Apesar de todas as turbulências pessoais e de algumas perdas dolorosas, 2017 teve um lado *brilhante*. Houve muito boa música a ser produzida, excelentes romances publicados e concertos que me levaram para outras dimensões sensoriais e emocionais. A nível pessoal, fui escrevendo para o blogue sempre que pude, colaborei com o Música em DX sempre que me foi possível, dei aulas nos dois semestres, fui a duas conferências internacionais (Dubrovnik, Croácia, e Helsínquia, Finlândia) em que dei duas talks, estive pouco mais de um mês a viver no Japão enquanto investigadora científica na Universidade de Kyushu (adorei passear pelo Japão – Hiroshima, Miyajima, Kyoto, Osaka, Nara, Nagasaki e Beppu -, mas detestei viver lá), tive dois artigos científicos publicados, um terceiro aceite e outros dois submetidos (à espera de resultado). Continuei a colaborar com a Omnichord Records e pude ver nascer um dos nossos discos mais bonitos do ano – Antwerpen, da Surma. Claro que me devo estar a esquecer de muitas coisas, mas tudo isto aconteceu sempre em paralelo com a música e a literatura, não existisse agora o Spotify e não andasse eu sempre com livros atrás. Vamos então lá ver que discos e livros me acompanharam e ainda os concertos que ficaram na memória.
MÚSICA
2017 começou no Musicbox com a festa do 8º aniversário do blogue em que contei com Daily Misconceptions, Mira Un Lobo e First Breath After Coma (acompanhados por Noiserv em dois temas). Foi das noites mais bonitas e foi uma forma bastante gratificante de começar o ano. No dia seguinte fiz novamente curadoria no Musicbox com os Indignu, outra banda que acarinho muito. Embora não vá fazer tops numerados, a referência aos meus discos preferidos saídos em 2017 começa em Janeiro com Lucifer, o disco dos The Poppers. Na altura falei dele por aqui e também o concerto de apresentação (com convidados) que deram no Musicbox foi do caraças. Um belo regresso da banda portuguesa aos discos.
Fevereiro foi, como tem sido hábito, mês da festa de aniversário no Porto, no Maus Hábitos, com The Rite of Trio, Few Fingers (com Surma como convidada), Then They Flew e Malibu Gas Station (djset). Foi uma partilha muito boa, das noites mais animadas e, mais uma vez, só posso sentir orgulho na forma como tudo correu. No dia seguinte, houve concerto de Sean Riley and The Slowriders no CCB e foi outro momento musical muito bonito. A nível de discos, o Jonny Abbey lançou o seu disco de estreia – Unwinding. Este é um dos jovens mais dinâmicos da nova cena musical e a sua paixão é contagiante!
Março foi mês de ir à Croácia, mas não sem antes ouvir o primeiro disco de Galo Cant’As Duas – Os Anjos Também Cantam. Lembro-me de andar viciada no carro a ouvir este disco vezes sem conta. O regresso a Portugal, com a Abril a começar, fez-se com o novo disco dos This Penguin Can Fly – Caged Birds Think Flying is a Disease. Aqui estão dois projectos que ainda não vi ao vivo, mas que quero muito ver. Foi também já em Abril que ouvi o novo disco de Mirror People – Bring the light. É sempre um gosto ter música nova de Rui Maia (e companhia). Este quarto mês do ano contou ainda com um disco de Nada-Nada, projecto de Cláudio Fernandes (Pista) e cinco vinis lindíssimos, de comemoração do quinto aniversário da Omnichord Records, cada um representando um elemento e um projecto diferente da editora. Outra iniciativa que tive oportunidade de proporcionar durante este tempo, foi os diários de bordo do Um ao Molhe sobre a sua tour pela Europa! Por último, e para mim um dos melhores discos do ano, foi durante estes dois meses que me fui viciando no disco de Benjamim e Barnaby Keen – 1986. Também o concerto, no Musicbox, foi dos melhores do ano.
