sou hoje, uma promotora discográfica que trabalha o que quer e que gosta!
2. Vários artistas mostram um grande carinho e admiração pelo teu trabalho. O que é que achas que fazes de diferente dos outros que torna essa ligação tão especial?
A Let’s Start A Fire apenas trabalha os discos e bandas que eu gosto musicalmente, com os quais me identifico e cuja sonoridade mexe comigo! O som que trabalho não tem necessariamente de pertencer a um determinado género musical mas tenho de gostar do som para ele dar a cara pela LSAF e vice-versa, para a LSAF dar a cara pelo disco/ banda. Eu tenho sempre de me identificar com a sonoridade do disco que vou promover, sempre. Esta é a minha filosofia e é assim que a Let’s Start A Fire funciona! É a vantagem de trabalhar em nome próprio.
Portanto, o amor pela música está sempre presente, é assim que trabalho, fazer tudo pelo prazer que sinto em trabalhar no meio da música e trabalhar com a música que gosto.
Para além disso, tento sempre ser o mais cuidadosa possível ao aceitar trabalhos. Como sou só uma pessoa, uma das coisas mais importantes é garantir a qualidade dos serviços que presto e se aceitar trabalhos a mais, essa qualidade poderá ficar em causa.
Por todas estas razões, todas as bandas que promovo são sempre muito especiais para mim, muito, e é raro o caso em que não sinta uma relação muito próxima com os músicos ou bandas. Sinto muitas vezes, inclusive, que faço parte da banda, que sou também um dos membros da banda. Tento sempre tratar todas as minhas bandas de forma muito especial, com o carinho e atenção que merecem.
3. O contacto faz-se através de contacto directo com músicos ou editoras?
A maior parte das bandas com as quais trabalho contactam-me directamente! Alguém lhes recomendou o meu nom e contactam-me. Para além disso, também trabalho directamente com editoras, distribuidoras e promotoras de espectáculos. Trabalho com toda a a gente mas pela situação actual do mercado, trabalho maioritariamente discos de edições de autor ou de editoras independentes.
4. Lidares com músicos internacionais tem contribuído para a tua postura em relação aos músicos portugueses?
Sinceramente, eu não diferencio os artistas por serem portugueses ou internacionais, por serem mais conhecidos ou menos conhecidos. Acho que todos devem ser tratados da mesma forma, com o máximo dedicação que merecem da minha parte. Por isso, não me vejo a ter uma postura diferente com um artista apenas por não ser português.
O meu trabalho é exactamente o mesmo sendo uma banda portuguesa ou não. A única diferença que me lembro é, no caso da banda ou artista ser estrangeiro, de tentar ajudar a banda ou artista a ter a melhor passagem pelo nosso país recomendando-lhe sítios, restaurantes, passeios, tentando que se sinta o mais confortável no nosso país e que saia daqui a gostar de Portugal.
5. Também promoves festivais e concertos, como é que consegues chegar a todo o lado?
Eu trabalho na música há 12 anos e acho que o meu nome já começa a ser conhecido por algumas bandas e editoras. E isso faz com que, por vezes, me recomendem também para a promoção de festivais e de alguns concertos.
Estou a promover pelo segundo ano o Fusing Culture Experience e já promovi vários festivais como Musa Cascais, Atlantic Surf Fest, Lisboa Jamaican Day, Reggae Blast, Gaia Reggase Fest, Festival CCB Fora de Si, INJAZZ, Festival One Man Band, entre vários outros.
6. Tens alguma experiência especial que gostasses de partilhar? Algum momento marcante?
O momento mais marcante foi a aposta dos Mão Morta, principalmente do Adolfo, no meu trabalho enquanto freelancer. Foi pelo trabalho que consegui fazer com eles que ganhei a confiança que precisava em apostar em mim própria, tal como eles apostaram.
Enquanto eu estava na Universal, estava a estudar Produção e Marketing Discográfico na ETIC e tive de fazer um trabalho para o módulo de Gestão da Imagem e, enquanto fã dos Mão Morta, quis fazer o meu trabalho sobre eles. Para esse trabalho, o ideal seria conseguir falar com a banda e, mesmo achando que os MM teriam mais que fazer do que perder tempo com uma miudita como eu, tentei a minha sorte e enviei um email. Tive resposta imediata e a minha relação com os Mão Morta começou nesse momento.
O Adolfo foi completamente prestável para o meu trabalho e eu só podia retribuir duma única forma. Oferecendo-lhes os meus serviços de promotora sempre que precisassem. E a altura da minha oferta foi perfeita! Estavam a preparar o lançamento de Nús e o Adolfo perguntou-me se eu teria interesse em fazer a promoção do disco! É CLARO que eu tinha! E correu muitíssimo bem! Demo-nos muito bem a trabalhar e os resultados foram excelentes!
