Algumas das maiores lições de vida que aprendemos em crianças não foram através dos conselhos chatos dos adultos ou dos ralhetes dos nossos pais, mas sim através dos contos infantis e das suas suaves e subliminares metáforas.
Por mais que a minha mãe me dissesse que os seus conselhos eram para o meu próprio bem, quem me ensinou isso melhor que a Capuchinho Vermelho, que ao desobedecer à mãe ia entregando a sua vida e a da avó ao lobo mau? Quem nos ensinou que é perigoso aceitar coisas de estranhos se não a Branca de Neve? A Cinderela e o Patinho Feio ensinam-nos que de onde vens não interessa, mas sim quem somos… e apesar de em alguns casos a mensagem hoje nos poder parecer algo retorcida, na infância conseguíamos reter o que realmente importa…
Posto isto… qual é a m**da da mensagem da Cigarra e a Formiga?!
A fútil cigarra só pensa em cantar e é isso que faz o tempo todo, enquanto a laboriosa formiguinha, trabalha incessantemente durante o calor, armazenando comida para o Inverno. Quando finalmente chega o impiedoso frio, a cigarra sem nada que comer vê-se obrigada a pedir ajuda à formiga, que é tão esforçada, que tinha comida de sobra para dois. Por outras palavras: o artista é vagabundo!
Basicamente: enquanto a formiguinha, que era o modelo do que uma pessoa deve ser, honesta e trabalhadora, fazia o que lhe cabia e ainda mais, a vadia da cigarra perdia o seu tempo e o tempo dos outros em cantorias, em vez de arranjar um emprego a sério. Acabou os seus dias a pedir esmola e a viver à custa de quem tanto fez, como a pobre formiguinha, que agora tinha de sustentar artistas.
Quando é que pareceu razoável a alguém ensinar a uma criança que a arte é uma perda de tempo? Que quando muito deve ser um hobby! Quem foi o génio que achou por bem afirmar que trabalhar para sobreviver é a maior das virtudes da vida? Não há nenhuma outra mensagem neste conto que não esta!
Porque é que desde cedo somos habituados a condenar e a ver como libertinagem a expressão artística em prol de uma vida de trabalho dito “honesto”, “sério”, “seguro”, etc? Porque é que a arte há de ser sempre marginal e marginalizada? E porque é que os artistas não têm os mesmos direitos que outros profissionais?
É por isto que nós artistas temos de receber ares de condescendência sempre que dizemos a nossa profissão. É por isto que tantos pais desencorajam os filhos a entrar para escolas e conservatórios de arte, mesmo sendo claramente essa a sua vocação, preferindo que vivam frustrados num trabalho seguro e aborrecido como eles próprios tiveram. É por isto que não oferecemos qualquer tipo de segurança aos artistas.
Em nenhum ponto do conto se falam em virtudes da cigarra! Cantava bem? Entretinha a formiga? Sobretudo: cantar não podia ser o trabalho dela? Não ganhava nada por issso? Parece-me justo que se a esteve a entreter a formiga durante todo o Verão, deva ter alguns dividendos disso.
Talvez a mensagem correcta deste conto deva ser: sigam o exemplo da formiga que paga aos artistas e lhes reconhece o valor.
João Cruz