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Jazz em Agosto 2017: Sudo Quartet – Unidos como os dedos da mão
Improvisadores de outros tantos países (Portugal, França, Itália e Alemanha) constituem o Sudo Quartet. Uma noite em que o Jazz acolheu a Música Contemporânea e as cordas enlaçaram o conjunto.
João Morales
Noite sem vento no anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian, para acolher o concerto de quatro nomes fortes da improvisação, cuja reunião foi fixada no CD Live At Banlieue Bleue, de 2012.
O Sudo Quartet é uma estrutura orgânica integrada; um quadrado linear onde o equilíbrio entre os quatro vértices é respeitado, criando uma malha sonora colectiva que vive da articulação entre as intervenções de cada um dos músicos, sem gerar grandes zonas de abertura para solos entusiásticos ou performances de evidenciação individual.
Joëlle Léandre, contrabaixista, é uma especialista em John Cage e a sua “costela” de música contemporânea está bem patente na forma de encarar a interpretação. O violinista Carlo Zíngaro é o português mais internacional, antigo e respeitado, quando falamos de Jazz contemporâneo e, principalmente, improvisação livre. A haver um eixo central na arquitetura musical deste grupo, ele seria, indubitavelmente, constituído por estes dois. É uma dupla que já se conhece há mutos anos, gravou e tocou em palco inúmeras vezes (deixando álbuns importantes como Ecritures, de 1996, ou L’Histoire De Mme. Tasco, de 1993, este na companhia do acordeonista e clarinetista Rüdiger Carl).
Convém realçar que Léandre toca o seu instrumento sempre com arco, o que lhe confere características de violoncelo – embora mais grave – em termos de fraseado: se a mão esquerda desliza e se articula como num contrabaixo, a mão que segura o arco não recorre ao dedilhado que seria típico deste instrumento.
O baterista Paul Lovens é, também ele, um veterano, cuja carreira foi gerada no seio da Globe Unity, de Alexander Von Sclipenbach, o baluarte seminal do Free Jazz alemão. E, finalmente, o trombonista Sebi Tramontana, que tocou com Eugenio Colombio e Mario Schiano, além de integrar a esplendorosa Italian Instabile Orchestra.
A conjugação dos quatro – sem grande espaço para solos individuais, mas antes explorando uma contenção colectiva que tira partido da aplicação dos vários cambiantes possíveis mediante a gramática abrangente da improvisação – resulta numa música própria, reflexo da orgânica de cada destes indivíduos musicais e da sua personalidade artística (e, também aqui, o eclectismo e experiência de Zíngaro são trunfos patentes em diferentes momentos).
Os movimentos de repetição de Lovens serviram de pano de suporte às intervenções das cordas e ao sopro, por vezes, quase “clownesco” (como alguém comentava à saída). O trombone foi sendo munido com diversas surdinas, a tarola de Lovens (que se sentava numa bateria minimalista, apesar da profusão de pratos) serviu de palco a alguns elementos metálicos estrategicamente convocados. Um dos momentos altos do concerto foi, justamente, quando Lovens e Tramontana partilharam algum protagonismo, libertando-se o italiano um pouco mais e deixando adivinhar que, noutros contextos, ouviríamos outras abordagens ao instrumento.
A tensão é gerida entre todos e é preciso tomar decisões em tempo real. O céu sobre a FCG continua a ser uma concorrida rota aérea e, ao longo, destes 34 anos que leva o Jazz em Agosto, várias foram as formas de alguns músicos lidarem com isso. Desta vez, Tramontana estava a meio de um solo, o avião fez-se ouvir… ele olhou para cima… e o tema terminou passados segundos.
Léandre pontuou a sua intervenção com algumas deambulações vocais, cujo ponto mais evidente coincidiu com encore (quase forçado, curtíssimos minutos, apesar de um concerto que não chegou a uma hora). Também nestes momentos finais a simbiose entre os dois cordofones foi notória, com Zíngaro a intuir as inflexões da sua companheira de palco a cada derivação, permitindo-lhe acompanhar com facilidade as opções trilhadas. Apesarem de serem só quatro estiveram todos unidos como os dedos da mão. E resultaram num aperto convicto.