Passei por Maio envolta e mil e um afazeres e só em Junho voltei a encontrar outro disco que vale a pena ser ouvido e ouvido – Lo-Fi Moda, dos Ermo! Esta dupla conquistou-me desde a sua primeira canção, há tantos anos atrás. Foi também dos primeiros projectos que entrevistei, tudo merecido! Junho foram preparativos para o Japão e fecho do ano lectivo, ao som de TIPO que lançou o primeiro single nesta altura, Acção-Reacção. Julho levou-me então para a outra ponta do mundo, e Agosto trouxe-me de regresso a Portugal para logo a seguir voar para a Finlândia. Na semana que estive em Portugal deu para ir matar saudades do Bons Sons durante um dia, com a Surma e os Whales.
A rentrée fez-se em grande! Saiu o disco lindíssimo de Tomara, Favourite Ghost. Volta e meia volto às suas paisagens, há algo de profundamente enternecedor e quente neste disco, que me chama constantemente. Em oposição, mais numa onda de provocação, luxúria e mistério, também tivemos o grande disco dos Grandfather’s House, Diving. Está bastante diferente do que têm feito até aqui, mas é o meu preferido. Outras boas referências foram os novos discos dos Orelha Nega, Homem em Catarse e Time for T.
Outubro foi aquele mês especial. Surma lançou o seu primeiro longa-duração – Antwerpen – e é, inevitavelmente, um dos discos do ano. Claro que sou suspeita, estive envolvida até à medula no seu lançamento, mas basta olharmos para todos outros melhores do ano para percebermos que é unânime. Acompanho a Débora ainda antes de colaborar com a Omnichord e o meu orgulho nela é infinito. É muito bom ver agora todo o seu esforço a dar frutos. Mas Outubro não ficou por aqui. André Barros & Myrra Rós trouxeram-nos um pedaço da Islândia e do belo com Reasons, um trabalho inspirador e cuja apresentação no CCB foi dos momentos mais mágicos do ano. Tivemos também primeiro single de Jerónimo (o trio mais adorável de Leiria) e o novo disco de Dear Telephone, Cut.
Novembro trouxe um disco que me surpreendeu pela positiva e que merece aqui referência – Boavista, de Gonçalo. Um trabalho desafiante, mas também sublime. O penúltimo mês do ano serviu também de palco para Icarus, o tão bonito álbum de Brass Wires Orchestra. Dezembro trouxe uma das melhores surpresas do ano. Já todos sabíamos que Paulo Furtado tinha viajado até ao deserto para nos trazer disco novo. Também temos noção de que The Legendary Tigerman é um dos projectos mais potentes da música portuguesa, não fossem os concertos ao vivo arrebatadores. Quem sabe, inspirado pela época natalícia, uns dias antes do concerto final de Rumble in the Jungle (com Linda Martini), Tigerman disponibilizou nas plataformas digitais Misfit, o seu mais recente disco, cuja edição estava só prevista para Janeiro (e fisicamente só em Janeiro estará disponível).
Não posso terminar a secção de música sem destacar o excelente trabalho que a Casota Collective tem desempenhado a nível de produção audiovisual. Estes rapazes merecem que se lhe dê atenção e não é à toa que grande parte dos seus vídeos estão nomeados para ou já ganharam prémios.
Ah! E os concertos internacionais de que mais gostei foram: Dream Theater, no Coliseu do Porto, Mastadon, na Sala Tejo, Ben Frost, no Teatro Maria Matos, Lamb, no Coliseu dos Recreios e Royal Blood, no Campo Pequeno (não necessariamente por esta ordem).
