Depois de tantos anos e tantos concertos, é normal que não me lembre de muitos dos detalhes que fizeram desses mesmos concertos algo de apaixonante ou de secante. Ou talvez não seja normal. Talvez eu esteja a ficar velho e acabado, condenado para sempre a dizer a todos aqueles que têm a lata de ser mais novos do que eu no meu tempo é que era bom!, mesmo que não me recorde de absolutamente nada de como era no meu tempo. Case in point: lembro-me de ir ver, sozinho, os Cinematic Orchestra à Aula Magna em 2009, mas não me lembro de como correu o espectáculo, para além de uma vaga recordação de terem tocado o tema-fetiche de muita gente, “To Build A Home”. Seja como for, a culpa deste proto-Alzheimer é minha, que ninguém me obrigou a ir ver os Cinematic Orchestra já fora do seu prazo de validade…
Mas se há concertos que não me perturbam de todo por não me lembrar deles, há outros que me entristecem por tal acontecer. Como todas as duas vezes que vi Leonard Cohen em Portugal, no então Pavilhão Atlântico, primeiro em 2009 e depois em 2012. No sangue ficou apenas a sensação de tanto uma como a outra terem sido do caralho, Cohen impecavelmente vestido com seu fato e chapéu e com a mesma dignidade em palco do poeta que foi – uma dignidade com humor, que o levava a dançar como se a idade não lhe pesasse… até ao fim do amor ou de outra coisa. Ele lembrava-se de tudo quanto havia vivido, e por isso punha em cada concerto tudo de si – de forma a que, quando acabasse, pudesse partir com o mesmo ruído de uma explosão ou de um relâmpago.
As mesmas explosões ou relâmpagos que – e disso lembro-me bem – marcaram o concerto dos My Bloody Valentine, num festival do qual não reza a memória e no qual abriram para os Offspring. Mas sobre isso já escrevi noutro lado, noutros tempos. Passando à frente, encontro os Fuck Buttons em estreia na Galeria Zé dos Bois, num primeiro dia de Outubro em que o calor era insuportável e mais ficou quando eu me recusei determinantemente a tirar o hoodie da cabeça porque, bem, quando se é anti-social é-se um bocadinho avariado da cabeça. A culpa foi da batida 4/4 e do trance-noise de “Bright Tomorrow”, que me fez levitar como se houvera fumado alguma coisa (não aconteceu).
Quem fumou, e muito, foi Nathan Williams, num célebre Primavera Sound em que a manchete da Pitchfork, no dia seguinte, foi – e disso lembro-me muito bem – “Wavves Self-Destruct at Barcelona”. E lembro-me muito bem porque, na altura, adorava os Wavves; “So Bored” era praticamente o hino para um punk rock sujo, barulhento e blasé, um dedo médio erguido ao mundo mas sem nos chatearmos muito a erguê-lo. Wavvves, com três “v”, foi em 2009 o meu álbum preferido, tendo-o escutado vezes sem conta (o Last.Fm não me deixaria mentir, mas depois disso apaguei todos os registos pré-2010. Paciência). Qual não foi a minha desilusão, então, quando o filho da puta se passa dos carretos em Espanha e obriga ao cancelamento do concerto que tinha agendado na ZdB, tendo eu ficado a arder 10€ (por não devolvi o bilhete) e enviado um pedido expresso à Galeria para trazerem o Ty Segall (de quem agora já todos gostam).
Vá lá que, escassos meses depois, o fim dos Wavves não passou de um exagero noticioso (ou fake news, como diria o tempo de hoje), e a banda veio mesmo ao Bairro Alto mostrar o porquê de ser, ou ter sido, uma das melhores coisas que aconteceu ao rock na primeira década do novo milénio. E, ainda melhor, na companhia dos Teengirl Fantasy (e, voltando à memória, só me lembro de um tipo de óculos e blaser todo contente a cantar a “Azz Klapz” à namorada). Por entre o suor e o crowdsurf e a “So Bored” e tantos outros malhões ficou cá dentro o ter trepado a bateria, no final, quando já havia mais gente em cima do palco que fora dele. Ainda bem que me lembro daquilo que realmente importa: os momentos de anarquia.
Paulo André Cecílio