Everyday Heroes, é o nome do mais recente trabalho de We Trust após o disco de estreia e o projecto There Must Be a Place, com os Best Youth. André Tentugal, músico e realizador, é o mentor deste conjunto que conquistou, primeiramente, Portugal e arredores como single Time (Better Not Stop), em 2011. Não será demais dizer que caminhamos para uma legião de fãs a bom ritmo. Quem ouve qualquer música de We Trust já facilmente reconhece a identidade e neste disco temos toda uma faceta optimista e regeneradora que dá força e ânimo emocional. Numa bela tarde solarenga, sentei-me com o André e falámos um pouco sobre todo o percurso e composição do disco.
Fotografia Vera Marmelo |
Esta entrevista começou um bocadinho ao contrário, digamos que estava eu prestes a iniciar o interrogatório quando o André me pergunta o porquê do nome do meu blogue! Eu sei, o nome é realmente estranho, mas como não é disso que estamos aqui a falar, depois de lhe contar devolvi-lhe a pergunta – porquê We Trust? «We Trust veio de uma ideia que eu tinha. Quando surgiu a oportunidade de criar uma banda, eu queria: primeiro que o nome não fosse um nome típico “the qualquer coisa” com um substantivo – aquele substantivo típico – e queria que fosse um nome que fosse algo maior e que representasse um projecto maior. Então pensei num nome que fosse quase um statement, daí vem a ideia do We Trust, acaba por ser um statement , uma frase e não tanto um nome. Depois a ideia do colectivo, embora tenha partido de uma só pessoa, eu acho que a união faz a força e que quando estamos juntos somos mais do que a soma da individualidade e assim foi. Houve um dia que me ocorreu essa palavra, a confiança – também sou optimista, sou um sagitário optimista -, por isso achei que o nome teria de representar isso e assim foi, We Trust.»
Como é que surge então o projecto? «Sabes que o We Trust até surge num contexto engraçado. We Trust surge numa permuta que eu faço com uma editora, a Meifumado. Eles não tinham dinheiro para pagar um vídeo, na altura, para os Mind da Gap. Os Mind da Gap queriam que fosse eu a fazer o vídeo e eu na altura disse-lhes “Tenho umas canções que vou fazendo, nunca as gravei, nunca fiz maquetes, nunca… Porque é que não me dão horas de estúdio?”. Eles falam com a editora, dão-me horas de estúdio e fazemos aí uma troca de valores.» Que bela troca, não acham? «Aliás, o disco novo também foi uma troca. Foi outra vez uma permuta. Foi assim que surgiu o We Trust. De repente, comecei a gravar o disco, houve uma canção que ficou pronta primeiro – Time (Better Not Stop) -, a canção saiu e a banda nasceu. Foi assim um bocado ao acaso. (risos)»
These New Countries, o nome do primeiro trabalho de We Trust, revelou-nos não só aquele single de sucesso, mas também todo um outro conjunto de canções bastante eclético. O processo de escolha de música para um disco é sempre algo sobre o qual tenho curiosidade e o André contou-nos como foi consigo: «Foram aquelas que ficaram prontas primeiro, isto é, aquelas que eu… Eu tinha algumas canções extras que não entraram no disco, mas aquelas foram as que ficaram fechadas e disse “OK. Estas estão graváveis.” Houve uma canção que eu gravei nessas sessões que também nunca saiu, nem nunca foi tocada ao vivo nem nada, mas essa canção, um dia, há-de ter o seu lugar. Eu achei que estas, de certa forma, fariam sentido e o primeiro disco chama-se These New Countries um bocado na lógica de que primeiro, para mim era uma novidade ser músico – esse tal novo território – e no These New Countries cada canção para mim é quase como se fosse um país que visitei. Eu lembro-me que nessa altura eu vinha numa sequência de muitas viagens que fiz, então tudo fazia sentido. Para mim, cada canção é como se fosse uma pequena viagem – por isso é que elas são todas tão singulares. Mas acho que neste disco, de certa forma, as canções também acabam por ter uma identidade muito própria. Acho que é uma característica que vai ter a minha música. Eu gosto que cada coisa tenha o seu lugar.»
