Entrevista aos O Abominável, Banda Portuguesa, sobre o álbum Enteléquia

Como blogger, muitos têm sido os músicos como me tenho cruzado, mas confesso que não são tantos aqueles que realmente deixam a sua marca em mim, enquanto pessoa. Considero que esta parte humana é muito importante, às vezes tanto ou mais do que a qualidade da sua música, e, apesar do nome, O Abominável é uma banda que guardo com muito carinho como uma das descobertas mais porreiras de 2014. Não sei se é do sotaque portuense, que tantas saudades me provoca de casa, se é da postura totalmente descontraída e genuína, foi uma espécie de amor à primeira vista. O disco Enteléquia saiu a 29 de Setembro, conversámos algum tempo depois e ao ouvir agora a entrevista, não me lembro de ter rido tanto, no meio dos temas mais sérios, como me ri com o Vítor, o Rui, o David e o Leo. Não tive o prazer de conhecer ainda o João, mas há-de acontecer. Deixo-me de devaneios e passemos à entrevista. 

A banda formou-se em 2011 e o início teve origem entre amigos e de forma muito “punk” (risos): «Tínhamos muito gosto em fazer música, eu (Rui), o Vítor e o David éramos todos amigos no secundário e no final de 2010 estávamos à procura de guitarrista. O David falou com o João, através do MySpace onde ele tinha algumas músicas só dele, ele apareceu num dos nossos ensaios e quando tocou connosco dissemos logo “Este gajo é grande cena!” (risos) e a partir daí começámos a tocar todos juntos. No início de 2011, surgiu então o que é a base d’O Abominável. Digo a base porque entretanto temos aqui o Leonardo, o nosso miúdo (reguila!), que entrou no Verão do ano passado. É um oportunista (risos), mas por pena ficou! (risos) Mas o início foi um bocado esse, primeiro nós os quatro e desde 2013 com o Leonardo, sempre a construirmos, todos juntos, o que somos hoje.» 

Para gente tão simpática e bem disposta, o nome “O Abominável” parece quase estranho. Porquê esse nome? «Por uma razão estúpida. (risos)», diz-nos o Rui. Vítor completa: «O nome era para se encaixar numa banda em que era só eu, o Rui e o Félix (David)… Depois fomos tendo alguns guitarristas que foram experimentando e precisávamos de um nome para a banda, é sempre aquela coisa. E eu ainda não era muito bom a criar nomes, confesso (risos). Os meus nomes tinham conceitos muito complexos e soavam muito mal. Na altura, quando surgiu O Abominável, até tinha sugerido O Abominável Homem Mundo (risos), mas depois sugeriram só O Abominável e ficou. Se quisermos criar uma história por trás do nome, não sei se consigo. Quer dizer, eu não sou muito bonito (é nesta altura que nos desmanchamos ainda mais a rir!), logo por aí podemos criar inúmeras coisas. É um nome que tem impacto, é assim odioso, mas ao mesmo tempo gostam de nós, é como um paradoxo vivo. (risos)» 

O primeiro EP – Que Só o Amor me Estrague – saiu em 2013 e o momento que marca o início deste percurso em disco é o interesse do David Lobão (O Bisonte): «Ele gostou mesmo de nós e acabou por se tornar nosso produtor no EP e no álbum também trabalhou connosco.» A nível de identidade musical, esta foi sendo construída ao longo do tempo: «Nós viemos de uma base mesmo punk, éramos maus, mas cheios de atitude. (risos) O EP acabou por ser o primeiro momento em que começámos a compreender melhor a nossa forma de fazer as coisas. Foi a primeira ponta do iceberg. Com a vontade do David Lobão em trabalharmos com ele e ao puxar-nos para o seu estúdio, acabámos por começar mais a sério. Antes disso tínhamos cinco músicas já pré-produzidas, em que só três entraram no EP, uma delas o single Nada Passa Sem Ficar. Por curiosidade, tínhamos uma que era a Isabel, que era uma cena mesmo 90’s (risos), muito engraçada, que ainda tocámos algumas vezes, mas não fazia muito parte daquilo que queríamos para o EP. É de salientar que a decisão começou num concerto em Zebreiros, Gondomar, foi aí que o David nos disse “Porque não gravar?”. Se os sonhos não nascem em Zebreiros, não sei onde nascem! (risos)» 

