Mar – Enciclopédia da Estória Universal
Afonso Cruz
Editora: Alfaguara (Penguin Random House)
Sinopse: Mais uma vez, Afonso Cruz volta a desafiar os géneros e escreve um volume de Enciclopédia que, afinal, é um romance em várias entradas: um conjunto de histórias interligadas, todas elas sobre o MAR, o seu apelo, o seu fascínio. Histórias encantatórias a que não faltam personagens inesquecíveis, como a do homem que tem o céu tatuado na pele ou o músico que lança cartas de amor ao mar. O último romance de Afonso Cruz, Para onde vão os guardachuvas, venceu, este ano, o Prémio SPA – Sociedade Portuguesa de Autores, e foi ainda finalista dos Prémios APE – Associação Portuguesa de Escritores e Fernando Namora.
Opinião: Não podia deixar terminar 2014 com a opinião deste livro pendente. É que ler Afonso Cruz é querer ficar inquieto, é não suportar a monotonia, é querer ir mais longe e desafiarmo-nos a mergulhar em baús – do passado, do presente e ainda tentar espreitar para o futuro. Não conheço nenhum outro escritor que de forma tão simples, como uma frase curta, consiga causar tão grande impacto. Falo de sentenças como esta, por exemplo – “Dizem que cada homem é uma ilha, mas, para ser preciso, cada homem é um náufrago.“
Existe esta diferença entre os romances de Afonso Cruz e as suas Enciclopédias – enquanto nos primeiros temos um mesmo universo explorado de forma intensa e brutal, estas últimas trazem até nós, de maneiras tão diferentes, tantas personagens, vidas, acontecimentos e temáticas que mergulhar num destes livros é mesmo como tentar nadar ao longo de um vasto mar, tocando em diferentes povoações a cada toque de terra. Cada uma tem o seu tema e o de 2014 foi precisamente esse – o Mar. De tantos elementos que temos na natureza, sem dúvida que este, pela sua vastidão e profundidade, pela sua volatilidade e ao mesmo tempo consistência, consegue ser o reflexo de várias emoções humanas.
É apelando aos vários sentidos, começando pelo olfacto e acabando no tacto, que tomamos contacto com uma imagética marítima forte e nos deixarmos prender nas várias estórias que nos são contadas. Como só Afonso Cruz consegue fazer de forma exímia, existe um entrelaçamento, uma ligação intrínseca entre cada uma delas, que deslumbra o leitor, ao mesmo tempo que o abana e, por vezes, o choca. Existe uma inevitabilidade e uma consequência em cada acção que é exposta nestes contos, ao mesmo tempo que se viaja pela infância e por um tempo adulto perdido.
Mar – Enciclopédia da Estória Universal, é uma obra para se ir lendo, para se ir consultando. Não existe pressa em percorrê-lo do início ao fim, qual maratona, porque cada letra, componente, conto, frase, aforismo, o que for, merece ser lido, vivido e digerido como deve ser antes de se avançar para o próximo. Não é novidade que estamos perante um dos grandes autores do século XXI, mas eu arrisco-me, sem medos, a dizer que estamos perante um dos melhores autores portugueses de sempre. Pode-se estranhar ao início, o estilo diferente, a forma muito própria e contemporânea com que aborda os seus enredos, mas quando se entranha, já não se consegue passar muito tempo sem ler ou reler algo seu.
PS: Fica uma nota para a capa e a sua concepção estética, que à primeira vista perguntei-me o que será que lhe tinha acontecido, mas que no fundo é como que um manuscrito vindo dentro de uma garrafa (que grande garrafa esta), com marcas da salinidade, bem ao jeito do que encontraríamos se encontrássemos um desses papiros perdidos pelo mar.