[Crónica João Cruz] Criatividade

Foi-me
recentemente pedido que falasse um pouco sobre a criatividade, sobre o seu
significado e de que forma é possível para quem trabalha numa área criativa
manter “a luz” acesa continuamente.

Acho
primeiro importante definir o que para mim é isso da criatividade numa frase:
tornar a imaginação real e funcional. Toda a gente tem ideias… a maior parte
são total e espectacularmente inúteis, os provável 1% de boas ideias que
existem continuam a ser exactamente isso… ideias. Criatividade é passar essas
ideias da cabeça para o mundo real e fazê-las funcionais, dentro do seu
objectivo (um carro esteticamente maravilhoso que por questões de design
contemple rodas quadradas, mas cujo objectivo continue a ser andar, não deixa
de ser um dos 99% olimpicamente inúteis). Esta é a minha definição de
criatividade… e nós portugueses somos espectaculares nisso…

Nenhum
povo consegue ser mais astuto, inventivo e rápido a CRIAR desculpas para não
ser criativo. Não procuramos uma solução a longo prazo, procuramos algo que
desenrasque. Não arranjamos a porta do armário, mas passamos o tempo que
podíamos passar a arranjar à procura de uma solução para não o fazermos, que
pode ir de um variado leque de fitas adesivas a deixar um volume encostado para
a porta não cair. Somos criativos para não sermos criativos… passamos mais
tempo a pensar em desculpas para não fazer do que em formas de fazer. Somos os
perguiçosos mais criativos do mundo, tornando a procrastinação numa forma de
arte.

Por
vezes criamos soluções de mais difícil execução do que a resolução do problema
inicial. Existe uma grande possibilidade de os descobrimentos tenham sido
lançados por um capitão que tinha um móvel em casa para concertar e inventou
uma viagem para se safar.

Nós
portugueses temos sempre a luz acesa… mas é só uma luzinha de presença. A
criatividade está lá, mas não arriscamos usar tudo de uma vez para não gastar.
Em qualquer outro país a frase “sê criativo” é um ultimato… é
realmente preciso uma solução nova, diferente e fora da caixa ou algo pode
correr mal… em Portugal é uma autorização oficial para o
“avacalho”… é realmente preciso uma solução nova para deixar tudo
como estava… mas com uma côr diferente para que pareça novo.

Não
é por não sermos capazes… é por termos medo de falhar. Porquê esforçar-me
para um objectivo que não tenho garantias de conseguir. Se Portugal fosse uma
corrida, teríamos 1 milhão de candidatos a correr para a meta e os outros 9
milhões a dividirem irmamente as quedas forçadas, dores de reumático ou ténis de
fraca qualidade como desculpa para não tentarem.

Se
toda a gente participasse, os que hoje correm à frente não teriam as mesmas
hipóteses. Se todos tentássemos ser criativos na forma de ganhar, continuaria a
só haver um vencedor, mas 50 ou 60 novas formas de evitar quedas, 20 ou 30
remédios para o reumático e 200 ou 300 novos ténis de corrida que no ano
seguinte melhorariam as hipóteses de toda a gente, tornando a corrida cada vez
melhor e mais aliciante. A excelência traz excelência… o progresso nem sempre
foi trazido pelos mais capazes, mas pelos que não se acomodaram e procuraram
uma nova forma de se tornarem igualmente capazes.

Se
gastássemos o tempo que passamos a inventar formas de esticar o dinheiro até ao
fim do mês ou a queixarmo-nos da falta dele, a criar formas de aumentar a nossa
produtividade e fazer mais dinheiro, não andávamos constantemente a contar
moedinhas. Se vivessemos num país em que 9 milhões criam soluções viáveis e
apenas 1 milhão procura a via mais fácil, em vez do contrário, podíamos tornar
o quinto império de Fernando Pessoa uma realidade…

Como
é que isto será um dia possível? Não tenho a solução… mas este texto é uma
óptima e criativa desculpa da minha parte para não termos de tentar…

João Cruz

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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