Quando existem bandas que nos marcam é fácil aparecer a vontade de sabermos mais sobre elas e sobre as pessoas que dão a cara por elas. Quando entrevistei os Primitive Reason neste Verão, fiquei com uma admiração sincera pelo Guillermo de Llera e pelo Abel Beja. A paixão com que falavam da sua música era por demais evidente e à semelhança do que fiz na quinzena anterior com o Guillermo, desafiei o Abel a responder a algumas perguntas e a mostrar-nos mais sobre si mesmo enquanto indivíduo. A Playlist da Quinzena que irá hoje para o ar será sua e, como tal, aqui fica a sua entrevista. O meu muito obrigada pela simpatia, humildade e disponibilidade!
Fotografia por Sofia Teixeira |
Abel, como é que se deu a tua entrada no mundo da música? Tiveste formação académica?
Comecei desde cedo a cultivar o gosto pela música. Durante o 1º ciclo escolar passava as tardes, depois das aulas, na casa dos meus avós onde também viviam os meus tios, irmãos mais novos do meu pai, que estavam sempre a ouvir música, sobretudo Classic Rock.
Um deles era mesmo uma “enciclopédia viva” do género e acabou por ser a minha grande influência na escolha de seguir a vida de músico. Levava-me às lojas de vinil, às escondidas da minha mãe, oferecia-me discos e gravava vídeos de concertos de bandas. Com apenas 7 anos já era grande fã de bandas como The Beatles, Led Zeppelin, The Who ou The Doors. Lembro-me de estar frente à aparelhagem a cantar e a ‘tocar’ com uma raquete de ténis grandes malhas de guitarra ou de chorar quando ouvi dizer que tinha morrido John Bonham!
Ao ver uma gravação de AC/DC ao vivo e ao deparar-me com o guitarrista a curtir à brava, a dançar freneticamente em palco e a saltar nas colunas, pensei: “É isto mesmo que eu quero fazer da minha vida!”. Comecei a juntar dinheiro e aos 14 anos comprei a minha primeira guitarra eléctrica. Comecei como autodidacta e eventualmente tive aulas privadas. Com 16 anos já tinha formado uma banda e estreei-me a dar concertos.
Mais tarde, prossegui os meus estudos musicais e obtive uma licenciatura em música na vertente de guitarra clássica na Aaron Copland School of Music em Nova Iorque.
O que é que mais te inspira na música?
A influência que a música tem sobre as pessoas. Assim como na civilização antiga grega acreditavam que a música e a matemática regiam o universo e criavam bons cidadãos, hoje em dia a música continua a provocar sentimentos tão diversos como a alegria, tristeza, nostalgia, raiva ou até confiança. Portanto, é o poder da música sobre os comportamentos do homem que mais me inspira.
Porquê a guitarra como instrumento de eleição? Que referências é que trazes sempre contigo?
Na realidade, e como qualquer miúdo, inicialmente queria era tocar bateria mas não consegui convencer a minha mãe que o barulho seria pouco! Sendo assim, virei a minha atenção para a guitarra, já que qualquer um destes instrumentos é típico na formação do Rock, género que está na base do meu crescimento. Quando peguei numa guitarra pela primeira vez fiquei fascinado e ao assistir ao tal video dos AC/DC apercebi-me que tinha chegado o momento decisivo! Ainda sou um apaixonado pelo ritmo e olhando para trás, todas as minhas bandas preferidas tinham ou têm grandes bateristas. Mesmo em relação à guitarra, o que mais me impressiona não são os grandes solos mas os mestres de rhythm guitar.
É impossível falar sobre guitarra sem mencionar alguns clássicos com os quais cresci como Jimmy Page, Pete Townsend, Jimi Hendrix, Robby Krieger ou Tony Iommi, mas as minhas referências são muitas e diversas… Baden Powell, Heitor Villa-Lobos, Andy Summers, Andres Segovia, Wes Montgomery, Manuel Barrueco, Earl ‘Chinna’ Smith, Leo Brouwer, Ernest Ranglin, Nile Rodgers, Carlos Paredes, Rabih-Abou-Kahlil, Ustad Vilayat Khan, and the list goes on 😉
Ainda tens memórias da tua primeira interacção com Primitive Reason?
