O Poder
Naomi Alderman
Editora: Edições Saída de Emergência
Sinopse: Quando as raparigas ganham o poder de causar sofrimento e morte, quais serão as consequências? E se, um dia, as raparigas ganhassem subitamente o estranho poder de infligir dor excruciante e morte? De magoar, torturar e matar? Quando o mundo se depara com esse estranho fenómeno, a sociedade tal como a conhecemos desmorona e os papéis são invertidos. Ser mulher torna-se sinónimo de poder e força, ao passo que os homens passam a ter medo de andar na rua, sozinhos à noite. Ao narrar as histórias de várias protagonistas, de múltiplas origens e estatutos diferentes, Naomi Alderman constrói um romance extraordinário que explora os efeitos devastadores desta reviravolta da natureza, o seu impacto na sociedade e a forma como expõe as desigualdades do mundo contemporâneo.
OPINIÃO: Aqui está um livro que tem tudo para ser polémico e interpretado de inúmeras maneiras diferentes. Nem sempre foi uma leitura fácil. Ao início prendeu-me muito, pelo meio houve algum desânimo no entusiasmo, e para o fim já só conseguia interrogar-me sobre qual seria a verdadeira intenção da autora com esta obra. Pode haver quem considere O Poder uma distopia feminista, mas na verdade eu acho que é muito mais do que isso.
Já imaginaram uma “The Men Writers Association”? Nos dias de hoje parece-nos muito mais credível, até provável, virmos conhecer uma associação dedicada a mulheres escritoras. Porém, é com este facto que começamos a entrar neste universo. Um hipotético escritor, pertencente à associação para homens escritores, envia o seu manuscrito a uma mulher, Naomi Alderman, agradecendo-lhe caridosamente pelo seu tempo e disponibilidade. O seu receio pelo conteúdo do manuscrito é evidente. No fundo escreve contra o mundo em que agora vive, um mundo dominado por mulheres. No seu manuscrito, o que nos descreve é assombroso. Através de quatro protagonistas, três mulheres e um homem, conhecemos o avanço dos tempos em diferentes pontos do globo, que eventualmente convergem para um único evento.
Uma sociedade em que haja o domínio de qualquer um dos géneros nunca será uma sociedade equilibrada. Talvez o equilíbrio nunca se atinja, mas o que Naomi Alderman consegue alcançar com este romance é portentoso. Se da nossa história, passada e actual, fazem parte relatos de abusos, mutilações e violações maioritariamente ao sexo feminino, em que se vive(u) num medo constante do que poderá acontecer a qualquer momento, em O Poder conhecemos o reverso da medalha.
As mulheres, devido a uma nova componente biológica, ganharam o poder das enguias eléctricas, mas numa dimensão muito maior. Consegue provocar desde pequenos choques eléctricos à electrocussão letal. À medida que o poder escala, temos abordagens diferentes. Em alguns pontos do mundo criam-se escolas para se aprender a controlar o poder, noutros os motins são a ordem da casa e são os homens que fogem, são os homens que são violados, mal tratados, mutilados, que vivem num medo constante.
Se por um lado estamos habituados à imagem da mulher como o género mais sensível, neste livro encontramos a evidência que um poder desmesurado pode deturpar qualquer mente quando o que se tem dentro está podre. As cenas descritas conseguem ser arrepiantes. Os nós no estômago sucedem-se e não são poucas as vezes em que se abrem feridas do passado. Se por um lado esta brutalidade parece impossível quando perpetuada por uma mulher, a verdade é que a maioria foi e é pelo homem.
No entanto, como disse no início, não é apenas à supremacia feminina que devemos estar atentos, mas antes apercebermo-nos que, tal como a autora escreve em certa parte do romance (mais coisa menos coisa que não tenho aqui o livro comigo) “o problema não são os homens ou as mulheres, são os humanos”. E isto reflecte-se nos vários quadros apresentados: sejam políticos, religiosos ou sociais.
Margaret Atwood, Karen Joy Fowler e Ursula Le Guin são três autoras a quem Naomi Alderman agradece no fim. Até neste triunvirato conseguimos perceber que toda a intenção de O Poder é inquietar, interrogar. Quer no final se fique deslumbrado quer não, como disse houve partes da narrativa que quase me aborreceram, no seu todo estamos perante uma obra que vale a pena ser lida.