Com o aproximar do Natal, redobra-se a procura por livros para oferecer. Olhando para alguns dos lançamentos dos tempos mais recentes (com uma excepção, um livro de todos os tempos) aqui vos deixo um pequeno lote de sete sugestões, destinadas a fazer mais felizes sete leitores distintos. Este Natal, ofereça livros!
João Morales
Ecologia
Joana Bértholo
Dom Quixote
504 págs
23,90 euros
Vivemos hoje uma lógica em que tudo tem um preço e a Economia dita uma boa parte dos procedimentos e opções nos campos mais insuspeitos da actividade humana. Imaginem agora um cenário existencial em que se paga pela linguagem, pelas palavras, criando igualmente tarifas e utilização mediante a capacidade de cada um, ocasiões que justificam um maior investimento, níveis de língua com diferentes despesas associados e outras metáforas para a estratificação de um mecanismo tão associado ao nosso quotidiano que já nem o destrinçamos como algo independente.
Ecologia, é o título do mais recente romance de Joana Bértholo, onde a escritora explora este ponto de partida para questionar não só a dimensão economicista que nos rege e condiciona, como a estrutura mental que vamos desenvolvendo, num tempo em que a crescente consciência sobre a limitação de todos os recursos – materiais, mas também éticos ou sociais ganha uma dimensão crescente e obriga a discussões.
Um livro que rompe com a tipificação de uma obra de Fantasia, mesclando Filosofia e romance, ao serviço do debate de ideias e da dissertação sobre os futuros mais ou menos distópicos que estamos a criar, consciente ou inconscientemente.
Obra Perfeitamente Incompleta
José Sesinando
Tinta-da-China
312 págs
22,90 euros
Assim começa o seu texto “A Moda e a Sociedade”: «Almeida Garrett, sempre dandy, vestia calções à inglesa – e a inglesa ria-se muito enquanto ele lhos vestia. Os Doze Pares de França usavam doze pares de meias. Ninon, provavelmente foi de lenços, e só uma corruptela a crismou. As onze mil virgens trajavam vestidos até ao chão e sem decote! Os bordalos da Madeira estão sujeitos simultaneamente à traça e ao caruncho».
José Sesinando Palla e Carmo (1923-1995) foi um artífice da Língua portuguesa, cujos escritos há muito estavam afastados da nossa disponibilidade. Na década de oitenta assinou no Jornal de Letras, Artes e Ideias uma então célebre e afincadamente lida coluna, “Escrituralismo”, de seu nome. O seu território natural é o trocadilho, mas servido por uma erudição muito acima da média, quer ao nível do domínio do idioma e das suas componentes (semântica e gramatical), quer no que respeita os temas que se propõe a confiscar nas hilariantes armadilhas fonéticas e semióticas.
Dois dos blocos que compõem esta recolha, instigada na colecção de Humor que Ricardo Araújo Pereira dirige, receberam por nome “Olha, Daisy” e “Heteropsicografia”, dois conjunto de magistrais glosas e metamorfoses em torno de dois famosos poemas de Fernando Pessoa. O resultado é viciante.
O Pequeno Livro dos Grandes Insultos
Manuel S. Fonseca
Guerra & Paz
144 págs
13,40 euros
«Acção pela qual se transforma o substantivo da entrada anterior em sonoro verbo transitivo e intransitivo.». Parece coisa de eruditos, mas se informarmos que o citado substantivo é “foda” e o acto descrito é “foder” alteramos substancialmente a nossa percepção, enquanto confirmamos que esta será sempre uma oferta para alguém com elevado sentido de humor e reduzidos constrangimentos.
Apesar do título, o que o livro nos elenca não são apenas insultos, na tradição de títulos de culto como Insultos a Chefes de Estado (Lysander Spooner; Fenda), Dicionário de Insultos (Sérgio Luís de Carvalho; Editorial Planeta) ou A Língua da Tua Mãe – Um Guia de Insultos Europeus (Stephen Burgen; Atena).
Há espaço para “Lengalengas e Outras Amenidades Populares”, “Como Dizer Aquilo sem Dizer Aquilo” ou “Insultos de Todos os Tempos e Todos os Lugares”. A recolha aqui sistematizada tem como eixo central o vernáculo, abordando a sua utilização em diferentes categorias. Por exemplo, expressões correntes (embora mais ou menos ocultadas), no capítulo “O Palavrão Idiomático”, onde se escalpelizam frases como “Mas onde é que se meteu aquele caralho?” traduzido como “expressão para ser usada a cada segundo depois dos quinze minutos de tolerância portugueses”.
