JEA18_Highsmith Trio©Gulbenkian Música_Petra Cvelbar |
Três músicos experientes conjugam-se numa sonoridade exploratória que assenta na unidade. Funcionam como um só corpo e movem-se em ziguezague. Foi o Highsmith Trio, sem sopros nem guitarras.
Por João Morales
O som inicial é feérico, com as notas sintetizadas em plano de fundo, um baterista que se junta lentamente (com ruídos, sininhos, pratos discretos) e um piano que vai progredindo por harpejos, frases em cascata, mas suficientemente contidas para não se sobreporem ao conjunto. Quinta-feira, 2 de Agosto, 21h 30m, Jazz em Agosto 2018, Fundação Calouste Gulbenkian. A temperatura ultrapassa os 30 graus Celsius. Curioso contraste entre a meteorologia ao rubro e uma música essencialmente cerebral.
Uma conjugação original entre três instrumentos, sem sopros nem cordas. Um piano, uma bateria e um laptop. No piano, uma das sensações do jazz mais recente, Craig Taborn, que começou por gravar com James Carter e é hoje uma das novas aquisições do catálogo de John Zorn, na sua editora Tzadik. Na bateria, Jim Black, que trabalhou com Tim Berne, Dave Douglas, Chris Speed, ou Hank Roberts e integra o projecto Carlos Bica & Azul, com o contrabaixista português. No laptot, a japonesa que fez a ponte entre ambos, visto que este trio nasce da junção de duas apresentações em dueto, de cada um deles com Ikue Mori, figura que acompanha Zorn há muito e começou como baterista dos DNA, na cena underground de 1977.
Jim Black começou a noite explicando a natureza improvisada da música que ia ser produzida. Ou seja, embora a inspiração do mentor dos Naked City esteja naturalmente presente (aliás, todos eles já integraram as séries Book of Angels ou Book of Bagatelles, conjuntos de composições criadas para serem entregues a outros músicos) desta vez, não foram temas seus a ementa da noite.
JEA18_Highsmith Trio©Gulbenkian Música_Petra Cvelbar |
Há zonas em que a ambiência é florestal, há outras em que impera um sentimento mais psicadélico, com a noção dos sons artificiais a ganharem terreno sobre as cordas do piano articuladas com a mão ou os pratos accionados com uma apenas aparente displicência, como se a bateria ali estivesse apenas por caso, como a se a investida nas peles dos tambores fosse um descuido.
Taborn ensaia algumas incursões mais incisivas, Black vai deambulando, com algumas passagens mais ritmadas – nenhum dos músicos teve algum solo ao longo dos 60 minutos que durou o concerto, como se o triângulo estivesse desenhado para funcionar de forma orgânica, movendo-se em conjunto, dilatando ou encolhendo a uma voz. Vários momentos remetem para uma música que se poderia designar como homeopática, no sentido em que se busca a divisão de uma frase musical em fragmentos mais curtos e assim sucessivamente, mas seguindo a lógica filosófica de um Zenão de Eleia, ou seja, nunca se atinge a exiguidade limite, há sempre a possibilidade de dividir a gota em partículas ainda menores. Mas mais concentradas.
Ikue Mori mostra uma calma que combina bem com a sua origem nipónica, Jim Black vai encetando ritmos que quebra a meio e troca por outros, Craig Taborn desfila rios de notas que puíram sobre a rectidão quase marcial da percussão e o pano de fundo computorizado que, porém, assenta nesta combinação orgânica com uma naturalidade cyborg de quem assim nasceu.
No final, ficou uma sonoridade inusitada, nem sempre fácil de acompanhar com atenção e concentração – mas uma demonstração de contenção e preciosismo, nos detalhes – que acaba por ser mais um caminho em aberto num festival de propostas plurais e desafiantes.
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