Opinião: Moçambique – Para a minha mãe lembrar como foi, de Manuela Gonzaga

Moçambique – Para a minha mãe lembrar como foi

Manuela Gonzaga

Editora: Bertrand

Sinopse: Que África era aquela, quando Portugal era «só um – do Minho a Timor»? Manuela Gonzaga começa por nos levar de Lisboa a Nacala numa maravilhosa travessia oceânica a bordo do paquete Império. Dali, com a família, partiu para a mais remota província da então Província Ultramarina de Moçambique, Vila Cabral, actual Lichinga, onde viveram durante algum tempo. Através da descrição dos quotidianos do Niassa, depois do esbraseante calor de Tete, a seguir na Beira, e mais tarde em Lourenço Marques, Maputo, a autora revive, por dentro, toda uma época, num exercício que começou por ser um lenitivo para mitigar a solidão da mãe cujas memórias se têm vindo a dissolver inexoravelmente. Foi a própria mãe, a quem estas narrativas acordam reminiscências luminosas e felizes de tempos pretéritos no seu Moçambique adorado, que lhe pediu que as transformasse no livro que agora chega a público.

Opinião: Enquanto leitora, ler registos autobiográficos é algo que faço sempre com alguma cautela. Não que ache que este tipo de narrativa seja mau, mas porque não é um género que normalmente consiga apreciar devidamente. Ainda assim, e por todo o percurso de um ramo da minha família, achei que Moçambique – Para a mãe lembrar como foi devia ser um registo com o qual me fosse fácil ligar, e que me suscitou muita curiosidade. Os vários percursos e destinos, que muitas vezes a nossa vida toma, conseguem afectar não só a nossa existência como a de quem nos rodeia. Ao acompanhar Manuela Gonzaga ao longo daqueles anos todos e pelos diversos locais de Moçambique, senti que, de facto, já vivemos tempos muito difíceis, mas que a força de algumas pessoas foi, certamente, inspiradora, tal como este livro o é.

As várias recordações recolhidas para este livro chegam-nos muitas vezes em pequenos fragmentos, e tanto parecem relatados com alguma indiferença como com imensa emoção. Achei extraordinária a forma como a autora conseguiu descrever a mentalidade das pessoas naquela altura, o quão os brancos eram facilmente questionáveis e todo o esforço de adaptação. A mãe da autora, uma mulher senhora de si e muito independente, é o exemplo de mulher progressista, mas que depois, em relação à própria filha, nem sempre conseguiu ser tão tolerante. Deste livro de memórias, o leitor pode retirar uns quantos excertos e romanceá-los, estendê-los na sua própria mente, sem nunca desvirtuar o quão real elas foram.

Com um enquadramento histórico preciso, a escrita de Manuela Gonzaga tem o poder de nos transportar para aqueles tempos, dando-nos a possibilidade de ver com os seus olhos toda uma evolução da sua posição na sociedade, da sua luta, de toda uma experiência num país que, apesar de na altura ser uma extensão do nosso, atravessou todo o tipo de fases – desde a prosperidade à guerra. O sonho de ser escritora começou de forma subtil, na voz de um soldado que partilhava as suas várias angústias. Como é que Manuela poderia saber e sentir tais coisas? Só mesmo tendo presenciado e vivido no meio de tal violência. A continuação, deixo-a para vocês a descobrirem. 

Os últimos capítulos, confesso, deixaram-me muitas perguntas. O regresso a Portugal em 74, a forma agressiva como foi recebida, o espaço entre 70 e 74 passado em Luanda, do qual não sabemos nada, remete-nos à dúvida – irá a autora, algum dia, deixar estes registos também em obra escrita e publicada? No seu conjunto, Moçambique – Para a mãe lembrar o que foi, confronta-nos com uma obra autobiográfica, durante uma época de constantes mudanças, lutas e pequenos pormenores que transmitem, ainda assim, uma grande felicidade sentida pela autora. Lembro-me, particularmente, deste registo – de haver sempre um sentimento que tornasse positiva a experiência. Gostei.  

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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