Não há montanhas impossíveis de subir
O nervoso miudinho e a ansiedade substituem ao longo dos dias a curiosidade e a vontade de recomeçar. A mudança que, a princípio, parece trazer todo um novo mundo atrás, começa a parecer, aos poucos, um obstáculo impossível de transpor.
O sorriso há muito foi trocado por uma dor de estômago constante, a alegria pela falta de apetite. Os rostos novos são, agora, apenas rostos desconhecidos; as novas salas, remodeladas, pintadas de fresco, parecem frias, desprovidas de familiaridade.
Ela tem apenas 15 anos, mas foi sempre conhecida por ser mais madura do que a idade supunha. Ar sério, humor sarcástico – herança do pai e da mãe que a incitava a sorrir perante as dificuldades -, gasta as mesmas horas a ler que no Instagram, numa mistura de quase mulher com a miúda que efectivamente ainda é.
A escola parece, na distância que a separa de casa, e que a obriga a trocar de linha de metro, um lugar que se assemelha a uma montanha gigante: longínqua e difícil de subir. A vontade de voltar para trás é muita; as etapas a ultrapassar começam ainda na cama, com o corpo a resistir até ao último minuto que lhe é permitido. Depois, segue-se a torrada, difícil de engolir, o chá e a peça de fruta a parecerem uma feijoada, impossíveis de combinar com pequeno-almoço. Os pés que se arrastam pelo passeio até ao metro, o sorriso que não consegue romper na boca que só arrisca um esgar.
A mãe chama-a para perto, mas ela prefere manter-se junto à porta, como se quisesse fugir, de volta ao Verão, à praia, ao sol que lhe aquece a pele. A uma nova tentativa da mãe, aproxima-se. As pernas altas e magras, o corpo desengonçado, o olhar a não combinar com a música que a mãe ouve e que partilha com ela, um auricular para cada uma, até ao momento em que separam, umas estações mais à frente. A mãe sorri e canta-lhe os versos do tema que ouvem, ‘Big Star Baby’, dos Mojave 3: “Baby, you’re the brightest star of all…” Ela sorri e estende o rosto para a mãe. Um beijo e um sorriso e a montanha parece diminuir de tamanho.
Helena Ales Pereira
Tão bom ler-te 🙂
Senti a angustia da montanha e voltei à sensação por vezes desconfortável dos 15 anos…obrigada.