A Um Deus Desconhecido
John Steinbeck
Editora: Livros do Brasil
Sinopse: As antigas crenças pagãs, as grandes epopeias gregas e os relatos da Bíblia servem de base a este romance extraordinário, que Steinbeck demorou cinco longos anos a escrever. Cumprindo a promessa feita ao pai antes da sua morte, Joseph Wayne parte para o Oeste com o desejo de criar uma quinta próspera na Califórnia. Aí encontra uma bela e imponente árvore e acredita estar nela incorporado o espírito do pai. Os irmãos e respetivas famílias, que foram viver com ele, beneficiam dos êxitos e da prosperidade de Joseph, e a quinta cresce — até um dos irmãos, assustado pelas suas crenças pagãs, decidir cortar a árvore, fazendo com que a doença e a fome se abatam de súbito sobre todos eles. A Um Deus Desconhecido é um romance quase místico, que tem por tema central o modo como os homens tentam controlar as forças da natureza e ao mesmo tempo compreender a sua relação com Deus e com o inconsciente.
OPINIÃO: Li Steinbeck pela primeira vez apenas em 2013. Ofereceram-me Ratos e Homens no meu aniversário desse ano e foi por aí que me iniciei na sua literatura. Olhando para o que escrevi na altura sobre o livro, apercebo-me do quão perturbada fiquei, pois o texto pouco ou nada diz sobre o livro, a não ser precisamente que me marcou. Talvez o facto de ter ficado este tempo todo sem pegar noutra obra de Steinbeck tenha a ver com isso, com a forma como os seus protagonistas passam a habitar as nossas mentes e a fazer parte de nós.
A Um Deus Desconhecido, nesta belíssima edição da Coleção Miniatura da Livros do Brasil, chegou até mim no início de Janeiro e foi como um chamamento. Tenho lido tão pouco, comparando com anos anteriores, que já não sou eu que escolho os livros, são eles que me escolhem a mim. E nisso posso considerar-me uma sortuda, pois mais uma vez fiquei completamente maravilhada.
A Um Deus Desconhecido é tudo aquilo que foi, que é, que será. Joseph Wayne, o protagonista, é a personificação de tudo aquilo que passou a ser temido e ignorado. Desde o início da narrativa que prevemos haver mais para além daquilo que o olho é capaz de testemunhar. A escrita descritiva de Steinbeck é perfeita neste contexto, dá-nos uma profundidade paisagista que suporta a estranheza de algumas das suas personagens.
A família Wayne é rica em contrastes de personalidades, de estímulos, de entendimentos. Joseph não é o mais velho, mas é o mais respeitado. Um respeito que algumas vezes se transforma em temor. Tanto pelos seus irmãos como pelas respectivas mulheres e sobrinhos. E este temor vem precisamente da relação que Joseph desenvolve com o que o rodeia. Apesar de sentir que a morte do pai se aproxima, sente também que está na altura de cumprir o seu papel na vida, a chamada lenda pessoal.
Não só o pai respeita essa vontade, como compreende, como lhe promete ir ter com ele. Quando Joseph se instala na Califórnia, sente que a bela árvore que encontra tem um pouco do espírito do seu pai. A verdade é que rapidamente se instala e ganha o carinho dos que o ajudam a montar a sua propriedade, que mais tarde é alargada com a chegada dos irmãos.
A forma como Joseph lida com a natureza e os animais é instintiva, primitiva, natural. Nem ele sabe muito bem porque é que faz as coisas que faz e como faz, mas sente que deve ser assim. E a natureza e os animais vão respondendo com abundância e saúde. Até que a incompreensão de um dos seus irmãos, protestante e obcecado com a religião, cresce para uma maldade quase inconsciente, mas que culmina num acto que ditará o destino não só da propriedade como do próprio Joseph.
Falar sobre este livro e estas relações não me é muito fácil, pois eu identifico-me demasiado com muito do que é transmitido. Existe esta troca entre nós, humanos, e a natureza que é pouco respeitada ou até ignorada por muitos. E depois existem estes pequenos actos de troca que conseguem ser vistos, por mentes menos esclarecidas, como actos pagãos de bruxaria ou adjacentes.
Sempre mantive para mim que a ignorância e a incompreensão serão sempre os maiores causadores de desgraças e de guerras. Este livro, nas suas nuances e na sua beleza bucólica é de um euforia e tristeza constantes. O final é de uma intensidade que certamente fará com que nenhum leitor se esqueça daquilo que acabou de ler. E fica a revolta dos tempos, a entrega sincera e desprovida de interesse, a agonia da impotência face a forças e acções que fogem ao nosso controlo. A Um Deus Desconhecido é uma das lições mais intemporais que poderemos encontrar na literatura.