Quem anda nos meandros do Jazz certamente reconhecerá este nome – João Lobo. Português de nascença, mas agora residente em Bruxelas, o nosso músico tem dado que falar nos vários circuitos internacionais como alguém extraordinariamente talentoso na bateria. Recentemente, esteve presente no MAGAFEST e foi um dos músicos presentes durante as Maga Sessions de 2013. Outros músicos, como Scott Fields, Norberto Lobo, Giovanni Guidi, Júlio Resende, Giovanni Di Domenico ou Riccardo Luppi, têm requisitado os serviços do baterista e, para mim, foi uma honra poder sentar-me com ele e saber mais sobre o seu trabalho.
Fotografia por Vera Marmelo |
“Desde os primórdios“, é assim que João Lobo começa por responder quando lhe pergunto sobre o início da sua relação com a música: «Cresci numa casa onde se ouvia muita música, o meu pai sempre foi muito melómano, tinha muitos discos em casa, a minha mãe tocava um bocado guitarra – não era música -, mas também gostava muito de música. Muito cedo comecei a tocar e a interessar-me pela bateria, em fazer a minha própria bateria com objectos de casa, e quando tinha 11 ou 12 anos deram-me a minha primeira bateria. Desde então, sempre toquei esse instrumento. Na adolescência comecei a tocar em grupos e só no fim desta é que comecei a ter treino académico. Inscrevi-me no Hot Club e estive lá dois anos. Entretanto tinha começado alguns grupos cá em Portugal, como Norman, com o Norberto e o Manuel, mas depois fui para a Holanda estudar num conservatório.» Após este percurso inicial, Holanda, Bélgica e Itália foram países por onde João passou e onde foi conhecendo músicos com os quais foi tocando ao longo deste tempo, mas foi em Bruxelas que se estabeleceu: «Estou a viver em Bruxelas, a tocar em toda a Europa, mas principalmente divido-me em projectos entre Holanda, Portugal e Itália.»
Mais de 20 discos, é a ordem de grandeza dos trabalhos que têm o toque de João Lobo. Um feito notável que merece ser reconhecido, e que também contribuiu para que a sua bagagem aumentasse e seja, hoje em dia, o conjunto dessas experiências todas. Perguntei-lhe qual é que o tinha marcado mais: «Os primeiros marcam sempre muito, ou seja, Norman, que foi o meu primeiro grupo de originais, digamos, e que continua a existir, embora adormecido. Todas as colaborações foram enriquecedoras, para o bem e para o mal. Desses 20 discos que dizes, se calhar há dois ou três que eu acho mesmo bons (risos).» Como disco preferido, elege o “Mure Mure”, com Riccardo Luppi. «Quando saí do concerto pensava que tinha corrido muito mal, mas depois ao ouvir o disco achei – Uau! Belo disco.»
Tocar com muitas pessoas ajudou-o não só a perceber que gosta de tocar muitas coisas diferentes como a adaptar-se a várias situações: «Foi a melhor escola possível.»
O Jazz é o género predominante nas obras musicais de João Lobo, mas este também gosta de tocar coisas diferentes, mesmo que possam estar sempre relacionadas de alguma maneira com o Jazz: «Mesmo a improvisação total normalmente é com músicos que vêm da linguagem do Jazz. Mas tenho outras coisas mais rock, diferentes, mas quase tudo o que faço tem grande parte de improvisação e influência Jazz.»
Não é só em grupo que toca, mas também a título individual. Questionei-o sobre quais são, para si, as maiores diferenças, enquanto artista, entre tocar numa banda ou tocar sozinho: «Eu sinto que há uma liberdade em relação a uma coisa – eu posso começar quando me apetecer. (risos) Ou seja, a tocar sozinho nada começa enquanto eu não começar. Sobretudo em concertos de improvisação, raramente há aquele silêncio antes de começar, há sempre alguém que começa. Isso foi uma coisa que reparei da primeira vez que toquei a solo aqui (Maga Sessions) e achei isso fantástico. Eu podia estar ali à espera, e só quando fosse o momento é que eu ia começar a tocar. Depois há o outro lado, a bateria não é um instrumento que se preze muito a tocar a solo, por isso tem que ser uma situação bastante específica, para mim, para poder tocar a solo. Não posso ir para um palco fazer um concerto a solo. Tem que ser entre as pessoas, num ambiente fechado… Nunca poderia estar num bar a dar concertos a solo, é bastante diferente.»
Fotografia por Fred_NS |
Em termos da mensagem que a sua música possa passar, João Lobo explica-nos que não existe tanto uma ideia propriamente dita, mas antes uma postura que é a dele em tudo o que faz: «Uma pessoa tem sempre uma persona política e há sempre certos valores que defendes e tens, e isso também se transmite através da música. Depois há toda uma coisa inconsciente que acaba por se transmitir, mas que é difícil de se explicar. O facto de tocar perto das pessoas é porque quero que vejam o que eu estou a fazer, que possam ver tudo e que ao mesmo tempo possam ter os olhos fechados e estar próximos dessa maneira. É isso que quero transmitir através do solo da bateria, essa riqueza que muitas vezes só acontece em acústico. No solo podes ouvir outras coisas que quando amplificado o instrumento não consegues.»
Quando começou a solo, a sua ideia era fazer uma sucessão de peças baseadas em várias ideias que foi tendo ao longo do tempo: «A ideia é que cada peça seja independente uma da outra e que vá a vários sítios. Houve três ou quatro ideias que tive e que fiz peças a partir daí – fosse de som, de ritmo, uma melodia qualquer.»
Todos estes processos são encaixados muitas vezes na música experimental. Haverá abertura do público português para este experimentalismo? «Sem dúvida. Até mais do que noutros países. Acho que, por exemplo, em Itália, a comparar com Portugal, o público é muito mais envelhecido. Em Portugal há pessoas mais novas interessadas no Jazz, talvez porque cá houve outra evolução do Jazz, mais livre, está mais na moda, de certa maneira (risos). A nível de público, não acho que haja grandes diferenças entre o português e os restantes. Não acho que Portugal esteja atrasado nem estranhe este tipo de música. Muito do que se passa na Bélgica, onde vivo, também se passa por cá.»
João Lobo esteve no MAGAFEST e, na entrevista antes do mesmo, partilhou connosco o quão especial era estar ali presente, pois a primeira vez que tocou a solo foi precisamente numa Maga Session: «É maravilhoso, ainda por cima porque essa primeira experiência foi super importante para mim e por várias razões. Primeiro porque era a primeira vez e era uma coisa que eu queria fazer há muito tempo. Depois porque quando perguntei se podia fazer eles foram super simpáticos e disseram logo que sim, ‘bora fazer isso. Foi muito especial, a casa estava cheia e as pessoas estavam completamente dentro da coisa, em silêncio. Às vezes eu olhava para as pessoas à minha volta e elas estavam super atentas, às tantas o irmão da Inês começou a dançar… Aconteceram muitas coisas especiais nesse dia. E pronto, foi graças aos Maga que eu comecei a tocar a solo.»
No futuro, e a solo, a ideia é gravar um disco. Já sabe com quem é que vai gravar, quem é que vai gravar, só não sabe como e em que formato. Dos nomes com quem costuma colaborar, em Portugal e em Novembro, vai sair o novo trabalho com o Norberto Lobo e outros músicos belgas, que será apresentado em Dezembro.