Sim, lembro-me da primeira vez que conheci o Brian Jackson e o resto da banda num pequeno bar em Cascais quando vim a Portugal de férias em 1995. Em 1996, regressei e vi a banda pela primeira vez a tocar ao vivo num bar na Fonte da Telha (Costa da Caparica). Tinham lançado o Alternative Prison há pouco tempo e já arrastavam multidões aos concertos. Quando acabei a faculdade em 1997, decidi fazer uma viagem pela Europa e, de seguida, fiquei a viver em Portugal durante alguns meses para conhecer melhor o país antes de regressar a Nova Iorque. Foi nessa altura que fizemos uns jams juntos pela primeira vez e desenvolvemos uma grande amizade. Fomos sempre mantendo o contacto e, mais tarde, no final de 1998 recebi uma chamada do Jorge Felizardo a dizer que a banda se iria mudar para Nova Iorque.
Pouco depois ficaram sem guitarrista e comecei a trabalhar com eles. Ajudava no que podia enquanto procuravam um substituto, já que na altura eu continuava a tocar com uma banda que liderava com o meu irmão James. Cheguei a gravar umas maquetes para o que seria o álbum Some of Us que acabariam por gravar por lá. Depois do lançamento do disco, o James e eu fomos convidados a fazer parte da banda.
Fotografia por Sofia Teixeira |
E do primeiro concerto? Recordaste do que sentiste ao subir ao palco pela primeira vez?
O meu primeiro concerto com os Primitive Reason foi numa sala mítica nova-iorquina chamada Wetlands, em Junho do ano 2000. Lembro-me que, mal entrei na banda, tive menos de duas semanas para aprender todas as músicas que constavam no alinhamento. O concerto correu muito bem! Apesar de não estar nervoso, já que pisava palcos há uma dúzia de anos, lembro-me de sentir uma certa ansiedade ao pensar que este seria um concerto especial, um marco importante para mim e para a banda que ainda estava a dar os primeiros passos em território estrangeiro.
Entretanto a banda leva mais de 20 anos e tu vais quase com 15 a acompanhá-la. A entrada nos PR mudou-te de alguma maneira?
De certa forma, fez-me crescer enquanto músico profissional, ganhei maturidade, calo como se costuma dizer! Por outro lado, foi de encontro ao que já estava a ser o meu caminho musical e ao meu gosto pela diversidade de estilos que acabei por conseguir aprofundar nesta fusão que é a marca e a essência da banda. A liberdade na criatividade e a irreverência, assim como a quebra de regras e padrões foi uma das principais razões para sentir que estava na banda perfeita, em sintonia com o que acreditava e defendia e é ainda a razão para continuar com a mesma entrega desde a minha entrada.
Para além do que referi, deu-me a oportunidade de trabalhar com uma banda que já admirava e que assumia níveis de exigência muito grandes, por isso acabou por ser igualmente um novo desafio. Tornou-se uma verdadeira “escola musical”, com a constante entrada e saída de músicos ao longo destes 15 anos, onde já fui ao mesmo tempo aluno e professor. Tem sido uma honra e um orgulho partilhar esta viagem com o Guillermo.
Passaste muito tempo nos Estados Unidos, gostavas de voltar? O que é que mais te fascinava por lá?
Tive a sorte de os meus pais terem arriscado na aventura de emigrar para os Estados Unidos em finais dos anos ‘60. Nasci e cresci em Jamaica (Queens), Nova Iorque, palco multi-cultural efervescente da cena musical e em particular nos anos ‘70 e ´80 quando havia sempre novidades a surgir. A origem de muitas modas que hoje em dia estão a voltar, o chamado retro, eu vivi em primeira mão. Só da zona onde cresci, emergiram diversas bandas pioneiras do seu género como The Ramones e Run DMC ou Anthrax, respirava-se e vivia-se cultura em qualquer esquina, o que acabava por ser uma constante fonte de inspiração.
