A Chama ao Vento
Carla M. Soares
Editora: Porto Editora
Chancela: Coolbooks
Sinopse: Vivem-se os anos mais negros da Segunda Guerra Mundial, e a vida brilha com a força e a fragilidade de uma chama ao vento. Na Lisboa de espiões e fugitivos dos anos 40, João Lopes apresenta à sua amiga Carmo um estrangeiro mais velho, homem de segredos e intenções obscuras que depressa a seduz, atraindo os dois jovens para uma teia de mistérios e paixões de consequências imprevistas.
Anos volvidos, Francisco, jornalista, homem inquieto, pouco sabe de si próprio e menos ainda de Carmo, a avó silenciosa que o criou, chama apagada de outros tempos. É João Lopes quem promete trazer-lhe a sua história inesperada, história da família e dos passados perdidos nos tempos revoltos da Segunda Grande Guerra e da Revolução de Abril. Para João, é uma história há muito devida. Para Francisco, o derrubar dos muros que ergueu em torno da memória e da própria vida.
A chama ao vento é um retrato íntimo de Portugal em três gerações, pela talentosa escritora de Alma Rebelde.
Opinião: De cada vez que lemos a primeira obra de um autor, definimos logo a nossa opinião sobre o potencial e qualidade que a sua escrita tem. Se achamos que não tem o suficiente de cada, talvez nunca mais peguemos nos livros, mas quando detectamos essas duas qualidades só queremos um novo livro cá fora. Carla M. Soares é um claro exemplo do que é um diamante em bruto que com o tempo se vai aprimorando. A sua primeira obra foi Alma Rebelde, publicada em 2012, e se na altura tinha apreciado a sua escrita, embora à história lhe faltasse um pouco mais de espevitamento por parte da protagonista, é com A Chama ao Vento, e-book publicado pela nova chancela da Porto Editora – Coolbooks – que a qualidade desta escritora enquanto contadora de histórias se torna inegável.
O início da narrativa começa lentamente, como uma maré que nos vai embalando e, de repente, quando damos conta estamos já muito longe do ponto de origem e inevitavelmente presos à corrente. É nesta altura que o instinto de sobrevivência surge e, como quem está em alto mar e só quer chegar à costa, também o leitor só quer virar as páginas cada vez mais rapidamente, ansioso por saber o destino do enredo apresentado. Urge a necessidade de encontrar a conciliação entre o que foi e o que é, entre o passado que se teima em manter submerso, o presente que não se enfrenta e o medo de que o futuro nada traga.
Três gerações, marcadas por um passado histórico que marcou a humanidade, relatadas a três vozes e mostrando como o fio condutor da vida humana é tão imprevisível e tão frágil. A nossa mente tem tendência a tirar conclusões precipitadamente, a fazer associações que muitas vezes somos nós mesmos que criamos, mas depois temos sempre receio de enfrentar os verdadeiros factos e as suas consequências. Com Francisco é um pouco assim. Dada a sua infância, ele assumiu imensos pressupostos, tirou as suas conclusões, e começou a viver uma vida com base nessa nuvem cinzenta. O resultado? Uma vida adulta satisfatória, porém longe de o preencher ou de o fazer sentir-se inteiro. A entrada de João Lopes na trama é o fósforo que incendeia toda aquela pólvora até ali espalhada. Com uma realidade diferente daquela que é familiar à mente de Francisco, este vem abanar o seu mundo e colocar em causa o seu eu presente e a sua postura com Teresa, alguém que ele ama, mas que não consegue assumir.
A escrita de Carla M. Soares é muito rica, não só pela imaginação sem limites, sempre coerente e ao mesmo tempo real, como também na capacidade de transmitir emoções a quem a lê. É fácil sentirmos uma grande empatia com Carmo, com João Lopes, até com Dekel – o tal estrangeiro. Neste aspecto, o da escrita, o livro só peca por uma razão: a revisão, se feita, foi bastante desleixada. Existem, ao longo de toda a obra, pequenas imperfeições e algumas trocas de nomes que com um olhar mais analítico crítico teriam sido perfeitamente evitáveis. Espero que este formato digital – já que, na minha opinião, a autora merecia um formato físico com uma obra destas – não venha a prejudicar Carla M. Soares. O talento está lá, é inegável, mas autor algum, após ter escrito uma obra com mais de 400 páginas, tem a capacidade de corrigir sozinho todos os erros que são inerentes e naturais no processo de escrita. Não querendo dar demasiada importância a este facto, mas ainda assim sublinhando a necessidade de haver trabalho com os autores portugueses por parte dos editores, quero reforçar que A Chama ao Vento é uma estória que vale a pena ler, que mostra um panorama de Portugal e das suas gentes muito histórico e emocionante. Gostei.
Tenho uma curiosidade infinita sobre este livro da Carla!
Leste o outro? 🙂