Ida, de Pawel Pawlikowski
Verifico com surpresa que Pawel Pawlikowski não é uma ostra. É um senhor polaco de quase 60 anos, bem conservado, com uma longa carreira académica em literatura e filosofia. Além disso, é realizador de cinema. E fez uma pérola. Não conheço a sua filmografia anterior, que inclui documentários televisivos e filmes produzidos em Inglaterra, mas Ida, o primeiro que realizou na sua terra natal, é belo e polido, tem um brilho suave mas intenso, e é precioso. Como uma pérola.
Essencialmente, Ida é um filme a preto e branco sobre uma freira na Polónia dos anos 60. Mas não desistam já, porque o filme é maravilhoso. A protagonista, que lhe dá o nome, é uma noviça que viveu desde sempre num convento. Prestes a assumir os votos, é informada pela madre superiora que, afinal, conhece-se-lhe um familiar vivo, uma tia, antiga juíza do regime comunista e aguerrida combatente contra os inimigos do povo polaco, agora quebrada em desalento e depressão. Com essa tia, Ida descobre que é judia e que os pais foram assassinados durante a guerra, e, com a sua ajuda, procura compreender a história da sua família e de si própria.
No entanto, a faceta mais interessante da narrativa acaba por ser o confronto de Ida com todo o desconhecido mundo exterior. Nesse aspecto, Ida é também um filme “de formação”, principalmente em relação ao desenvolvimento moral e psicológico da jovem. Dir-se-ia que a tia a tenta “desencaminhar” – assim como tenta o mundo inteiro, apenas por começar a existir – mas em vão. Dir-se-ia também que Ida está na “flor da idade”, por isso é normal que acabe por desabrochar e descobrir alguns dos prazeres mundanos (um pleonasmo?). Aconteça o que acontecer, Ida nunca mais será a mesma. (Haverá Ida e volta? Vejam o filme, antes que eu continue com os trocadilhos infelizes.)
Ida comove e maravilha tanto com o que se diz como com o que se cala, cativando nas palavras, nos gestos das personagens, e no ambiente transportado nas imagens. É um filme bem conseguido em todos os aspectos, percebendo-se uma visão e uma intenção em cada um dos planos. A fotografia é a mais bela que vi nos últimos tempos, e isto é ainda mais notável por ser a preto e branco, e feita a partir de uma paisagem desolada. Os planos são compostos a régua e esquadro, com uma assinatura única, cheia de soluções engenhosas e de ideias visuais subtis mas valiosas. O próprio formato do filme, o desusado 1.37:1, permite que se (re)invente uma estética que homenageia o passado sem deixar de ser moderna.
Os actores são todos muito competentes, nomeadamente Agata Kulesza, a tia de Ida. Mas é à volta da personagem principal que o filme existe, e a actriz escolhida para o papel não podia ser melhor. Ao que consta, Pawlikowski pediu aos amigos para tirarem fotografias a raparigas desconhecidas que tivessem o aspecto enquadrado com o que o realizador procurava para a personagem – uma beleza muito específica e algo ambivalente. Foi assim que alguém encontrou Agata Trzebuchowska e a convenceu a fazer uma audição. Basta ver cinco minutos da sua expressividade subtil, adivinhando o mundo interior contido no olhar muito escuro de Ida, para percebermos que Trzebuchowska é um achado que o tinha de ser.
Ida é hipnotizante do início ao fim. Tem apenas 80 minutos mas não lhe falta nada, e muito menos peca por excesso. É uma pequena obra-prima, e até nisso se assemelha a uma pérola.
Emanuel Madalena