A Guerra Não Tem Rosto de Mulher
Svetlana Alexievich
Editora: Elsinore
Sinopse: Nesta obra-prima, a Prémio Nobel de Literatura 2015 dá voz a centenas de mulheres que revelam pela primeira vez a perspetiva feminina da Segunda Guerra Mundial.
O número de mulheres combatentes no Exército Vermelho chegou quase a um milhão, mas a sua história nunca foi contada. Este livro, marcado pelo estilo pungente de Svetlana Alexievich, apresenta testemunhos de mais de 200 jovens russas que passaram de filhas, mães, irmãs e noivas a atiradoras, condutoras de tanques ou enfermeiras em hospitais de campanha. O seu relato não é uma história de guerra, nem de combate; é uma história de mulheres e homens catapultados «da sua vida simples para a profundeza épica de um enorme acontecimento».
Em que pensavam? De que tinham medo? Como foi aprender a matar? É sobre isto que estas mulheres falam, mostrando uma faceta do conflito sobre a qual não se escreve. Descrevem a sujidade e o frio, a fome e a violência sexual, a angústia e a sombra permanente da morte.
A Guerra não Tem Rosto de Mulher, a marcante obra de estreia de Svetlana Alexievich, foi originalmente publicada em 1985, depois de quatro anos de pesquisa e entrevistas. Esta edição corresponde ao texto fixado em 2002, quando a autora reescreveu o livro e incluiu novos excertos com uma força que, antes, a censura não lhe tinha permitido mostrar.
Opinião: Existem livros que marcam, outros que nos deixam indiferentes, outros que ficam connosco alguns dias, mas depois esquecemos as suas histórias, mas também existem aqueles cujos ecos parecem não querer desaparecer nunca da nossa mente e que a assaltam sempre que existe um toque qualquer de familiaridade, mesmo que indirecta. A Guerra Não Tem Rosto de Mulher é um desses livros e não será difícil perceber porquê. Quem é que consegue ficar indiferente a registos na primeira pessoa que expõem uma realidade brutal e quase inimaginável para quem nunca passou por situações semelhantes, em plena segunda guerra mundial? Foi a minha estreia na escrita dita literária de Svetlana Alexievich e fiquei com vontade de ler outras obras suas.
A Guerra Não Tem Rosto de Mulher é exímio no arrebatamento pela emoção. Ao longo das três centenas de páginas que compõem este artefacto, conhecemos centenas de mulheres que participaram na guerra, nos mais variados papéis. Umas voluntárias, outras nem tanto, umas aviadoras, outras responsáveis de comunicação, umas enfermeiras, outras atiradoras, podia continuar aqui a descrever cada papel, cada circunstância… Não seria suficiente. Em cada voz, a morte, a esperança, a desilusão, o orgulho, o sofrimento, a saudade, o terror, a coragem e a dor, até o amor. As condecorações? Existiram. Mas para quê? Recordar leva-as de novo para lá, para o tempo em que ainda adolescentes, a maioria com 16 anos e até menos, em que tiveram de abandonar as roupas femininas, tiveram de rapar o cabelo, usar roupa masculina. Em alguns casos, os ciclos menstruais pararam, a consciência feminina perdeu-se, apenas o instinto de sobrevivência e de protecção ao próximo prevaleceram.
Se a maior parte dos livros de não-ficção relacionados com a guerra são escritos por homens e com relatos de homens, Svetlana dá voz às mulheres que combateram a seu lado, tão ou mais corajosas, que muitas vezes os protegeram, cuidaram deles, amaram-nos e foram amadas. Enquanto que a morte era um companheiro constante, o amor era um tabu e não foram raros os casos depois da guerra em que as mulheres que combateram nela foram julgadas como prostitutas por outras e outros que não combateram. Um facto surreal, mas que não surpreende. O que mais comove são as descrições ainda tão vividas, tão gráficas, tão pungentes em cores (principalmente o vermelho sangue) e cheiros. O que é certo é que quando a guerra acabou, estas mulheres nunca mais foram as mesmas e nem por isso a sociedade lhes tornou o papel de voltarem à sua rotina mais fácil. Não eram “material para casamento”, afinal tinham lutado que nem homens! Até algumas famílias as renegaram.
Estamos perante um livro de uma violência emocional extrema, que nos faz fechar os olhos várias vezes, que faz com que tenhamos de respirar fundo. Acho que a certa altura chorei por estas mulheres e por, como mesmo em tempo de paz, tantos preconceitos ainda se manterem, mesmo em contextos completamente diferentes. Existem muitas passagens que vos podia deixar aqui, mas vou deixar-vos apenas uma, um extremo do que li, e em inglês, porque agora não encontro a página em português. Acho que só lendo no todo poderão perceber o quão profundamente perturbador, sofrido e empático é esta obra. E o mais impressionante foi o quanto elas não queriam lembrar, não queriam registar, ao passo que os homens sempre encheram o peito com orgulho desses tempos. A Vitória não foi igual para ambos os sexos e esta leitura mostra isso mesmo. Está mais do que recomendada.
“At the age of nineteen I had a medal “For courage”. At the age of nineteeen, my hair turned grey. At the age of nineteen in my last battle I was shot through both lungs, the bullet went in between two vertebrae. My legs were paralysed… They thought I was dead… At the age of nineteen… My granddaughter is this age now. I look at her in disbelief. Such a child!”