Tive a oportunidade única de crescer num local onde tinha acesso a tudo, a qualquer momento com uma riqueza cultural muito variada e com uma infinitude de ofertas ao nível de concertos.
Toda esta experiência, moldou-me enquanto músico e pessoa, foi muito importante no meu desenvolvimento e foi uma rampa para novos caminhos. Aproveitei o melhor do que tinha para me oferecer e senti que tinha chegado à altura de vir para a Europa, nomeadamente Portugal, onde a cultura e os saberes tradicionais me fascinavam e me chamavam para conhecer melhor as minhas raizes. Depois de acabar a faculdade, fui passando cada vez mais tempo por cá, sentia-me cada vez mais em casa. Depois de engressar nos PR e ter feito várias digressões pelos EUA, a banda voltou para Portugal e desde aí, mudei-me definitivamente para cá em 2001.
A vida de músico nem sempre é fácil, com os PR sei que nas tours pelos EUA muitas vezes dormiam em péssimas condições e as viagens conseguiam ser dolorosas. Achas que faltam dessas experiências a quem começa agora no mundo da música?
Penso que é importante a experiência de estrada para qualquer banda que está no começo. Além da banda se tornar musicalmente mais coesa, é nessa altura que se fortalecem as relações entre colegas e se tornam um verdadeiro grupo. As condições menos boas, apenas vão ditar quem aguenta este percurso de altos e baixos e quem está realmente disposto a sacrificar-se por esta vida de músico.
És também professor/instrutor de guitarra. Existe algum tipo de filosofia, relacionada com a música, que gostes de passar aos teus alunos?
Para mim, o ensino é uma forma de partilhar conhecimento e experiências.Tento passar a mensagem de que não tenham medo de se expressar livremente, não fiquem presos a regras ou preocupados com o que os outros pensam ou andam a fazer. Tento, acima de tudo, ser um guia, dar sugestões e ajudar na aprendizagem ao tratar cada um como único. Mas digo-lhes sempre que ser músico, tal como qualquer outra profissão requer 90% de trabalho e 10% de talento.
Qual a tua opinião sobre o panorama musical em Portugal?
Acho que estão a surgir cada vez mais projectos musicais interessantes mas infelizmente, ainda não existem muitas oportunidades para se desenvolverem. Está cada vez mais difícil fazer carreira musical em Portugal porque a indústria já não investe como antigamente. Por outro lado, temos as novas plataformas de divulgação que permitem dar alguma visibilidade a estes projectos e começam a surgir mais festivais que promovem a música portuguesa, o que é muito positivo para o futuro da música nacional.
Fotografia por Sofia Teixeira |
Por muito tempo que passe, achas que os Primitive Reason vão ser sempre uma banda de supremacia musical no que toca ao seu género?
Tenho consciência que os PR foram pioneiros no seu género musical e que têm influenciado outras bandas que foram surgindo ao longo destes anos. É curioso o facto de que já partilhámos o palco com bandas que confessaram que fomos a sua principal influência e depois seguiram o seu caminho. Contudo, nunca olhámos para nós dessa forma. Fomos simplesmente fazendo música sem ter essa preocupação em mente, tentando sempre evoluir como músicos e enquanto banda mantendo a nossa identidade..
O que é que ainda esperas do teu futuro enquanto músico?
Espero conseguir chegar a mais gente com a música e pisar novos palcos nacionais e além fronteiras. Quero continuar a evoluir como músico e professor, explorar outros instrumentos e estilos musicais e poder continuar a fazer o que gosto, porque a música mais do que uma profissão é uma forma de viver.
Perguntas rápidas:
Banda Preferida – não tenho
Música Preferida – não tenho
Livro que mais te marcou – Tao Te Ching by Lao tzu
Combinação Comida + Bebida Preferida – Comida Indiana com Vinho Tinto Português (Douro ou Alentejano)
Local mais bonito que alguma vez visitaste – Bahamas
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