Atlas
Jorge Luis Borges
Quetzal
120 págs
14,40 euros
O último livro escrito pelo mais importante autor argentino é uma evocação e sublimação de diferentes geografias e referências, não no sentido tradicional de um livro de viagens, mas transpondo a observação para o campo da sensação, da poetização ou da metáfora. Tudo territórios semânticos bem conhecidos de Jorge Luis Borges, que não foge às referências históricas, embora facilmente as transforme em ícones e símbolos, na gigantesca e avassaladora iconografia que os seus textos sempre conseguiram impor.
Como súmula, muitos dos focos que norteram a criação literária de Borges estão, assumidamente, presentes em diversos destes curtos – mas pungentes – textos, como os tigres, os pinhais, o labirinto do Minotauro ou o deserto. “A uns trezentos ou quatrocentos metros da Pirâmide incluinei-me, peguei num punhado de areia, deixei-o cair silenciosamente um pouco mais longe e disse em voz baixa: «Estou a modificar o Sara»”.
Livro Português das Fábulas
José Viale Moutinho (org.)
Temas e Debates
488 págs
19,90 euros
Literatura plena de simbolismo, apetrechada com diferentes camadas de entendimento, as fábulas constituem uma forma riquíssima de sabedoria, traduzindo procedimentos e ensinamentos em histórias de uma – apenas – aparente simplicidade.
A lista de autores que integram este volume é impressionante, se considerarmos que aqui podemos apreciar um manuscrito do século XV, descoberto por Leite de Vasconcelos, mas também a prosa decisiva de Fernão Lopes, e exemplos reunidos da autoria de nomes fundamentais da nossa escrita: Almeida Garrett, Bocage, Camilo Castelo Branco, Marquesa de Alorna, João de Deus, Trindade Coelho, ou até mesmo Fernando Pessoa.
D. Quixote de la Mancha
Miguel de Cervantes
Dom Quixote
936 págs
14,90 euros
Não é um livro recente, mas é um livro eternamente novo, este clássico da literatura ocidental. Ou não fosse o fundador do romance moderno, a magistral obra de Miguel de Cervantes, inicialmente publicada em dois volumes, em 1605 e 1615, respectivamente. A incursão da dupla constituída por D. Quixote e Sancho Pança num universo de aventuras mais ou menos mágicas, ao ritmo que a imaginação e a coragem iam ditando, é um tratado poético e narrativo.
Uma sátira aos romances de cavalaria que acolhe invenções literárias, personagens que se tornaram símbolos, um humor contagiante e sagaz e uma dimensão de metaliteratura ao nível dos mais experimentados e dotados autores subsequentes.
A dualidade entre as duas figuras – imortalizadas por inúmeros retratistas, com Pablo Picasso, salvador Dali, Gustavé Doré ou Lima de Freitas entre eles – expressa um equilíbrio e uma dimensão humana de contrapontos, à medida de mitos intemporais, capazes de servir de mote a um olhar filosófico ou até psicológico, como só as grandes criações literárias são capazes.
Ghost in The Shell
Massamune Shirow
JBC Portugal
352 págs
34,99 euros
Foi um dos acontecimentos do ano para a BD em Portugal, e por dois motivos. Primeiro, porque marcou a chegada ao nosso país da mais importante chancela de manga brasileira, uma referência no estilo. Depois, porque este é o livro de referência quando se fala do registo Cyberpunk em Banda Desenhada.
Estamos em 2029. Motoko Kusanagi lidera a Seção 9 da Segurança Pública japonesa. Ela é uma Cyborg e está incumbida de desvendar os crimes cibernéticos do Mestre dos Fantoches. A trama é o cenário ideal para questionar as implicações da Inteligência Artificial e, se pensarmos bem, 2029 é já ali ao virar da esquina.
A história foi publicada no Japão, originalmente em fascículos, entre 1989 e 1991. Quatro anos depois, em 1995, o realizador japonês Mamoru Oshii levou o enredo para o cinema. E agora foi a vez de André Oliveira, premiado e mais que promissor guionista de BD dos nossos dias, conduzir a adaptação da obra para uma edição portuguesa.