Não só cada coisa em We Trust tem o seu lugar, como na minha opinião é fácil reconhecermos a marca deste projecto seja em que contexto for. Mesmo quando ouvi o projecto There Must Be a Place, sem ainda saber quem é que estava por traz dele, senti que as músicas traziam consigo a impressão digital We Trust. Perguntei-lhe se ele costumava ter este feedback: «Isso é das grandes questões que eu tenho. Porque, de facto, as pessoas dizem “isto soa mesmo a We Trust!”, mas eu não consigo perceber o porquê. A minha voz não é uma voz com uma identidade tão forte, que seja aquela voz que tu oiças e digas “Olha, esta é daquele gajo.” – acho eu, não sei… também é difícil ouvires a ti próprio. Acho que há alguma identidade subjacente a We Trust que eu ainda não descobri qual é e ainda bem, porque assim, de certa forma, as coisas vão sendo feitas com maior liberdade e sem essa expectativa. Quando tens muita consciência das coisas, começas a perder um bocado aquela inocência – que às vezes é importante ter. De facto, há quem diga que existe essa identidade – é uma coisa que estou para descobrir –, mas fico contente que exista isso. Porque as canções para mim são tão diferentes umas das outras, que existir essa identidade para mim é muito bom.»
No caso do André o salto deu-se de realizar vídeos para outros músicos, interpretando as músicas deles e dando-lhes uma forma visual, para agora ele próprio compor e ter as suas músicas cá fora. O que é certo é que ambas as actividades acabam por formar um equilíbrio importante: «Eu sempre fui um amante da música e sempre ouvi música desde pequeno, sempre fui a muitos concertos e comecei por filmar músicos… Por isso, a música é algo inato em mim. De repente, passar para o palco – embora seja algo surpreendente – é algo que parece que faz sentido. São momentos de catarse em que tu, de repente, descobres que existe uma parte de ti que esteve sempre ali e que tu nunca ligaste nenhuma. De repente, tens a oportunidade, as pessoas dão-te a oportunidade para te mostrares e há uma cena muito fixe nisto – quando tens duas profissões, tu estás sempre a descansar de uma e de outra. Quando estou a cantar, estou a descansar de fazer vídeos e quando estou a fazer vídeos, agora vou curtir um pouco o vídeo que já estou farto de fazer música. Isso vai equilibrando as coisas e vai fazendo com que sejas mais verdadeiro e mais honesto naquilo que estás a fazer e que faças as coisas de uma forma despretensiosa, despreocupada… Principalmente na música, a expectativa comercial ou… Tu nunca sabes aquilo que vai acontecer. Hoje em dia, as pessoas consomem a música de uma forma tão rápida e é tudo tão imediato que tu não sabes bem qual vai ser o feedback – qual vai ser a reacção, se as pessoas vão gostar ou não, se vai vender ou não –, por isso, há uma coisa que a mim preocupa que é… primeiro estar feliz todos os dias e depois estar a curtir aquilo que estou a fazer e estar a fazer a música que eu gosto. Depois se as pessoas vão gostar ou não – claro que é bom quando as pessoas gostam – mas isso nunca ser uma preocupação e nunca ter essa consciência. Chegar ao fim e dizer “OK. Está altamente e era mesmo isto que eu queria fazer.” Agora o que vier, vem por acréscimo.»
Ser português e cantar em inglês é muitas vezes um tema de discussão. No caso do André a explicação é transparente: «É muito simples de explicar essa questão. Eu aprendi o que era a música através da cultura anglo-saxónica. A música que os meus pais ouviam em casa era em inglês, a música que ouvia na rádio, na televisão… Eu descobri o que era a música através da cultura anglo-saxónica, por isso, faz todo o sentido para mim escrever em inglês. Não é à procura de uma carreira internacional, é porque é algo que para mim soa-me natural. Se calhar para as pessoas mais velhas que se habituaram a ouvir mais música em português é estranho e “Porque é que estão a cantar em inglês e nós somos portugueses?” Agora que para mim, que cresci nos anos 80 e 90, a música que os meus pais ouviam era cantada em inglês.»
Focando-me no Everyday Heroes, toda a aura que o envolve é automaticamente absorvida pelo ouvinte. Que a mensagem está implícita, nós sabemos, mas eu quis saber mais: «É, sem dúvida um álbum conceptual. Se reparares, mesmo naquelas duas primeiras músicas que saíram no dia anterior… A primeira que saiu foi o We Are the Ones e eu acho que representa no fundo representa o disco, o Everyday Heroes, heróis do nosso quotidiano. Depois sai o Feel It e o Wait or Love – Feel It embora a mensagem seja bastante minimal – um bocado como o Better Not Stop, com uma mensagem muito repetitiva “I wanna feel it” “I want to take me home”- é um bocado a necessidade “OK, eu quero encontrar o meu lugar” e essa busca tem a ver com a ideia de sermos o herói. Geralmente fazes essa busca, do teu lugar, de encontrares a tua casa.»
