[Reportagem] The Legendary Tigerman e Linda Martini numa noite emotiva a 360 graus

Fotografia @nashdoeswork

Foi há exactamente uma semana que se viveu uma das noites mais bonitas do ano, no que toca à música portuguesa. Linda Martini e The Legendary Tigerman andaram em digressão – “Rumble in the Jungle” – naquele que foi o combate musical do ano, quem sabe da década. O conceito é inspirador. Dois projectos que à primeira vista poderiam não ter assim tanto em comum, pelo menos na minha opinião, conseguem assim quebrar barreiras e preconceitos. A paixão pela música sempre foi o que moveu a maior parte dos artistas. É o resultado da partilha dessa paixão com quem os ouve que faz com que existam momentos, concertos, memoráveis. A música salva vidas, a música serve de banda sonora e também consolo/confronto com os nossos ideais, pensamentos e sentimentos. O rock sempre foi um meio para um fim. Um catalisador para a catarse. E é no auge dessa catarse que músico e ouvinte se tornam um só, numa extensão do outro. Já vi vários concertos de ambas as bandas e, confesso, no seu todo este concerto não foi dos mais arrebatadores, mas teve momentos em que aquela magia especial foi operada: em que a catarse se sobrepôs a tudo e de alguma maneira a efemeridade do que nos rodeia ganhou forma e emoções intensas.

The Legendary Tigerman, um dos projectos nacionais mais notáveis muito graças à personalidade em palco de Paulo Furtado, fez as honras da casa, iniciando as três horas de concerto com “Wild Beast”, seguido de “Storm over paradise”, recordando-nos de True, o disco que lançou em 2014 e que tanto sucesso teve pela estrada. No entanto, o concerto foi, maioritariamente, para mostrar o seu mais recente trabalho – Misfit. Estava previsto sair só em 2018, mas inesperadamente e deliciosamente, o músico português disponibilizou o disco uns dias antes do concerto no Coliseu. Este é um disco especial e, para mim, um dos discos do ano. Há um toque de vertigem visceral enquanto o percorremos. O primeiro tema deste novo trabalho mostrado no Coliseu foi “The Saddest Girl On Earth”, que contou com a presença feminina de Cláudia Guerreiro. Foi um tema que contou com aquele carisma especial que referi há pouco. Quem já viu TLT ao vivo, certamente já se deslumbrou com a sua energia, com a empatia e ferocidade que partilha com João Cabrita, Paulo Segadães e agora, mais recentemente, com Filipe Rocha. Cada palco que TLT pisa já é, em si mesmo, uma espécie de ringue de provocações, garra e sorrisos à mistura. Desta vez pudemos ver isso tudo partilhado, em algumas canções, com os Linda Martini. Seguiu-se “Child of Lust”, tema de Misfit, para logo a seguir Hélio Morais se juntar em palco e fazer a voz feminina de “These Boots Are Made For Walkin’”, do álbum Femina. Aproximavamo-nos daquele que foi, para mim, um dos grandes momentos da noite. Depois de sermos injectados com o tema que abre Misfit, “Motorcycle Boy,” somos abalroados, pelo menos emocionalmente, com “Black Hole”. É um dos meus temas preferidos do disco. Ou tornou-se, depois de o ver ao vivo. Paulo Furtado chamou ao palco André Henriques e Pedro Geraldes e o que é certo é que os seis presentes em palco deram toda uma outra dimensão a este tema. Não sei que emoções assolaram a alma de Paulo Furtado quando a compôs, mas ao vivo foi um dos momentos musicais mais bonitos e sentido que já presenciei. “You gotta hold me” tornou-se numa espécie de hino. Houve ainda espaço para clássicos como “Naked Blues”, “Gone” e “Dance Craze”, e “I Finally Belong To Someone” e “Fix of Rock’n’Roll” do novo disco. Esta última canção, a penúltima do concerto de TLT, juntou as duas bandas em palco, celebrando o rock de forma enérgica e explosiva. Coube a “Twenty First Century Rock’n’Roll” elevar ainda mais a fasquia e fechar assim a primeira parte da noite.

Ora bem, os Linda Martini são uma banda muito especial para mim. Acompanho-os há mais de uma década, já os vi nas mais diversas salas e festivais, o que quer dizer que pertenço àquela geração dos moshs bravios, dos coros até os pulmões saltarem fora, do vislumbre de ter uma banda portuguesa que tão bem expressava as emoções enquanto adolescente e jovem-adulto. Os corações partidos, as revoltas, as injustiças políticas, tudo teve a sua evolução ao longo tempo e a sonoridade dos Linda Martini tem acompanhado esse crescimento, nosso enquanto fãs, mas muito mais deles enquanto músicos e cidadãos. E essa consciência está presente desde o início do concerto, com os temas “Panteão” e “Ratos”, de Turbo Lento. Seguiu-se um dos novos temas, com o saxofone de João Cabrita a acompanhar “Boca de Sal”. O novo disco dos Linda Martini vai sair já em 2018 e a revelação deste tema e de “Quase se fez uma casa” fez mesmo as delícias dos fãs. Lembram-se do single lançado em 2015, “Dez Tostões”? Tivemos direito a esse tema e ainda com o bónus da presença de Paulo Furtado. Passámos ainda por temas como “Putos Bons” e “O dia em que a música morreu” antes de chegarmos ao clássico “Amor Combate” que colocou o Coliseu, bem preenchido apesar de longe de esgotar, a cantar em uníssono. O ritmo continuou com “Unicórnio de Sta Engrácia” e depois chegou o belo tema “Belarmino”, que como a banda disse muito bem, pouco tem a ver com uma luta em estilo de combate, mas que ainda assim nos dá uns socos valentes no âmago. O disco Casa Ocupada é, ainda hoje, um dos meus preferidos e, sem dúvida, um dos que mexeu mais comigo. Segadães sobe ao palco no tema seguinte e a emoção na voz de André é notória quando declara o quão inspirador este foi para si e para a banda. Anteriormente, Segadães já tinha declarado o orgulho neste quarteto que viu crescer desde o início do projecto, reforçando assim o porquê de toda esta simbiose ser inspiradora e, espero eu, um ponto de partida para que mais iniciativas deste género, não necessariamente iguais, possam surgir. A noite fecharia com palco cheio ao som de “Cem Metros Sereia”, seguida de “Gravidade”.  E o incrível é mesmo isto: duas bandas com públicos potencialmente bastante distintos juntaram-se para unir e cruzar estilos rock que tanto influenciam as vidas de quem os ouve e segue. Foi bonito de se ver.

Fotografias @nashdoeswork

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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