Então, Boa Noite
Mário Zambujal
Clube do Autor
152 págs
14,50 euros
por João Morales
Um livro recentemente publicado assinala o regresso de um dos autores mais queridos dos leitores portugueses, um homem que conquistou o seu público não só pelas muitas horas de exposição em programas de televisão, mas pelo seu primeiro livro, Crónica dos Bons Malandros, publicado em 1980.
Falo-vos, naturalmente, de Mário Zambujal, e da sua mais recente novela, intitulada “Então, Boa Noite”, publicado na sua editora dos anos mais recentes, Clube do Autor. A história gira em torno de Afonso Júlio, um rapaz que aprecia as coisas boas da vida e, para que elas lhe corram ainda melhor, recebe uma choruda herança de um padrinho. Para criar alguma dinâmica nesta história, Zambujal cria dois artifícios. Por um lado, o nosso protagonista terá de encontrar duas personagens enumeradas em carta pelo benfeitor que lhe endinheirou a vida. Só que, além disso, o nosso jovem folgazão apenas consegue dormir de dia e, por isso, passa as noites em ambientes de boémia e festança contínua.
Mais importante que a história ou o seu desenlace, como nos habituou há muito, este é um livro em que Mário Zambujal recorre ao seu humor e gosto pela vida boémia que coloca nas mãos do seu personagem para nos divertir e para se divertir. O que nos fica da sua escrita não é uma exploração dos limites da literatura nem a pretensão de avançar pelos meandros da semiótica através de personagens ou episódios simbólicos que transportem consigo fórmulas inovadores ou uma geometria de palavras arquitectada com alicerces ocultos. O que realmente conta aqui é a dimensão epicurista de quem lê e de quem escreveu, estreitando uma cumplicidade feita de bonomia e valores antigos.
O cenário que serve de poiso às divertidas figuras desta história é uma boite à antiga, um daqueles bares onde se comia madrugada fora uma retemperadora sopa de feijão com umas tirinhas de presunto ou um bom prego a acompanhar a bebida nocturna. Gente de horários trocados, ou simplesmente sem horários, constituem os homens e mulheres que povoam este elogio a uma vida prazenteira e descomplexada. O Morcego, assim se chama o poiso destes noctívagos, serve às mil maravilhas para evocar certos poisos de uma Lisboa que tende a desaparecer, transformada numa urbe acelerada e insossa sem vagar para noitadas lentas e dedicadas ao verdadeiro convívio.
Como habitualmente, entram e saem da linha do horizonte do leitor diversas figuras femininas: Graciete Bilro, Lucilinha Vasques Picado ou Nizete são, acima de tudo, a confirmação do gosto especial que este contador de histórias tem em explorar a onomástica portuguesa e plasmar alguns exemplos rebuscados.
A ironia está bem patente em diversas situações, como a entrada em cena (e em casa do nosso espantado protagonista) de Almerindo Lopes, ex-cunhado de Nizete, acabado de chegar da Nova Zelândia para três meses de férias: «Que achas dele? Rapaz bem parecido e educado, não se vê? Dorme de noite, calcula», ironiza a sua dedicada anfitriã.
Este é um livro que lemos com a sensação permanente de que o autor terá dado boas risadas e muitos sorrisos malandros ao nos entregar uma aventura literária que tem tanto de invenção como da sua própria vida.
Um livro que é, como tantas outras páginas escritas por Mário Zambujal, um elogio à mulher e à sua magia, eterna musa da sua escrita. Logo a abrir lemos: «Gostei de muitas mulheres mas de nenhuma o suficiente para ser a última».