A 6 de Fevereiro de 2014 eu publicava a primeira entrevista feita aos Capitão Fausto. A propósito, vinha dar a conhecer a banda, ainda inédita no blogue e o disco «Pesar o Sol». Foi uma bela conversa com o Tomás, que teve a paciência de responder a todo o género de perguntas cujas respostas podem ler aqui: http://www.branmorrighan.com/2014/02/entrevista-aos-capitao-fausto-banda.html. Com a saída de novo disco houve a necessidade e oportunidade de voltar a falar com este grupo que é já considerado um fenómeno nacional, quer eles tenham real noção disso quer não. «Capitão Fausto Têm os Dias Contados» ainda mal tinha uma semana de existência e já era aclamado por grandes nomes da música nacional como uns discos do ano e/ou até da década. Tenho de concordar, pelo menos, que é o disco que mais gosto, talvez por termos idades parecidas e o “sair de debaixo das asas dos pais” esteja também a acontecer comigo. Sentei-me então com o Domingos e com o Salvador e a conversa deu-se com foco único neste mais recente trabalho, já que para saberem mais sobre a banda podem ler na entrevista anteriormente feita. O resultado é o que se segue.
Verdade seja dita. Na minha óptica temos três discos, todos completamente diferentes, todos um sucesso adquirido, mas para a banda ainda é cedo para dizer tal coisa «Eu acho que este ainda não se pode dizer que é um sucesso, só saiu há uma semana.» O que é certo é que eu conheço algumas pessoas que nem sequer gostavam de Capitão Fausto e que com este disco se “converteram” sem pensar duas vezes. «Ainda é um bocado cedo, ainda não temos muita noção disso. Talvez agora com a chegada do Verão e os concertos dê para percebermos isso.»
De entre todos os textos que têm saído sobre este novo disco dos Capitão Fausto, uma das expressões que mais tem sido usada, nesta ou noutras variantes é “Morreram os putos, fizeram-se Homens.”, originalmente dito pelo Pedro Ramos no texto de apresentação do disco. «A maior mudança que houve foi que este disco quando começou a ser feito nós já estávamos todos a acabar os cursos. Durante estes últimos seis meses, já não tínhamos aquela dualidade de “se não estivermos a fazer música temos de estar a estudar para qualquer coisa, se não estivermos a estudar para qualquer coisa temos tempo para fazer música”. O que acaba por acontecer nesta fase é que, de repente, feito os cursos e acabados os estudos, queremos continuar a seguir uma carreira de música. Então, dia após dia a única coisa que podes fazer é fazer canções. E aí se calhar sentes uma responsabilidade um bocadinho maior e é nesse sentido que as coisas deixaram de ser feitas com a cabeça noutro sítio. Penso que essa foi a maior diferença.»
Comentei com eles que era engraçado como a cada disco os comparavam com bandas diferentes, no primeiro Franz Ferdinand, no segundo Tame Impala e agora Belle and Sebastian, mas que eu nem gostava muito de fazer este tipo de comparações, ao que eles responderam logo «Nós também não. (risos)» Deixando as comparações de parte, a versatilidade sonora tem sido o que mais me tem surpreendido. Quis saber as origens/motivações: «Acho que tem a ver com as coisas que ouvimos na altura em que fazemos os discos. Os discos representam um pouco aquilo que andamos a fazer e a ouvir na altura em que os criamos e este disco acaba por reflectir precisamente isso. É normal que as coisas mudem até porque não temos interesse em estarmos sempre a fazer as mesmas coisas e a repetirmo-nos. Farta um bocado, a certa altura, ser sempre a mesma receita ou a mesma maneira de fazer as coisas. Quando tocas um disco durante tanto tempo como nós tocámos o Pesar o Sol, chega uma altura em que é preciso fazer outra coisa senão torna-se um bocado seca. Talvez resulte para outras bandas, mas no nosso caso não.»
