Já lá vai algum tempo desde que esta conversa aconteceu, mas o mais triste é que desde então pouco ouvi falar do disco “O dia em que todos acreditaram“. Talvez no dia em que o disco saiu tal tenha acontecido, mas entristece-me que desde então, desde o “Venha Ele” – o primeiro e único single – pouco se tenha dito. Claro que também percebo que o João nunca pare, para além do seu projecto pessoal Vitorino Voador tem, entre outros, um lugar cativo nas bandas You Can’t Win, Charlie Brown e Diabo na Cruz (estes últimos imparáveis nos últimos tempos). E porque o João é muito mais que a soma do que faz, eis a conversa que partilhámos no Jardim da Estrela e que serve para relembrar que o Vitorino Voador tem disco novo editado já em 2015!
Cada vez que se fala no João Gil é com este sorriso que o recordo. Foi uma longa espera por este segundo disco, inclusive porque era para ter saído ainda em 2014: «Sim, foi uma luta. (risos)» E foi, literalmente, quanto mais não seja porque o nosso músico se viu a modos com duas mãos partidas nos entretantos! «É assim, eu tenho alguma vergonha de contar estas coisas, mas a verdade é que o tenho de o fazer, senão ninguém vai perceber. Houve duas mãos partidas pelo meio. (risos) Pouco depois de sair o EP, altura em que ia começar a trabalhar a sério no álbum, parti uma mão numa estupidez em casa. Cheguei a tocar com Trêsporcento com uma tala gigante! Aquilo não dava jeito nenhum! Mas pronto, ainda deu para salvar alguns concertos, só que para gravar o disco, arruinou completamente todos os planos que tinha. Passados uns meses, quando já estava bom dessa mão, a jogar à bola parti a outra. (risos) Para músico dá imenso jeito, não dá? Tudo isto fez com atrasasse ainda mais, o timing perdeu-se e o disco que teria saído naquela altura não é este disco que estou a apresentar agora. Sofreu muitas alterações, até porque tinha músicas novas e o sentido já era outro. No início era apenas um disco, mas com todo este tempo passado senti necessidade de mudar o contexto e tornou-se antes numa história e continuação daquilo que eu estava a fazer.»
O disco acaba por ser bastante diferente do primeiro EP que saiu, o que acaba por reflectir a evolução do próprio João Gil enquanto mentor do seu projecto musical: «O EP foi uma coisa um pouco solitária. Não no sentido negativo, foi o que foi. Foi algo que fiz sozinho, era algo novo para mim, e também porque era esse o propósito da minha existência enquanto Vitorino Voador – era onde eu canalizava todas as coisas que estava a fazer para uma coisa só minha onde eu tinha o total poder de decisão. À medida que fui tocando, que fui fazendo músicas, rodeando-me de pessoas e percebendo que era aí que eu me sentia mais confortável, isso também mudou os meus planos para o disco. Apesar de ter feito tudo sozinho – a composição, as letras, etc. – quis ter mais gente envolvida no disco. Pedi ao António Vasconcelos Dias que é o baterista dos Tape Junk para me gravar as baterias e foi muito giro porque eu dava-lhe ideias e depois ele transformava aquilo em coisas muito mais interessantes do que aquilo que eu tinha planeado. Ele é baterista, sabe como é que faz aquilo… Meti cordas e o Ricardo Jacinto, que é um músico que eu gosto muito, gravou violoncelo. O Zé Castro, que já tinha trabalhado no EP, tratou de algumas coisas electrónicas. O David “Noiserv” participou no single e, na minha opinião, melhorou aquilo para uma coisa muito maior do que aquilo que eu esperava. Houve mais gente que fez parte do disco. Na verdade, eu queria soasse a uma banda e não a um artista a solo – é aquilo que eu mais me quero afastar, sabes? Não é que seja uma problemática, mas é uma coisa que eu gostaria que acontecesse. Quando as pessoas ouvirem o Vitorino Voador, pensarem “Esta banda é muito gira. Gosto desta banda. Gosto disto.” Depois podem descobrir e perceber “Ah, isto é daquele gajo que está ali”, mas que a primeira impressão seja uma banda. Porque isso é o mundo em que eu vivo, não é o do cantautor.»
