Opinião: O luto de Elias Gro, de João Tordo

O luto de Elias Gro

João Tordo

Editora: Companhia das Letras (Penguin Random House Portugal)

Sinopse: Numa pequena ilha perdida no Atlântico, um homem procura a solidão e o esquecimento, mas acaba por encontrar muito mais. A ilha alberga criaturas singulares: um padre sonhador, de nome Elias Gro; uma menina de onze anos perita em anatomia; Alma, uma senhora com um coração maior do que a ilha; Norbert, um velho louco que tem por hábito vaguear na noite; e o fantasma de um escritor, cuja casa foi engolida pelo mar. O narrador, lacerado pelo passado, luta com os seus demónios no local que escolheu para se isolar: um farol abandonado, à mercê dos caprichos da natureza – e dos outros habitantes da ilha. Com o vagar com que mudam as estações, o homem vai, passo a passo, emergindo do seu esconderijo, fazendo o seu luto, e descobrindo, numa travessia de alegria e dor, a medida certa do amor. “O Luto de Elias Gro” é o romance mais atmosférico e intimista de João Tordo, um mergulho na alma humana, no que ela tem de mais obscuro e luminoso.

Opinião: Ser-se português implica carregar todo um legado emocional. Se é verdade que o sentimento saudade só tem palavra definida na nossa linguagem, também é verdade que existem pequenas particularidades que parecem ser encontradas só na nossa gente. A literatura portuguesa tem-se mostrado, nos grandes romancistas, recheada de uma profundidade que é raro encontrarmos na literatura estrangeira. Não falo de complexidades ou genialidades, falo antes de uma capacidade em explorar emoções e locais intrincados da mente humana no que toca ao relacionamento do eu consigo mesmo e do eu com os outros. Estreei-me na escrita de João Tordo com Biografia Involuntária dos Amantes e não demorei muito a aperceber-me que estava perante um escritor com essa capacidade. O luto de Elias Gro, embora num registo diferente, confirma esse talento nato, de alguém já amadurecido na escrita e capaz de enfrentar as suas próprias sombras.

“Parece que o lugar onde estamos nunca é suficientemente agradável. Deixa-me ver se acolá se está melhor. E, quando lá chegamos, percebemos afinal que a vida também estava a acontecer onde estávamos. Mas agora já estamos acolá e não podemos regressar, porque a vida também acontece acolá.”

Nesta obra vivemos histórias dentro de histórias. Temos o protagonista, que sendo já característica do autor não sabemos o seu nome, temos a sua vida comum anterior, a vida de Elias Gro na pequena ilha e ainda o retrocedimento nas memórias de um passado importante para Elias. No presente, procuramos o sentido para as acções do nosso narrador, que se procura a si mesmo. Pensa encontrar na solidão a paz que precisa, mas encontra antes uma série de tormentas que rapidamente tenta anestesiar com a bebida. É Cecilia, a filha de Elias, a única pessoa que o vai conseguindo despertar desse torpor e será também ela a causa do seu acordar.

“O que eu procurava era o esquecimento e, de repente, via-te em todo o lado. Minto, pois na verdade sentia-te em todo o lado.”

A narrativa de João Tordo tem tanto de silenciosa, de contacto directo com a alma, como de alarmante. Os compassos de espera, o desapego, a descoberta, a adrenalina e o amor estão muito bem conjugados, mas a componente fulcral é a perda. Aquele sentimento de impotência, de vazio, de desespero associado a uma terrível constatação de que o que foi já mais não será… E aprender a viver com isso. Uns isolam-se, outros perdem-se, outros tentam encontrar-se no meio de ambos. A inocência (que se perde a uma velocidade vertiginosa) de Cecília, marca de forma muita carinhosa esta obra. Alma não tem mãos a medir e Elias será sempre um enigma em muitas coisas. Cabe ao nosso personagem central decifrar o que quer de si e o que pode esperar dos outros.

“O intuito de abandonar estas ideias, de regenerar estes pensamentos (…) revela-se falhado. Quanto mais eu me remetia a mim próprio, julgando, dessa maneira, anular a influência do mundo, mais encontrava as raízes do meu desespero e mais era incapaz de sair dele. (…) Os pensamentos, como diabos à solta num quarto escuro e abafado, conduziam-me uma e outra vez à mesma conclusão, de que o homem transporta consigo o inferno, e que esse inferno não são os outros mas nós mesmos, quando entregues às nossas ideias mais acérrimas, às nossas intransigências mais cruéis, às nossas dúvidas mais corrosivas.”





Três excertos que tanto dizem, que tanto transmitem. E ainda assim são só uma gota no oceano que é O luto de Elias Gro. Estamos perante uma obra literária intensa, sofrida, íntima e, sinceramente, não esperava menos de João Tordo. Este talento exímio em escrever como ninguém sobre as zonas cinzentas do que somos, do que sentimos e de como nos enfrentamos. Uma leitura recomendada à cautela dos corações que já perderam muito, mas que ainda têm uma pequena chama que insiste em arder.

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

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