A transição do punk para o rock mais patente em Enteléquia acabou por ser natural à medida que foram explorando os sons que iam criando: «Se falarmos em termos comparativos é como os pintores, antigamente, que quando começavam a pintar faziam tudo de forma hiperrealista e só mais tarde tinham a liberdade de fazerem outras coisas. Connosco foi um bocado o mesmo, mas o nosso hiperrealismo era muito mau, era tipo desenhos de crianças de cinco anos (risos). E só agora, enquanto nos estamos a descobrir, é que estamos a inverter os papéis nesse sentido. No fundo começámos punk como podíamos ter começado com reggae, não pensámos muito no rock que a banda tinha que ter porque nem sabíamos o que era estar numa banda. Há quem crie bandas a pensar que vão ser como os Doors ou os Rolling Stones, mas nós nunca pensámos nisso. As músicas que fazem parte do álbum são o culminar da fase presente da nossa banda, mas entretanto já temos músicas de outros géneros. Nunca nos soubemos conter muito, nem queremos.»

À primeira vista, e pegando na própria descrição da banda sobre o álbum, Enteléquia mostra-se um disco conceptual, intimamente ligado à filosofia aristotélica. De onde terá surgido toda esta aura mais erudita e o que se pretende transmitir? «O Enteléquia, a meu ver, e de forma muito pessoal (Vítor), porque eu estava a expor uma das coisas que está mais inerente na minha existência – o medo da morte – que é uma coisa que me acompanha desde há muito tempo, senti que, devido ao trajecto e à riqueza das músicas e a forma como foram surgindo, devia expor nas letras e nas músicas isso – essa existência em si. Nunca fui pessoa de conseguir aceitar a finitude e achei que teria piada expor isso, é quase como confrontar os meus próprios medos. Então, o álbum fala muito disso. A capa também é isso que representa, é a linha do A ao B e no meio disso tudo o que há de direito. Desde as coisas mais complexas, como a morte, às mais banais, como um sonho marado. Na Mónade, por exemplo, eu satirizo com o facto de a primeira vez que um homem perde a virgindade ser num sonho. O primeiro sonho molhado, porque não? São tudo coisas que acho que fazem parte da riqueza desse trajecto e representa um bocado isso. No caso do Enteléquia e em termos filosóficos, parti mais para a perfeição do ser. O que é que é a perfeição do ser? E então converge um bocado nesse ponto.» 

A edição do disco em si, está disponível apenas em formato digital nas várias plataformas. As edições físicas têm sempre os seus custos e hoje em dia também se começa a aceitar melhor o formato electrónico. Perguntei-lhes o que sentiam em relação ao digital versus físico: «Hoje em dia é tudo muito imprevisível. Sabemos que o online hoje em dia é quase a parcela da justiça possível. Há tantas bandas a surgirem todos os dias, tantos músicos que fazem uns bits e depois mandam… O rácio das pessoas que entram para o mundo da música é imenso. Não estamos a falar de há vinte ou trinta anos em que era possível fazer muitas novidades. Desde os anos 90, com a revolução da internet e das tecnologias, começou-se a aperceber que se pode fazer todo o tipo de música, então em Portugal temos imenso isso. De que maneira é que isso vai ao encontro das vendas? Quem é que vende? Quem é que irá comprar sem um incentivo? Como, por exemplo, uma entrada para um concerto, em que o bilhete é o disco. Se a decisão nos prejudicou nesse sentido? Para nós é muito mais fácil descobrir lançando online porque ter uma emissão de cds nas Fnacs seria complicado para nós neste momento. É claro que a edição física é sempre interessante tê-la, até porque quando ouvem o disco e gostam, dizem-nos que querem comprar. Em termos culturais, o objecto físico é sempre uma forma de ajudar, mas em Portugal também é um bocado paradoxal. Em termos de imprensa, por exemplo, tu és uma pessoa muito aberta nesse aspecto, mas há muita gente que não é capaz de fazer divulgação se não receber um cd. E isso é um bocado estúpido, já que estamos a queimar material porque uma pessoa pode ouvir o álbum, não tem que se sentir especial só porque recebeu um disco. Uma coisa é gostar do álbum e realmente querer o cd, agora fazer divulgação só porque tem um cd nosso? Hum. Fica a questão. Não percebo.»

