Tóquio Vive Longe da Terra
Ricardo Adolfo
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: Fugi da terra à procura de mundos desconhecidos e novas versões de mim. Do outro lado do mundo dei com uma ilha onde me tornei num alien, shogun da noite, assalariado de dia e amigo de aluguer ao fim de semana. Cada dia mais perdido deixei-me ficar feliz.
OPINIÃO: Se tivesse lido este livro há um mês atrás, acho que teria ficado a achar que o autor tinha uma imaginação fenomenal. Mesmo sabendo que em parte este livro tem o seu quê de realidade, se não estivesse a viver no Japão há três semanas, ficaria na dúvida sobre muito do que aqui é contado, tantas vezes em tom leve e brincalhão, mas que na verdade reflecte uma realidade que pode ser algo dura de ser vivida. Não me encontro a viver em Tóquio, mas em Fukuoka, ainda assim, a experiência tem tido tanto de deslumbrante como de chocante, pelo menos no sentido cultural e estilo de vida.
Nunca tinha lido Ricardo Adolfo, mas gostei imenso da sua escrita. É optimista, trágica, realista e verdadeira quanto baste para que nos sintamos na pele do protagonista e entremos numa outra realidade. Tóquio Vive Longe da Terra, só soube eu depois de terminada a sua leitura, partiu de crónicas que o autor escrevia para a Revista Sábado, o que agora faz sentido dado os capítulos sempre tão curtinhos e tão nesse formato. Não tenho problemas em recomendar este livro a qualquer pessoa, mas acho que para as pessoas que já viveram ou pretendem passar uns tempos (de residência) no Japão, esta é uma leitura que fará todo o sentido e que ajudará a que a estranheza fique mais leve, afinal há quem se sinta tão deslocado quanto nós.
Conseguiria confirmar tanto do que Ricardo Adolfo conta nestas histórias que se calhar vocês não iriam acreditar à mesma. O Japão é uma realidade muito, muito diferente da nossa. Na semana que andei a viajar não notei tanto, mas desde que assentei arraiais e me deparei com a realidade aqui da Kyushu University e dos seus estudantes, professores; desde que comecei a visitar a cidade e comecei a observar melhor as pessoas na rua, nos metros, nos supermercados… Existem contrastes tão berrantes que às vezes sinto que existem múltiplas dimensões a coexistirem aqui. E tendo já passado por várias cidades e ilhas, o sentimento é quase de surrealismo, por isso não admira que essa seja uma das maiores sensações enquanto se lê o livro.
O fuso horário de se estar sempre à frente no tempo, os homens de salário, a cultura de a mulher ter um papel implícito e não tão definido no que toca a uma carreira, seja ela qual for, o facto de realmente se ser apelidado de alien e de se ter um cartão de alien quando se é estrangeiro a viver no Japão, toda a pornografia implícita de que não se fala porque supostamente os japoneses não ligam muito ao sexo, os amigos de aluguer, os patrões de aluguer, os pais de aluguer, as aparências. Mas depois também existe todo um outro lado de respeito constante, de se encontrar pessoas que só queremos abraçar (nós portugueses, porque os japoneses não se tocam para se cumprimentar ou mostrar afecto, é tudo através de vénias), enfim, tanta coisa! Sei que este último parágrafo mistura o livro do autor com a realidade que também tenho presenciado, mas vocês perdoam-me por isso. Muito, muito bom. Obrigada, Ricardo.