O Pintor Debaixo do Lava-Loiças
Afonso Cruz
Editora: Caminho
Sinopse: A liberdade, muitas vezes, acaba por sobreviver graças a espaços tão apertados quanto o lava-loiças de um fotógrafo. Esta é a história, baseada num episódio real (passado com os avós do autor), de um pintor eslovaco que nasceu no final do século XIX, no império Austro- Húngaro, que emigrou para os EUA e voltou a Bratislava e que, por causa do nazismo, teve de fugir para debaixo de um lava-loiças.
Opinião: Falar sobre alguns livros consegue ser uma tarefa difícil, quase ingrata, por não nos sentirmos à altura de dissertar sobre a mesma. Cada vez mais, seja a última obra lançada ou uma das mais antigas, escrever sobre os livros de Afonso Cruz torna-se um desafio. Já não me recordo quando é que li pela primeira vez este livro, mas sei que foi uma delícia voltar a pegar nele agora e seguir as pegadas que na altura deixei, por entre as linhas sublinhadas, os traços mais ou menos tortos que me fizeram recordar o que pensava enquanto lia. Na altura não escrevi a opinião deste livro precisamente por não me sentir confortável para tal. Sentia aquela responsabilidade de fazer um belo texto, que fizesse jus à obra, mas passado este tempo é claro que sei que nunca seria capaz de tal coisa e portanto decidi ir directa ao assunto e ser o mais sincera e genuína possível – como sou sempre. Crescer tem destas coisas, libertarmo-nos de algumas correntes e saborearmos a vida mais livremente. Coisa que nem sempre o protagonista do nosso livro conseguiu.
Parece-me uma grande felicidade que, quando se olhe para o mundo, pareça sempre que é a primeira vez que o fazemos.
Existem umas quantas curiosidades na minha relação com O Pintor Debaixo do Lava-Loiças. Nunca tive um livro de Olhos Abertos e Olhos Fechados, mas é engraçado que desde pequena a forma que mais desenho é a forma de um olho. Sempre me fascinou tentar reproduzir no papel este espelho da alma humana. Um olhar consegue dizer muita coisa, mesmo de olhos fechados há muito que é dito sem se verbalizar nada. Depois ia transformando o contorno do olho noutras formas, numa folha, na chama de uma vela, tudo dependia da perspectiva e de para onde decidia girar.
Só somos felizes quando já não sentimos os sapatos nos pés.
Ainda esta semana pensava nisto. Consegui chegar mais cedo a casa e do meu quarto tenho uma vista relativamente invejável quando o sol se põe. Fico sempre fascinada de cada vez que me apercebo do fenómeno, principalmente porque morando ali todos os dias raramente me apercebo ou sequer valorizo. Grande parte desta história reflecte o facto de haver certas pessoas que se fascinam com as coisas de uma forma tão pura que talvez por causa disso nunca encontrei o sossego do conforto.
A relação entre os dois era como o mar e as nuvens: só se tocavam por evaporação. Cumprimentavam-se, desejavam o melhor um ao outro, apertavam as mão com parcimónia. E era tudo.
Este livro é tão pequenino e ainda assim contém tantos mundos dentro dele. Não contém futilidades ou redundâncias. Cada página, cada linha, contém em si a linha condutora perfeita para avançar a bom ritmo, a bom conteúdo, a um estremecimento de temor pelo nosso protagonista, mas sempre com uma grande dose de carinho e admiração. E depois existe a questão das emoções por vezes abordada de forma mais calorosa, como a forma que Jozef via a relação entre os seus pais, e outra mais distante, a forma como ele mesmo descobria as suas primeiras emoções perante os outros.
O mundo inteiro puxa-nos para baixo, mas as mãos de quem gosta de nós atiram-nos para o alto. Sem se cansarem.
Acima de tudo, acho que a mensagem principal é de coragem. Não só dos antepassados de Afonso Cruz que acolheram este pintor, mas dele mesmo, a cada passo que assumia dar. Deixei-vos com apenas algumas das citações da primeira metade do livro, mas acreditem que há muito mais. Há toda uma exploração de sonhos, desilusões, lutas, conquistas, redescobertas, confrontos, tudo, tudo o que de mais humano cada um de nós pode ter. Mais do que uma opinião, este texto é apenas uma partilha da minha experiência ao ler o livro. A escrita de Afonso Cruz fascina-me sempre e este é mais um pequeno Grande livro. Se quiserem partilhar a vossa opinião é só deixarem comentário! Boas leituras!