Outro facto sobre os Capitão Fausto é que no fundo eles tornaram-se uma casa mãe, ou quase uma fábrica, de vários outros projectos musicais com diferentes combinações dos seus elementos. Terá servido para expandirem e experimentarem várias sonoridades em tom de exorcismo para depois fazerem algo completamente diferente neste disco? «Acho que sim. Todo esse trabalho paralelo que temos feito nos últimos dois anos acaba por depois ter algum reflexo no que estamos a fazer. Talvez não de uma forma directa, mas influenciou o que fizemos.»
Então e o título Capitão Fausto Têm os Dias Contados? «Por acaso o nome do disco foi das últimas coisas a surgir, mas quando surgiu Capitão Fausto Têm os Dias Contados fez-nos imenso sentido com as letras do Tomás. Basta ouvir as suas letras para perceber. É claro que não queremos, nem vamos, acabar – houve várias pessoas a acharem isso e até foi divertido – , mas a temática dos dias contados, ou do fim, está bastante ligada às letras do Tomás que tanto se aplicam a nós como a uma data de pessoas que estão a passar a mesma fase que nós – deixar de estudar e escolher um futuro a seguir.»
Tinha lido numa entrevista que os próprios admitiam que até agora tinham tido o privilégio de serem um pouco “burgueses” na forma como viviam, mas fiquei com a sensação, mesmo pelo vídeo mais recente “Morro na Praia” que a própria postura da banda parecia estar a mudar para algo mais “sério”: «Nós não queremos ser sérios! (risos) Acho que não nos ficava muito bem de repente tomarmos a decisão de ser sérios. Isso que o Tomás disse, de sermos burgueses, é verdade no sentido que se tivesse mesmo que ser, e porque gostamos mesmo muito de fazer música, íamos continuar a fazer música por termos famílias que nos apoiam e daí termos continuado a estudar e a fazer música ao mesmo tempo. Esse apoio deu-nos uma certa segurança para não ficarmos a tremer quando não havia concertos a determinada altura. Se vivêssemos única e exclusivamente da música aos 18 ou aos 19 anos podíamos ter passado por dificuldades que não passámos. Há alturas em que não tens quase concertos ou são inconstantes, daí o que o Tomás disse e do apoio que tivemos que nos permitiu continuar. Mas isso agora está a acabar, não é? Ninguém quer ser dependente para o resto da vida e nós cada vez vamos sendo menos. Mas daí a levar-nos muito a sério não, até seria perigoso.»
Às vezes durante o processo de profissionalizar um projecto musical existe o receio de que esta corrida por gosto sofra algumas consequências. Perguntei-lhes se era um receio da banda: «Não, acho que neste disco o que fizemos foi que dentro desta temática, com todas estas responsabilidades novas e acrescidas, conseguimos ser fiéis às nossas convicções artísticas. O desafio é esse. Para uma banda acaba por ser complicado, mas o que eu acho que é fixe de se ver numa banda é que ela consegue não trair as suas convicções. No caso da música em Portugal o desafio é conseguir fazer o que ela quer e conseguir viver disso. Se nós para nos tornarmos mais sérios tivéssemos de alterar a forma como as fazemos ou de perder o gosto de como as fazemos, elas perdiam a razão de ser.»
Uma das coisas que fiquei a saber é que vai sair um documentário sobre este último disco – Capitão Fausto Têm os Dias Contados – e que, no fundo, o vídeo Morro na Praia acaba por ser uma colecção de imagens que não entraram no documentário. O concerto de apresentação no Porto foi um sucesso e a fórmula também passa por o alinhamento conter músicas dos outros discos: «Correu muito bem e tivemos essa preocupação especialmente no Porto, porque tínhamos de ter em conta que as pessoas que foram ao concerto iam às cegas, o disco tinha saído um dia antes. Grande parte das pessoas mal conhecia o disco, por isso tínhamos de dar um concerto que passasse pelos outros discos e resulta muito bem.»
Há dois anos não era uma preocupação saírem de Portugal e tocarem no estrangeiro. Para terminar, perguntei se isso tinha mudado: «Claro que gostávamos fora de Portugal, mas para já não é a nossa prioridade. Primeiro gostávamos de fazer tudo o que há para fazer em Portugal.»
O meu muito obrigada ao Domingos e ao Salvador pela disponibilidade e não se esqueçam de os apanhar por aí! 🙂