O Adolfo e os Mão Morta apostaram em mim com esse trabalho e sou-lhes eternamente grata por isso! Estou ligada a eles desde essa altura. Sem eles, eu não era o que sou hoje, disso tenho a certeza!
7. Em relação a novos artistas que queiram iniciar um projecto, que conselhos é que lhes poderias dar?
Actualmente, o mercado discográfico nacional e internacional encontra-se numa fase difícil. A venda dos discos está numa situação crítica devido ao aparecimento de suportes alternativos ao disco, ao fenómeno da pirataria e, todos sabemos, à crise económica. Isto é um facto que influencia a direcção que a indústria discográfica está a seguir.
Devido à grande diminuição de vendas de discos, o poder de investimento das editoras, pequenas e grandes, tem vindo a diminuir a olhos vistos o que faz com que a aposta em novas bandas seja um risco que muitas já não possam correr. Isso implica que bandas geniais fiquem frequentemente por sua conta neste mercado cão.
E é aqui que eu acho que há uma grande mudança na indústria. As bandas não desistem e não cruzam os braços. Muitas bandas optam por editar em nome próprio, as cada vez mais frequentes edições de autor.
E é, principalmente, quando tomam esta decisão que as bandas têm que encontrar uma boa equipa de pessoas para trabalhar o seu disco nas várias frentes: gravação, produção, mistura, masterização, grafismo, fábrica, distribuição, promoção e agenciamento.
Portanto, o meu conselho é não desistir, acreditar no trabalho que têm na mão e rodearem-se das melhores pessoas possíveis para o trabalhar (com ou sem uma editora por trás).
8. Achas que Portugal é um bom país para se fazer boa música? Isto é, achas que existem condições para bons artistas vingarem?
Cada vez mais, o público me parece mais aberto às bandas nacionais. Sinto que, há uns anos atrás, os portugueses eram mais fechados e não havia grande abertura para o conhecimento de novas bandas portuguesas, aceitavam as bandas nacionais mais conhecidas e essa era a sua zona de conforto a nível musical, tudo o que era novo causava desconfiança e sinto que é algo que foi mudando nos últimos tempos. As bandas têm cada vez mais espaço para mostrarem o seu trabalho (não me estou a referir a mais espaços para tocar ao vivo, porque a crise atingiu também a capacidade de investimento em concertos) e há uma maior aderência e curiosidade em relação à sua música.
Em relação às editoras, já falei delas anteriormente e no seu cada vez menor poder de investimento em novas bandas.
Quanto aos concertos, apesar de considerar que existem boas salas de espectáculos pelo país, a crise também atingiu os promotores de espectáculos e, há cada vez mais concertos com acordos de bilheteira o que implica grandes riscos para as bandas, irem a seu próprio risco sem qualquer garantia de receber um cachet minimamente aceitável pelo concerto que dão e pelas despesas que a banda tem para que esse concerto aconteça.
Mesmo assim, existem alguns artistas que conseguem viver inteiramente da música. É um esforço enorme e o retorno financeiro fica, na maior parte dos casos, aquém do trabalho que fazem mas, ainda assim, é uma escolha consciente e que acaba por ser equilibrada por uma realização pessoal muito maior do que se trabalhassem numa outra área da qual não retirassem tanto prazer.
9. Passando a perguntas mais informais: gostas de ler? (se calhar devia perguntar se tens tempo para ler! (risos) ) Algum autor preferido?
Infelizmente, tenho muito pouco tempo para ler! Adoro ler e tenho uma torre de livros gigante em cima da mesinha de cabeceira. O autor que mais tenho lido e que descobri nos últimos 2 anos é o Stefan Zweig. Não digo que seja o meu autor favorito mas é com certeza o que me está a encantar ultimamente.
10. E escrever? Vias-te a escrever um livro com tudo o que tens vivido através da música?
Não, não me vejo a escrever um livro. Acho que não teria grande sucesso.
11. Quais os teus artistas preferidos?
Os Belle And Sebastian.
12. Tens alguma música que te tenha marcado por alguma razão em especial? Que seja Aquela música?
Tenho muitas…
Perguntas rápidas:
Pessoa que admires: minha mãe.
Combinação Prato/Bebida ideais: Há vários pratos. Mas a bebida é sempre cerveja.
Local de Concertos preferido: Não tenho uma sala preferida. Mas prefiro as salas pequenas a grandes salas ou festivais, sem dúvida.
Pergunta da praxe: o que achas do trabalho feito pelo blog Morrighan?
Dou sempre muito valor aos blogs que divulgam música. Acho que é sempre um trabalho de mérito e que é sempre feito por amor à música e à arte.