Saber estar em público é uma capacidade que mais cedo ou mais tarde todos nós adquirimos de forma natural. Manter o low-profile, não sobressair e seguir as normas, tirando algumas excepções, são comportamentos vamos compreendendo como parte do normal e do expectável.
Bem diferente é saber estar com público. Ter o olhar julgador de várias pessoas posto em nós é uma experiência para a qual ao longo da nossa vida temos pouca ou nenhuma preparação. O nervosismo apodera-se, as mãos suam e tendem a esconder-se para não fazerem movimentos involuntários que denunciem a nossa vontade de fugir, a saliva começa a desaparecer da nossa boca, fazendo a nossa língua ter uma textura muito semelhante à cortiça e as palavras do nosso discurso tão bem preparado como que por magia desaparecem da nossa cabeça, dando-nos vontade de ficar em posição fetal, à espera que a tudo passe, que aquelas pessoas más vão embora e a nossa mãe nos venha buscar.
Estar com público é talvez das experiências mais aterradoras da nossa vida (e não é a toa que várias pessoas fogem dessa exposição como o diabo da cruz). Como tudo na vida exige trabalho… exige treino.
É por isso que foi com indignação que soube que a Expressão Dramática tinha sido retirada do plano das Actividades de Enriquecimento Curricular na maior parte das escolas primárias. Quando dei aulas, sempre recusei o título de “Professor de Teatro” que colegas e alunos teimavam em colocar-me, por não ser isso que eu estava a ensinar. Nunca encarei como parte das minhas funções criar actores ou actrizes com 6 anos de idade, mas sim preparar crianças para lidar com a exposição.
Os jogos de expressão dramática a meu ver têm exactamente essa função. Através de brincadeiras, por pessoas de várias idades a interagir e a vencer o medo do ridículo e sempre foquei as minhas aulas nesse sentido. Com a difícil missão de dar aulas de expressão dramática em salas de aula, com mesas e cadeiras que os professores titulares me pediam que permanecessem como estavam e com um horário que não me permitia perder 10/15 minutos com arrumações, investi nos exercícios à vez. Sozinhos ou em pequenos grupos pedia aos meus alunos que fossem à frente, a um palco imaginário, e recriassem os jogos apreendidos ou simplesmente contassem estórias aos colegas. E é com orgulho que afirmo que consegui resultados notórios. Alunos que mal falavam sentados no lugar, iam agora à frente e falavam, faziam jogos, etc… mesmo estando lá os colegas…
Esta é a importância da expressão dramática. Não é ensinar as crianças a imitar um macaco ou um leão, mas sim que bem ou mal, tenham confiança para o fazer quando alguém está a olhar.
Isto não devia ser algo optativo de se aprender, devia ser obrigatório. Pedem-nos apresentações de trabalhos na escola, mas nunca nos ensinam a fazê-lo convenientemente, resultando apenas em 10 minutos de tortura para um adolescente, a debitar palavras em frente aos seus colegas que não perderão uma oportunidade para lhe infernizar a vida. É claro que odeiam falar em público… só lhes traz dissabores.
Nenhum grande orador (seja ele de cariz político ou artístico) resolveu um dia começar a falar alto e as pessoas naturalmente o começaram a ouvir. Foi uma coisa construída, preparada, treinada, até chegar ao ponto em que falar para um auditório é uma coisa natural e é essa naturalidade que enfeitiça as pessoas.
João Cruz