Isto fez-me lembrar um pouco aquilo a que na literatura chamamos “A Jornada do Herói” onde este tem que passar por uma série de passos e transformação: «É verdade, mas existe isso. Existe essa epopeia e na canção Wait or Love tens esse exemplo: o refrão é “I see you falling without hope, I see you falling without hope” e acho que o disco também fala um pouco sobre o medo, sem o medo estar explicitamente presente em nenhuma canção – nunca falo do “temos medo”, falo sempre numa perspectiva optimista. Fala-se de coisas más, mas sempre na perspectiva de superação. O Wait or Love é a única canção em que eu digo “Ok, as coisas não estão fixes”, mas depois a seguir já a maior parte do disco é para a frente e vamos embora que as coisas podem ser melhores.»
The Future é um dos singles do disco e, contrariamente ao que costuma acontecer – em que o André delega a realização dos vídeos para outras pessoas – foi ele mesmo quem tratou deste: «Foi uma questão dupla. Primeiro porque eu tinha esta ideia de fazer um vídeo com montagem há imenso tempo e era algo que eu queria fazer. Depois também foi uma questão económica, estava sem pasta (risos) para estar a pagar às outras pessoas e eu gosto sempre de pagar às pessoas que trabalham comigo, por isso, disse “É pá, vou fazer eu este vídeo”, e assim foi.»
Pegando nessa parte mais económica, é sabido que é complicado viver de uma banda. As perspectivas do André: «Vou fazendo porque gosto. Não tenho expectativa nenhuma. Aliás nós fizemos esta [eu estava com o disco na mão] edição especial aqui com o lenço e eu costumo brincar a dizer “olha, nós estamos a vender um lenço e, por acaso, o lenço traz música”. (risos)»
Perguntei-lhe se achava que os lenços vendiam mais do que os discos! «(risos) Acho que as pessoas compram… Nós vendemos o lenço e as pessoas levam a música assim meio de bónus. Acho que os hábitos estão a mudar. O formato de disco, infelizmente, tende a desaparecer, acho eu. Eu gosto de ouvir discos ainda, mas noto pela camada mais jovem – que provavelmente é o futuro, que vai comprar música no futuro – ouvem uma música no YouTube, em canais online… A ideia de discos, para eles, já não faz grande sentido e eu tenho pena porque eu gosto de ver o disco quase como uma longa metragem e não uma sequência de curtas metragens.» Ultimamente até se têm feito algumas edições vinil… «Acho que é sempre numa perspectiva muito “não da massa”, para os nichos.»
Fotografia Vera Marmelo |
O facto de ter o outro lado como realizador, acaba também por dar alguma almofada e liberdade artística: «Sim, é bom. Claro que é um descanso. Porque se fosse a fazer música e estivesse economicamente dela, se calhar, o disco não era assim, se calhar, não vinha com lenço ou, se calhar, não vinha com essas pequenas loucuras… Acho que quando está dependente economicamente de algo, eu acho que, de certa forma, acaba por poder castrar aquilo que estás a fazer, a liberdade artística, acho eu.»
Numa visão do futuro, de como levar a música ao maior número de gente possível, não idealizar uma fórmula pode ser a melhor opção: «Eu acho que não há grandes receitas, eu tento não pensar muito… Não posso tornar isso numa preocupação, percebes? Porque senão aí vai gerar expectativa e a expectativa gera frustração e também não quero ficar frustrado. Acho que é assim: eu gosto de acreditar que quando as coisas têm o valor, as coisas fazem o seu caminho. Eu acredito no disco. Se as pessoas começarem a ouvir e se conectarem com a música, ele vai fazer o seu caminho.»
Aquela pergunta que os artistas nunca sabem bem como responder, a mensagem para os leitores, foi respondida de forma excelente pelo André: «Que acordem de manhã e que pensem assim “o que é que eu hoje posso fazer que realmente me deixe feliz?” Acho que isso devia ser a receita diária das pessoas. Claro que às vezes há coisas que temos de fazer, por obrigação, etc., mas tentarem encontrar um momento que seja durante o dia todo para fazerem algo que realmente os preencha e os deixe concretizados e felizes. Isso por si, já é um acto heróico.»
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O meu muito obrigada ao André pela simpatia e pela disponibilidade e não se esqueçam que podem encontrar as letras deste maravilhoso disco a partir destes link, com o Queres é (a) Letra!
Fading (Chapter One) [Instrumental]
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