Será que Vitorino Voador deixa de ter então a perspectiva de algo muito pessoal para um projecto banda? «Inconscientemente eu tinha essa vontade de ter uma banda, mas ao mesmo tempo acho que não sou a pessoa ideal para ser o líder de uma banda. Ter que gerir uma banda consegue ser uma trabalheira e uma chatice do caraças, às vezes leva uma pessoa à loucura, e acho que não nasci para isso. É ter de combinar ensaios em que um pode e o outro não pode, é um que está mal disposto e o outro está chateado… Entre tantas outras coisas que eu não quero enfrentar, mas terei que o fazer caso queira a transformação para banda. O que é que muda? Na verdade, eu vou continuar a fazer as músicas, não vai ser diferente. Eu vou continuar a ter as minhas ideias em casa, vou levá-las para os músicos com quem eu vou tocar… Se calhar o que vai acontecer é que vou ter uma participação diferente dessas pessoas do que aquela que eu tive, por exemplo, a gravar o disco que foi de ter as músicas prontas e pedir-lhes “agora participem nesta música”. Ali não, vai ser diferente. Vai ser uma coisa em que eles vão fazer parte do processo todo desde o início e as músicas vão acabar por se tornar músicas deles também. Da mesma forma que as músicas dos Diabo se tornam minhas e não são. São músicas que o Jorge pensa, leva para os ensaios e depois nós trabalhamos em banda e acabam por se tornar nas nossas músicas. Não são coisas que nascem naquele ensaio. Não é um que pensa na parte A da música, o outro pensa na B e outro na C e depois o outro escreve a letra. Não, não é assim. A verdade é que eu estou a falar de uma coisa que ainda não aconteceu e que pode mudar a qualquer momento – já me conheço completamente e já sei que as coisas comigo podem ser assim –, mas é uma vontade que tenho. De ter uma banda e que Vitorino Voador soe a uma banda. Não a uma pessoa.»
Artwork do EP |
Do trabalho anterior para este também houve uma transformação gráfica da própria imagem que simboliza o Vitorino Voador. Será que essa mudança está relacionada com a associação a Van Halen? «Não não, aliás, lembro-me de apenas ter feito a descoberta que tinha o símbolo exactamente igual ao nosso amigo Van Halen apenas depois de já o ter definido, mas não, a mudança não teve a ver com isso. Teve a ver com o facto de ter trabalhado com um grande amigo meu, o João Correia Mendes, vocalista e líder dos Capitão Capitão, que é um gajo que tem uma grande visão das coisas. É arquitecto e tem uma opinião muito forte sobre as coisas e foi acompanhando partes da produção do disco. Depois de ter trocado algumas ideias com ele, a nova imagem foi uma das hipóteses que ele me deu. Assim que a vi, não quis mais nada. Apenas as cores eram ligeiramente diferentes. Acho que consegue mostrar tudo aquilo que realmente queria que é não perder aquele lado do super-herói, mas torná-lo um bocadinho mais sério e menos banda desenhada daquilo que foi o EP. Depois todo o conceito que está por detrás daquilo e toda a mensagem que eu quero transmitir, acabou por ser bem representada com as fotos do Joshua Benoliel. Eu fiquei maluco assim que descobri o trabalho dele. Não o conhecia de nome, acho que já tinha visto algumas fotos mas não sabia que eram dele. De repente, comecei a ver aquelas fotos e fiquei maluco. Elas conseguiam transmitir mesmo a mensagem que eu queria com este disco e assim foi.»
Capa do álbum “O dia em que todos acreditaram” |
Quem tiver a oportunidade de ouvir o disco, rapidamente notará que o título por si só é sugestivo e que ainda o caminho que traçamos pelo mesmo é como uma viagem com um fio condutor. «Ainda bem que dizes isso porque esse era um objectivo.» Por outro lado também parece ter uma parte muito pessoal. Quanto do João Gil em si está neste disco? «Acho que nunca me vou conseguir soltar muito desse lado pessoal das coisas porque eu só escrevo dessa forma. Não sou um contador de histórias, não invento histórias, percebes? Aquilo que eu falo no disco, tem tudo a ver comigo. De uma forma ou de outra – ou é uma coisa que eu vivi ou é uma coisa que quero viver ou é uma coisa que eu posso ter assistido na rua ou é um problema qualquer… O disco é completamente do João Gil, mas também é completamente do Vitorino Voador – acabamos por ser a mesma pessoa. Pareço um maluquinho a falar, tipo com dupla personalidade… (risos) Às tantas já nem eu sei muito bem qual dos dois é que está a falar, mas é uma coisa muito minha.»