Por falar em imprensa, não é difícil encontrar algumas comparações feitas pelo vários sites de referência. Os O Abominável não foram excepção e os Bisonte e os Ornatos Violeta são duas bandas às quais têm sido comparados. Perguntei-lhes como é que se sentiam em relação às mesmas: «Faz-nos sentir tristes por um lado, mesmo entendendo a intenção das pessoas quando utilizam certos termos comparativos. Em Portugal, por muito imparciais que as opiniões tentem ser, há sempre uma necessidade de se comparar. “Ai, este arroz é tão bom que parece aquele que comi no restaurante do senhor Fernando!” (risos), porque não “Este arroz é bom.”? E há isso cá. Quando é com os Ornatos já tentamos perceber se é uma coisa positiva ou como um termo pejorativo. E depois há outro problema que é: mesmo que fosse influenciado em Ornatos, Linda Martini, Mão Morta, o que fosse, as pessoas não estão muito receptivas perante isso, o que acho mau. Porque se o pessoal se queixa que não há movimentos é porque também parte das pessoas não aceitarem que, se querem um movimento específico de um sítio, é normal que as bandas se influenciem umas às outras. Tens casos em que parece ódio quando comentam que são parecidas, não compreendo. Acaba por acontecer em certas reviews que, mesmo que positivas, se têm lá logo a comparação, nem sabes sem o que pensar. É como se só por eu ter barba, sou parecido a todos os gajos que têm barba…»

A participação de Elísio (ex-Ornatos) no disco pode ter influenciado um pouco essa comparação, mas em termos de referências, existe uma que assumem: «Posso-te dizer os Pixies, acho que na forma de criar conseguem ser uma boa referência, mas de resto todos nós ouvimos coisas muito diferentes. Até porque se eu pensar numa linha qualquer que vá de encontro a algo, quando depois estamos todos juntos, acaba por dar origem a uma coisa completamente diferente. Essa liberdade diz muito sobre a nossa banda. Não acontece irmos para um ensaio a pensar em tocarmos algo a soar a isto ou àquilo. Para o álbum, em termos de convidados, e pegando no que falávamos há pouco da referência dos Ornatos, quando convidámos o Elísio foi um bocado “toma lá a chapa e agora, o que queres dizer?” e também a nossa vontade perante a crítica. Como não nos afecta musicalmente, estamos completamente à vontade, porque não fomos totalmente influenciados por Ornatos, para termos alguém de Ornatos a tocar connosco sem esse preconceito. Aliás, todos os nossos convidados são músicos do Porto.»

As expectativas em termos de recepção do público deste novo Enteléquia estão ainda muito moderadas e esperam pela continuidade para tirarem conclusões: «Fazemos as coisas com todo o sacrifício e gosto, porque é uma coisa que adoramos fazer, mas já aprendemos com muita coisa que fomos passando que não vale a pena gerar expectativas e, nesse sentido, o mais importante é estarmos felizes com o nosso trabalho. Quando lançamos um produto nosso é como um filho (risos), neste caso de cinco pessoas. Como é óbvio queremos que o nosso filho seja bem tratado e tentamos criar as melhores condições para isso e para que as pessoas o percebam. Tudo o resto é o mundo aí fora e não dá para controlar.»

O concerto de apresentação especial, com todos os convidados, vai ser no Porto, no Passos Manuel, no dia 20 de Dezembro. 

https://www.facebook.com/events/386018164895532/?ref=22


Fica a nota, como mensagem para os leitores, que o Leonardo Rocha, 20 anos, está solteiro e é bom rapaz! Ahahah, foi um fim de entrevista tão divertido que realmente foi um gosto conhecer esta malta do norte.

Também ainda sobre os O Abominável, o primeiro Queres é (a) Letra! foi-lhes dedicado e podem acompanhar cada música e cada mini-opinião minha no link: http://www.branmorrighan.com/search/label/O%20Abomin%C3%A1vel 

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https://www.facebook.com/oabominavel

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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