Opinião: Flores, de Afonso Cruz

Flores

Flores
Afonso Cruz

Editora: Companhia das Letras

Opinião: Desde que foi publicado, não há tanto tempo assim, que já li este livro duas vezes. Estou capaz de ler uma terceira, mas não ainda, não para já. Não sei bem descrever esta capacidade que Afonso Cruz tem de nos fazer primeiro estranhar e depois entranhar. Houve obras em que a empatia e foco foram automáticos, mas com Flores o processo foi diferente. Após a primeira leitura, senti que tinha gostado, mas que nem sempre tinha compreendo.

Existe um grau de subtileza considerável em alguns diálogos, em algumas reflexões dos personagens, que se não estivermos atentos chegamos ao fim com a sensação que ficou a faltar algo ao livro. Foi assim que me sentir, mas depois pensei que talvez não o tivesse lido em boa altura. Vocês sabem que eu gosto que os livros chamem por mim e quando peguei em Flores, após ter chegado a casa, “obriguei-me” a ler por toda a admiração que tenho pelo Afonso. Não resultou bem. Há umas semanas atrás, arrumava eu uns livros, cruzei o olhar este e senti que estava na altura de o ler, bem lido. E a vida tem destas coisas, uma ironia imensa.

Flores é um livro que vai provocar diferentes sensações a diferentes pessoas com diferentes sensibilidades e diferentes passados/presentes. Existem romances para os quais eu considero que é necessária alguma bagagem para extrair da leitura uma maior identificação com a mesma. Também o estilo de narrativa do escritor apresenta-se diferente do habitual. Está mais fragmentada, a trama central, embora conduzida por um único personagem, bifurca-se entre o protagonista evitar olhar para si mesmo – criando em vez disso alter egos exibicionistas – e o ficar obcecado com a história de um próximo que nem conhece assim há tanto tempo, mas que contribui para que adie o constatar do quanto a sua vida descarrila.

É como se ao encontrar um passado esquecido se redimisse de algo que só mesmo enfrentando as suas fraquezas tal será possível. E depois temos todos aqueles pequenos pormenores e vicissitudes da vida que muitas vezes se desvalorizam ou sobrevalorizam e que a forma como lidamos com ela pode ditar o rumo da nossa vida. Um deslize aqui, uma indecisão ali, o deixar arrastar e assim deixar que a vida tome o seu rumo sem qualquer responsabilidade nele.

Gostei muito da ironia latente ao longo da narrativa. Apesar de serem assuntos sérios ou até retratarem opções moralmente questionáveis, o humor presente fez com que a leitura aligeirasse os ânimos. Fomos conhecendo vários novos personagens ao longo das páginas, todos eles com ideias tão diferentes de quem o Ulme era, mas também todos eles com a sua própria história e percepção do valor das suas vidas. É através destes personagens que Afonso Cruz consegue abranger uma série de segmentos da sociedade, principalmente a música, enviando uma mensagem tão óbvia e verdade, mas que ainda assim acho que passa tão despercebida.

No fundo, estas páginas têm uma grande dose de crítica, pessoal, social, relacional, acima de tudo cultural. E tudo em tão poucas páginas, com frases simples, descomplicadas, mas que reflectem tanto a essência amorosa como o cinismo que cada um consegue carregar consigo e transmitir aos outros.

Terminando num breve parágrafo, acho que este é mais um livro de Afonso Cruz que surpreende ao mostrar uma nova faceta, uma nova abordagem à trama. Certamente não é conciliador com os outros no estilo, mas é isto que é extraordinário no Afonso: todos os seus livros são únicos, por vezes diferentes em estrutura, ritmo e harmonia, mas a impressão digital está lá. Um leitor sabe quando lê Afonso Cruz e sabe também que dificilmente ficará indiferente. Recomendo Flores, claro que sim, e se não gostarem à primeira, experimentem dar-lhe uma segunda oportunidade. Há locais onde vale a pena retornar, tendo passado o devido tempo e adquirido a devida bagagem. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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