A emoção transborda muito ao longo de cada música, seja nas letras ou na própria composição, será que o álbum acaba por ser uma espécie de diário da vida do João? «É isso mesmo. Por acaso, é giro dizeres porque nunca pensado tinha pensado nisso. No fundo, é o meu diário, mas está aberto ao público. (risos) Normalmente as pessoas escondem o diário numa gavetinha e fecham-na à chave. O meu está aberto para que todos possam ler. Acaba por ser uma terapia para mim, na verdade. É uma coisa que eu faço e que me faz mais feliz ao fim do dia porque acabei por contar as minhas histórias sem ter que ligar a 300 pessoas e ter que contá-las todas.» É desta forma que ele também aproveita para exorcizar os seus demónios: «Sim, sem dúvida. O que me passa pela cabeça eu ponho em papel, ou passo para a guitarra ou para o piano. Isso acho que é melhor do que uma pessoa pôr para dentro e às tantas rebentar. Até parece que estou só a falar das coisas más, mas também estou a falar das coisas boas. Se não passares as coisas boas para fora, elas acabam por perder um bocado… pelo menos, para mim, não partilhar perde um pouco o sentido.»
O single do disco “Venha Ele”, sendo uma carta de apresentação do mesmo, é das músicas mais antigas de Vitorino Voador. A música vem dos tempos do EP, mas que só agora levou uma roupagem nova com a contribuição do David “Noiserv” Santos: «Foi uma música que gostei tanto que comecei a tocar ao vivo logo nos primeiros concertos. Dá-me gozo e sinto que as pessoas têm mais facilidade em absorver essa do que outras músicas. Isso também ajudou naquele momento em que tive decidir qual é que era o single deste disco. O convite do David aconteceu porque ele, uma vez, foi a um concerto meu e gostou particularmente daquela música. Veio ter comigo e disse-me “Olha, acho a música muito bonita” e não sei quê… e eu quando estava naquela fase de decidir se convidava alguém ou se não convidava comecei a pensar e foi logo de caras “Pá, tenho que convidar o David”. Simples, porque foi daquelas pessoas que veio ter comigo e me disse uma coisa daquelas. Foi muito giro porque dei-lhe carta branca para fazer o que quisesse e aquilo que eu estava à espera era que ele cantasse. Ele não pôs a voz, tocou só… e foi muito brutal porque pôs imensas guitarras. Estava à espera que ele fosse para aquela coisa clássica de “Noiserv” e, de repente, fui a ouvir…Pá, muito giro. Os teclados muito loucos, a música ganhou uma dimensão completamente diferente. Antes tinha aquela cena no início da guitarra acústica e da voz e depois no fim era só guitarras e bateria, aquilo era tipo rock. Ele transformou a música numa coisa mais bonita.»
Chegados à Mensagem II, eis que temos uma surpresa (vão ouvir a música!): «Aquilo é uma mensagem muito dedicada a uma pessoa.» É que, de repente, somos confrontados com uma hidden track num tom que contrasta completamente com o que a letra transmite: «Essa música tem duas razões. Uma delas é uma homenagem que quis prestar aos discos que eu ouvi quando tinha 14, 15, 16 anos, havia muito, nessa altura, as faixas escondidas. Tens discos e discos que vais a ouvir e, de repente, passada meia hora de vazio tens assim uma cena qualquer fora do normal a acontecer e eu disse “É pá, vou ter que ter isso num dos meus discos e fica a minha homenagem feita a essas bandas dessa altura”. A outra razão é que era uma música que eu não estava a conseguir encaixar no disco. Não achava que fizesse muito sentido naquele seguimento de história que eu estava ali a querer contar, mas foi uma coisa que me aconteceu muito forte… Na noite, ao pé do bairro, assaltos e coisas pelo meio. Aquilo marcou-me bastante. Eu fiquei com aquilo na cabeça, andei ali a remoer sobre o assunto e, mais uma vez – por isso é que eu te disse que isto era terapêutico para mim – comecei a escrever, saiu-me aquela letra e a música logo a seguir. No fundo é uma balada, mas com uma letra um bocado violenta… e cá dentro resolvi as coisas e isso foi bom. Por muito que aquilo pareça um bocado despropositado, é uma das minhas músicas preferidas e é daquelas que eu vejo as pessoas reagem mais. Pensam “epá, este gajo é maluco”, mas depois gostam daquilo, acham piada e riem-se com aquilo e é muito bom para mim ver uma pessoa a rir daquela história. Foi tudo aquilo que não aconteceu. Por isso, ao mesmo tempo, a música ajuda, mas as pessoas que a ouvem também me ajudam e tornam aquilo numa coisa que, hoje em dia, conto a rir.» É tipo uma chapada de luva branca no final… «Que não é para todos. Nem toda a gente vai fazer isso que tu fizeste.»
