Ouvi pela primeira vez este disco há umas boas semanas, mas a falta de tempo tem destas coisas e por muita vontade que tivesse para escrever sobre ele, faltava-me a disponibilidade não só temporal como mental. Acontece que tem sido este V a salvar os meus dias, a resgatar-me de um quotidiano em que através destes oito temas, não havendo outra forma de explodir, me tem permitido libertar umas quantas emoções.
A uma primeira audição pode não ficar claro, a uma segunda já tem que ser óbvio, mas estamos perante um daqueles discos incontornáveis que marcam o ano em que saem e que facilmente habitam, no ano seguinte, as listas dos melhores do ano. V, de ∆TILLL∆, o seu quinto disco tal como o título indica, traz-nos oito músicas fortes, de texturas profundas, intensas, que nos rodeiam e nos envolvem, fazendo-nos viajar por um mundo em que partimos do nada para ao nada regressarmos.
Cada título dá-nos uma pista de uma etapa do percurso: Acreção – Carne – Alma – Homem – Disseminação – Ritos Fúnebres – Marcha da Cinza – Colapso. Através de sons negros, encontramo-nos perante o óbvio – a fragilidade de cada elemento e a simplicidade do caminho de cada um na vida. Claro que tudo isto é uma questão de interpretação, e eu sei que tenho as minhas muito próprias, mas não posso deixar de referir que toda esta face mais negra, da maneira como se vai entrelaçando com o nosso íntimo mais resguardado, é sedutora e chega a ser até viciante.
Em Homem, temos a participação de António Costa (Ermo) e a conjugação dificilmente poderia ter sido mais perfeita. Apesar de ∆TILLL∆ ser conhecido pela sua faceta instrumental, a verdade é que neste disco esta participação vocal, com o timbre único do António e ainda com uma letra, também composta por ele, que complementa todo o espírito do disco, acaba por funcionar como uma espécie de clímax no desespero pela procura de um sentido, de um lugar comum. Seguindo uma espécie de narrativa linear desde o início ao fim, esta faixa acaba por traduzir o culminar de um crescimento do Homem, enquanto ser, para depois iniciar o seu próprio declínio e encontrar em Colapso o derradeiro som de dispersão.
Não percebo muito de composição, não tenho problemas em assumir isso, mas no que toca às emoções que a música tem a capacidade de provocar, penso que é seguro assumir que é preciso uma certa coragem para mergulhar no mundo de V, mas é certamente uma experiência que vale completamente a pena. Entre a brutalidade e a redenção, Miguel Bêco soube como criar um disco desafiador de limites e concepções. E se ouvir em casa já tem impacto, mal posso esperar pela atmosfera que se deve criar ao vivo. A ver mal tenha oportunidade.