Não só no cinema, a acumulação de expectativas costuma trazer uma desilusão quase sempre natural, como efeito secundário de algo que, para começar, nem sequer é assim tão prazeroso. Mas isso não impediu a dose nada homeopática de expectativa que surgiu aquando do anúncio de uma nova colaboração entre Noah Baumbach e Greta Gerwig (fun fact: por incoincidência, estão amantizados), depois do maravilhoso filme de culto, escrito com a preciosidade de dez citações possíveis por minuto, interpretado por Gerwig com o refulgir de mil sóis, e tão eloquentemente geracional, Frances Ha. Quem não viu, corra a ver, imune à tal expectativa que acabei por criar agora, o que francamente não se admite.
Entretanto, soubemos o título desse porvir cinematográfico – Mistress America (e tentamos ultrapassar a desconfiança instintiva por títulos que incluam “América” ou “americano”) – e que seria um filme (muito?) mais cómico do que o anterior, quando o charme maior de Frances Ha estava precisamente no equilíbrio perfeito entre o humor e o que por trás dele se escondia – todas as angústias e dores de crescimento que, por serem tão banais, tendem a ser universais. Entretanto, começaram a sair as primeiras críticas, muito positivas, e voltámos a agarrar a expectativa com segurança.
Mas o tema da opinião não é nenhum destes dois filmes, mas um terceiro – Enquanto Somos Jovens – que serve de intervalo a essas colaborações com Greta Gerwig e estreia agora em Portugal. Como acontece normalmente nos filmes realizados por Noah Baumbach, desde A Lula e a Baleia ou Greenberg, por exemplo, é o realizador que assina o argumento, a solo, com a excepção já referida.
O motor da história é muito simples: em Nova Iorque, um casal nos seus 40 e tal anos, moderno e cosmopolita, conhece um casal mais jovem (por volta dos 25 anos) que aparenta ser ainda mais moderno e cosmopolita, mas numa versão hipster – hipster até ao tutano -, revivalista e irresponsável. É gente que escreve numa velha máquina de escrever, que não usa computador nem está no Facebook, que vê filmes em VHS em vez de usar o Netflix. O casal mais velho, na eminência das opções e responsabilidades da meia-idade – como ter ou não filhos e a sensação de estagnação – vê nestes dois jovens um escape e uma oportunidade de experimentarem aquilo que ficou por experimentar e aquilo que nem sequer sonhavam. A perspectiva é sempre a do casal mais velho, acompanhando o fascínio e a atracção que sentem pelos jovens, com o seu estilo de vida e os seus valores bastante diferentes. Deste contraste, por vezes contra-intuitivo (o casal jovem é que tem uma colecção de vinis, por exemplo, em contraste com os “velhos” cd’s), e da dificuldade em acompanhar a energia, inquietude e referências dos jovens, surge a maior parte das peripécias do filme, que vai desenrolando com segurança uma narrativa essencial ao tom do filme, entre conspirações e desentendimentos. Tudo evolui de forma ponderada, que só no fim parece óbvia, e a “necessidade” de um enredo é bem resolvida ao trabalhar a temática do envelhecimento, sim, mas também da autenticidade, que é, no fundo, a deriva daquelas pessoas – e um tema ecuménico, talvez ainda mais premente hoje em dia. No fim de contas, há aqui um comentário sobre o choque de gerações e a inevitabilidade da mudança, em que a paz, nessa guerra contra moinhos de vento, depende mais de uma aceitação pessoal e íntima do que de uma revolta contra o mundo.
Isto tudo é servido pela visão asséptica de um mundo de privilégio, mas estes “white people problems”, apesar de desaguarem numa normatividade desapontante, conseguem fugir (por pouco?) ao bocejo hollywoodesco devido à excelência da escrita. Tivesse mais vontade de sujar as mãos, e Enquanto Somos Jovens poderia ser um grande filme, mas mesmo assim não desaponta – e, para sermos justos, não parece ser esse o traço de carácter cinematográfico que Baumbach procura com mais afinco, de qualquer forma. O filme fala-nos com uma linguagem reconhecível ao cinema, mas fá-lo com um hálito fresco, embora também ele reconhecível, perfumado pelo ar-dos-tempos. Já não é pedir pouco que o faça dessa forma, juntando a isso uma inegável capacidade de entreter.
É natural, portanto, que o ponto forte do filme seja o argumento (costuma ser sempre um deles, aliás, nos filmes que valem a pena), mas também temos de referir o trabalho astuto dos actores. Dificilmente conseguimos pensar num actor melhor do que Ben Stiller para interpretar o humor irónico e subtil deste argumento, mas também as energias e angústias do personagem – e a forma como se enerva e vocifera, tentando levar a sua avante, mas com o seu olhar aflito e gentil, é sempre adorável. Stiller costuma desabrochar nestes papéis. Já em Greenberg, por exemplo, se percebia o seu à-vontade, mas o personagem restringia-lhe os movimentos, que aqui, por outro lado, são ampliados. Por outro lado, Adam Driver mostra mais uma vez porque é um dos mais promissores actores de uma nova e nada peculiar geração. Há nele esperança. O seu hipster está perfeito. Por último, e não sem alguma surpresa, vemos que o lado feminino dos dois casais não é tão forte, apesar do potencial das suas narrativas, e nada disto é culpa de Naomi Watts e Amanda Seyfried, que estão à altura da companhia. O cinema de Baumbach ganha bastante com a força das personagens femininas, como se só assim lograsse completamente o seu potencial. Embora não seja esse o principal espartilho do filme, mas também por isso, e depois deste delicioso mas curto aperitivo, esperamos ainda mais ansiosamente o Mistress America e os próximos passos de Baumbach.
Emanuel Madalena