É essencial esquecer conceitos importados de culinária com pretensões cosmopolitas e sabor duvidoso. Reinventem-se outras coisas, como Pedro Lucas faz, desde 2010, com O Experimentar Na M¹Incomoda. O seu novo projecto MEDEIROS/LUCAS junta-o a Carlos Medeiros, figura de culto no circuito da música tradicional portuguesa, fonte de inspiração para o seu O Experimentar, graças a “O Cantar Na M¹Incomoda” (1998). Agora é corpo presente, neste encontro onde há acordes que ligam os Açores à Ibéria, ao norte de África. Há textos de Miguel Cervantes, de Armando Côrtes-Rodrigues.
“MAR ABERTO” é a carta de navegação para este projecto que junta as duas gerações de músicos responsáveis pela reinvenção da música popular Açoriana. O primeiro avanço, “Canção do Mar Aberto”, já foi lançado em forma de videoclip e conta com a realização de Gonçalo Tocha.
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A edição completa chega às lojas a 2 de Março, com selo Lovers&Lollypops/Musicbox – CTL e será apresentado, ao vivo, na sala lisboeta a 19 do mesmo mês. O disco foi masterizado por Harris Newman, no Grey Market Mastering em Montreal, por onde passaram nomes como Moonface, Suuns, Wolf Parade, Frog Eyes, A Silver Mt. Zion, entre outros.
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Mar Aberto é a crónica de viagem de dois Quixotes entre os mares do Atlântico e as costas do Mediterrâneo. Dois patéticos marinheiros que confundem o Ilhéu das Cabras com Lepanto. Confundem Galateia com Sereia. Buscam todas as Sereias do mundo antes de perceberem que elas são naufrágio. Seguem oráculos de um Búzio que lhes valem chicotadas no convés e combatem batalhas sangrentas que só lhes aumentam febres e paixões, a uma senhora que é a da Boa Morte. O regresso é máculo e sem fortunas, nem as do corpo nem as do espírito.
Os dois marinheiros em Mar Aberto são Carlos Medeiros e Pedro Lucas, réus convictos de trocar as voltas às tradições atlânticas. Roubaram palavras a outros, que as usam melhor, e deram-lhes melodias da marinhagem que nunca fizeram. Mestiçaram-nas ainda com outras culturas: um Magrebe imaginado, uma Andalúzia siamesa de um Algarve e várias Áfricas que deixaram de ser colónia. Tiago Bom simbolizou a profanação na forma de uma romã.
Tiveram outros cúmplices, muitos, a bordo de uma traineira com nome equino e as cores outonais de Lisboa. Nomeiem-se Ian Carlos Mendonza (Tigrala), Augusto Macedo (Selma Uamasse), Pedro Gaspar (Bandarra), Mitó Mendes (A Naifa) e Gil Alves (Zeca Medeiros) entre os mais salientes. Eduardo Vinhas (Golden Pony) gravou e misturou, a masterização foi feita na outra borda do Atlântico por Harris Newman (Grey Market Mastering) e o selo vem com pronúncia do norte: Lovers & Lollypops.
“Tenho um enorme fascínio pelo abismo onde acaba o cais e começa o casco. Aquele buraco azul, fundo, que separa a terra do mar. Talvez por nunca o ter mergulhado, não conhecer o seu fundo. Talvez por temer todo o desconhecido que existe depois daquele passo. O negro da àgua à sombra. O casco que nunca viu o sol, alto como um prédio. E pensar nos sítios onde já passou, no negro que já furou, em todo o desconhecido que já navegou. Aquele espaço é a vertigem entre ter os pés assentes na terra, e a entrega ao mar. A partir daquele passo, é ele quem controla, quem manda no que lá acontece. Daí a vertigem: entre o ficar e o partir, o controlar ou ou deixar-se levar.
Não imagino o que sentiam os homens que viajavam em fragatas, carregadas de fome, dias a fio por cima do breu, sem saberem muito sobre a rota que faziam. Não imagino o que sente um pescador, quando sobe para a sua traineira, numa noite de vento e chuva, o negro por cima e por baixo. Não tenho barbas brancas. Nunca vivi numa ilha. Nunca senti o que sente quem lá vive, a vertigem de querer sulcar o mar em busca de outras rochas.
Este Mar Aberto de Carlos Medeiros e Pedro Lucas é tudo menos uma viagem certa. Mas tem as palavras dos cancioneiros, os versos tradicionais de quem cheirou o mar durante anos, a poesia marinha de Cervantes, a guitarra ferrugenta da cacimba, com acordes tanto flamencos como arabescos, os baixos de uma baleia, de mil ondas que na rebentação cantam melodias, e uma voz de quem já viu tanto como o casco de um velho navio.“
Óscar Silva (Jibóia)