O que o João mais queria era tocar o disco ao vivo, mas não é fácil conciliar agenda com os seus outros projectos: «É um bocado complicado. Tenho de ser organizado e não há outra hipótese. É um bocado complicado porque, por exemplo, neste momento estou com a digressão dos Diabo na Cruz e, felizmente, não é? Mas complica um bocado depois naquele lado em que tenho de marcar os meus concertos de Vitorino Voador. Por isso, o que vou fazer é… o disco está agora a sair, vou deixar passar algum tempo até porque quero que as pessoas oiçam e que percebam se gostam ou não e se forem depois aos concertos, já conheçam as músicas bem e que percebam o que se está a passar ali no palco.» E a reacção do público, como tem sido? «A reacção tem sido boa. Nuns sítios tenho tocado com mais gente, noutros sítios com menos. Vitorino Voador não é uma coisa que ainda… E, se calhar, pode nunca vir a ter, mas não é uma coisa com uma legião de fãs como Diabo na Cruz.»
Dada a participação em YCWCB e Diabo na Cruz, seria natural fazer a associação à pessoa João Gil em Vitorino Voador… «Não muito. Hoje em dia já fazem um bocadinho mais, já percebem que faço parte desta e daquela, mas muitas vezes não. Por um lado isso também é bom. Também não quero que o Vitorino Voador só chegue a certos sítios porque vai buscar o público desta banda e daquela. Não quero isso, nem faço sequer o mínimo esforço para que essas bandas falem do meu trabalho a solo. Acho que há um lugar certo para fazer as coisas e isto tem um bocado a ver com o facto de querer que isto seja uma banda. Também é um bocado isso, sabes? Não querer que o meu nome se sobreponha ao do Vitorino Voador. O João Gil não está escondido tipo ninja atrás de uns arbustos. Não quero que as pessoas façam associações nenhumas. Oiçam a música por aquilo que ela é. Até podia estar lá o Freddy Mercury ou o Bach a tocar piano, estás a ver? As coisas são o que são. Eu não é só… sei lá… por exemplo, as cenas do Tom York… Eu quando ouvi aquilo pela primeira vez – claro que assim que ele começa a cantar apercebes-te que é ele –, eu não sabia o que é que era e adorei aquilo. Se tivesse ouvido a voz dele logo e tivesse pensado logo no Tom York, aquilo tinha mudado um bocado… tinha influenciado um bocado a minha opinião, se calhar.»
Será que Vitorino Voador acaba por sofrer por causa dos outros projectos ou é paciente? «É paciente. Mas mais do que o Vitorino Voador ser paciente, eu acho que as pessoas é que são pacientes e eu tenho que agradecer! Depois de tantas promessas a seguir ao EP, um disco que devia ter saído logo e só dois anos depois é que saiu. Se as pessoas não fossem pacientes, eu já não tinha ninguém que ouvisse aquilo que eu posso fazer. Acho que mais do que o Vitorino Voador ser paciente, eu acho que as pessoas são pacientes e isso é o que me salva. Depois tem a ver com aquela questão com as agendas das bandas. Eu não quero deixar de tocar em nenhuma das bandas por ser o Vitorino Voador, mas também não quero deixar de ser o Vitorino Voador por causa de nenhuma das bandas. Então tenho que equilibrar as coisas e arranjar forma de haver espaço para todos. Felizmente os músicos com que eu trabalho nessas bandas também são pacientes e as coisas vão acontecendo e vão-se fazendo. Por isso, são todos pacientes. É tudo zen e a levitar, mas é isso. (risos)»
Ideias para o próximo disco, já existem? «Sim, já tenho ideias para mais quatro discos pelo menos. Só que vou proibir a mim mesmo de compor e… de compor é um pouco de exagero, porque eu continuo a fazer músicas novas quando pego numa guitarra ou num piano, gravo com o telemóvel, mas encosto logo à box. Nem ponho aquilo para dentro do computador para começar logo a fazer uma gravação a sério que é para não haver chatices. Isto é para que este disco possa ter a minha devida atenção e não ficar encostado de lado. Mas posso dizer que estou completamente mortinho por pegar nas coisas novas e começar a deitá-las cá para fora. Tenho ideias e ideias que nunca mais acabam… só que tem de ser assim, senão este disco acaba por não valer grande coisa… ainda começo a esquecer-me dele.» Nem te vou perguntar então para quando é que estás a pensar lançar o disco… «Não, eu agora recuso-me a dizer isso porque da última vez disse e parti duas mãos. Por isso, não queremos mais azares. Não sou supersticioso, mas também não vou andar aqui… Mas em breve!»
Aposto que não se esquece nada do disco e aqui fica um lembrete de alguém que gostou muito dele e que também gostava de o ver tocado ao vivo! Deixo-vos o leitor do bandcamp onde também podem adquirir a edição física!
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