LITERATURA
A minha leitura nacional do ano vai, previsivelmente, para Jalan Jalan, de Afonso Cruz. Chegou no último mês do ano, tem mais de seiscentas páginas e é daquelas obras que nos tiram do sítio, que nos abanam, que nos desafiam a sair de nós mesmos e nos incutem a curiosidade de querermos ver o mundo, ler sobre tantas personalidades da história, a maior parte ligadas à filosofia, e tudo isto sem deixar a ciência de fora. Um testemunho pessoal do autor que transforma esta não-ficção num portal para outros universos. Manuela Gonzaga é a autora portuguesa que se segue. Este ano tive a oportunidade de apresentar o seu regresso ao universo do André e foram experiências maravilhosas. Tanto as leituras como as duas apresentações, em Lisboa e no Alentejo. Iluminações de Uma Mulher Livre foi o romance lançado pelo jovem escritor Samuel Pimenta. Uma das coisas que mais aprecio na sua escrita é o facto de não seguir convenções de temas, de ir mais longe. Com este livro ele consegue precisamente isso. Dulce Garcia foi uma das surpresas do ano com o seu Quando Perdes Tudo Não Tens Pressa de Ir a Lado Nenhum. O título, só de si, é bom, mas a narrativa tem ainda mais que se lhe diga. 2017 foi também o ano em que Sandra Carvalho publicou o que faltava da trilogia Crónicas da Terra e do Mar. Haja uma escritora que fala aos corações dos seus leitores e os faz sonhar, mesmo entre as adversidades. Foi com um gosto enorme que apresentei este fechar de ciclo na Feira do Livro de Lisboa. O Ano da Dançarina, de Carla M Soares, e Homem Imprudentemente Poéticos, de Valter Hugo Mãe, fecham os destaques do ano. O primeiro, um romance histórico e, para mim, o melhor da autora até à data (falta-me ler o seu mais recente romance. O segundo, uma viagem à cultura japonesa e a um universo que primeiro se estranha, mas que depois entranha. A voz de Valter Hugo Mãe é poderosa.
A minha leitura internacional do ano vai para Pequenos Boémios, de Eimear McBride. Desenvolvi uma espécie de fixação e deslumbramento com esta autora. Há qualquer coisa no seu estilo narrativo, nos seus protagonistas, nas emoções que evocam que me tocam no âmago. Instrumental, de James Rhodes, foi a segunda leitura que mais impacto teve. Estando agora mais próxima do universo da música e da história de tantos artistas e das suas lutas contra os vícios, esta teve um toque especial, quanto mais não seja pela coragem que sei que foi necessária para partilhar o que James Rhodes partilhou. Outra leitura inesperada, mas que me parece também necessária é Isto Acaba Aqui, de Colleen Hoover. Talvez o tom possa ser mais adolescente, mas toca em temas pertinentes e violentos. Quem não podia ficar de fora nestes destaques literários é Rosa Montero. Este ano li dois livros seus – A Louca da Casa e Carne. Diferentes, como se quer, mas sempre viscerais. Rosa Montero tem o dom de nos transportar para a sua pele, para os seus olhos, para os seus pensamentos. De nos colocar em lugares que inevitavelmente ou já caímos ou podemos vir a cair. Novela de Xadrez, de Stefan Zweig, é um pequeno livro que também merece ser lido, apreciado, e que exige alguma reflexão. Também da colecção miniatura, este ano li, pela primeira vez, A Um Deus Desconhecido, de John Steinback. Deuses! Que livro. Ainda consigo visualizar cada cenário, cada esperança, cada angústia! O Ódio que Semeias, de Angie Thomas, foi a chapada de luva branca que muitos americanos precisavam e que o resto do mundo também devia ter noção. Já muito aqui falei no blogue, mas antes do ano terminar reforço, os livros de David Litchfield (ilustrados/infantis) – O Urso e o Piano e O Gigante Secreto do Avô – são dos mais belos que já vi! Para não tornar isto gigantesco, a nível internacional quero ainda referenciar John Fante, Charles Bukowski, Rachel Cusk e Neil Gaiman.
Resumo literário completo aqui: https://www.goodreads.com/user_challenges/6896001
BLOGUE
Bem, na verdade só quero deixar aqui um muito obrigada a todos os que contribuíram para este ano. Leitores, parceiros, colaboradores e cronistas pontuais, todos, todos, todos. O blogue atingiu dois milhões de visualizações, há propostas de projectos interessantes, só me posso sentir grata! Não se esqueçam, Sexta-feira temos festa no Musicbox, a começar às 22h. Apareçam 🙂