|
|
|
|
Jazz em Agosto 2017: The Fictive Five – Jazz sem preconceitos
Os cinco músicos que constituem o mais recente projecto de Larry Ochs praticaram um Free Jazz devedor do mais honesto pós-bop. E a dupla de contrabaixistas justificou plenamente a opção por esta nomenclatura.
João Morales
A entrada faz-se de forma conjunta, um ataque que partilha rumores, discretos mas audíveis, da herança de Albert Ayler, não pelo grito, mas pela verve. Rapidamente Larry Ochs toma conta das operações, com o seu sopro possante e postura condutora. Intuímos rapidamente que será uma noite de bom Jazz.
The Fictive Five (com disco homónimo de 2015, na editora Tzadik, de John Zorn), o novo projecto de Larry Ochs (membro dos lendários Rova Saxophone Quartet), assegura uma visão plural da improvisação, assente no amplo domínio técnico dos seus intervenientes e num conhecimento alargado sobre a forma musical que praticam.
Em diversas passagens a dupla de contrabaixos actua bem articulada, trocando entre si a utilização do arco. Pascal Niggenkemper mais energético, mais desenvolto e acelerado no seu discurso, embora acautelando momentos mais introspectivos (alguns deles, ampliados pela aplicação de peças metálicas em contacto com as cordas). Ken Filiano menos expansivo, mas igualmente competente na sua derivação pelos diferentes cambiantes que o concerto proporcionou.
Nate Wooley explorou discursos distintos, mas sem criar qualquer rotura entre eles, igualmente em perfeita consonância com a abordagem plural que a concepção de Ochs pede. Ora nos soava como um descendente de Freddie Hubbard, ora se mostrava bem contemporâneo de algumas abordagens contemporâneas, na linha de Peter Evans, por exemplo.
E a bateria, entregue a Harris Eisenstadt, músico que já tocou com figuras de proa, como Paul Rutherford, Sam Rivers, Wadada Leo Smith ou Steve Beresford, além de ter um sólido trabalho no meio académico, bem como na composição para cinema e teatro.
As inflexões do quinteto – várias vezes fragmentado em blocos de dois ou três músicos, para se dar uma posterior reintegração em Ensemble – deambularam pelo Free Jazz, mas sem renegar a importância do pós-bop mais duro, numa linha oscilante entre momentos de exaltação colectiva e diálogos contidos, fluxos de notas sabiamente debitados.
Mesmo ao início do segundo tema, Ochs (que foi alternando entre o tenor, saxofone forte por excelência, e um sopranino adequado a floreados ou investidas mais esguias) saúda um avião, mais uma vez, demonstrando a impossibilidade de ignorar por completo o facto de estarmos sob uma estrada aérea. Apenas uma curiosidade.
Ochs vai dando instruções aos músicos, através de gestos com a mão direita, como um maestro minimalista. Quando nos fala da música que praticam em conjunto, refere-se a “uma espécie de paisagens”, para anunciar de seguida o tema “The Other’s Dream”. Considerando que três dos quatro temas do CD de estreia são dedicados a realizadores de cinema, talvez seja adequado comparar que, também nós, partilhámos deste sonho e nos deixámos conduzir, como actores rumo a um desenlace incógnito, no filme que estes cinco músicos de excepção traçavam a cada instante. Com bons resultados.