O Jazz Im Goethe Garten 2019 encerrou com um quarteto alemão, praticante da modernidade, em territórios reconhecíveis. Os Philipp Gropper Philm foram uma excelente opção para demonstrar a vitalidade do Jazz europeu.
João Morales: texto
Hugo Alexandre Cruz: Fotografias
Apesar de integrar quatro elementos relativamente jovens, o Philipp Gropper Philm (que lançou em Maio deste ano o seu quinto álbum) consegue sustentar uma ponte eficaz entre tradição e modernidade, fazendo uma música assaz dinâmica, que se espraia pela improvisação sem nunca perder bases evidentes de ritmo e harmonia, percorrendo um caminho nem sempre fácil de cumprir, onde o discurso de cada um dos seus elementos surge perfeitamente integrado no todo, sem quer isso signifique um apagar das virtualidades individuais.
Philipp Gropper, saxofonista ainda jovem (n. 1978) apresenta já um percurso extenso (participou em mais de quatro dezenas de discos) e ecléctico, onde se registam encontros com figuras Rudi Mahal, Ralph Towner, Bobby McFerrin, Maria João, Günter Baby Sommer, DJ IllVibe ou Peter Evans. Ainda antes de começar o concerto, o músico avisou que a prestação do grupo seria constituída por uma peça única, sem interrupções, podendo aproveitar quando entendessem “para aplaudir ou fazer barulho”. Estava dado o mote.
O quarteto demonstrou uma estreita dinâmica de grupo, fortalecida várias vezes em estruturas que passam por entendimento entre dois instrumentistas (piano e bateria ou baixo e bateria, por exemplo), sem qualquer prejuízo para a prestação dos restantes. Ao longo de uma hora de concerto foram sendo criadas zonas – nunca completamente autónomas, mas identificáveis – que permitiram aos quatro músicos experimentarem conjugações e ambiências mutáveis que lhe permitiam agir enquanto solistas, porém, integrados nessa camada colectiva. A catarse técnica, aqui, não se faz pela primazia das capacidades desenvolvidas por cada um, mas pela adequação das mesmas à defesa de uma linha constante. A prova de que funciona foi a coerência demonstrada ao longo de todo o concerto, sem oscilações, qualitativas ou estéticas.
A fluidez musical desenvolvida acolheu diferentes cambiantes, com margem de manobra para incursões mais experimentais, outras com ramificações num hard-bop encorpado e actualizado ou ainda passagens mais ou menos feéricas onde o piano de Elias Stemeseder cedia lugar ao seu sintetizador, sem que a densidade electrónica alguma vez se tornasse o cerne da voragem dos quatro instrumentistas.
Igualmente membro de uma nova geração de músicos, cuja preparação e o talento permitem adivinhar um conjunto de futuras estrelas num firmamento que se vai engrandecendo através das décadas, Stemeseder (n. 1990), austríaco de nascença, está muitíssimo envolvido com a actual cena nova-iorquina, tendo trabalhado com Jim Black, Nels Cline, Greg Cohen ou até mesmo a figura central de toda essa “movida”, John Zorn, tendo mesmo integrado a sua série Bagatelles.
A secção rítmica deste projecto é representada por Robert Landfermann (n. 1982), que conta igualmente com uma lista impressionante de primeiras figuras, nas colaborações que já protagonizou – Joachim Kühn, John Scofield, Lee Konitz, Yo-Yo Ma, Ralph Towner, Django Bates, Tomasz Stanko, Barre Philips, John Taylor, Dave Liebman, Simon Nabatov, Chris Potter, Jim Black, Peter Evans, Nels Cline, Paul Lytton, Manfred Schoof, Frank Gratkowski, Gerd Dudek ou Charlie Mariano, são apenas alguns, bem como a representação num catálogo português, ao integrar o disco de Luís Lopez Trio, gravado para a Clean Feed. Esteve bem, acompanhando e demonstrando a sua categoria, com o à vontade de quem se sente em casa no agrupamento que o acolhe.
Maior fonte de satisfação ainda, foi admirar a prestação do baterista Oliver Steidle, com uma dinâmica segura e um desempenho absolutamente desenvolto. Um músico a ter em conta, decididamente. Figura de ouvidos atentos e mente aberta, este jovem, nascido em 1975 na cidade do Tribunal que recebeu os maiores criminosos de guerra (Nuremberga) muito cedo deu sinais sobre as suas opções rítmicas e propensão para os ambientes sonoros…mais pesados, digamos assim (aos 14 anos as suas audições iam mais para o Hard Core, com Slayer, Mr. Bungle e Napalm Death a assumirem honras de preferência).
Hoje, depois de já ter trabalhado com Alexander von Schlippenbach, Aki Takase ou Peter Brötzmann, é um nome seguro no panorama actual, com diferentes projectos e presenças em formações, gravando em trio com Frank Mobüs e Rudi Mahal, ou com o seu quarteto The Killling Popes (que até já gravaram, na portuguesa Shhpuma, o álbum Ego Pills), projecto onde as referidas influências de juventude marcam assumida presença. Ciclos da vida!
A prestigiada revista Wire não lhe poupa elogios: “um colaborador convergente com muitos músicos de renome, desenvolveu admiravelmente um estilo distintivo; ele percute, sussurra e controla seu instrumento tão fabulosamente como se fosse a coisa mais fácil do mundo”.
Dito isto, já se entendeu que o Jazz Im Goethe 2019 terminou da melhor forma, com uma formação demonstrativa da vitalidade do jazz europeu, que é, no fundo, o campo de acção de onde são provenientes os criadores que anualmente competem com os pássaros, moradores residentes deste magnífico jardim. De modo a assinalar os 15 anos deste festival (parabéns!) o espaço acolheu, a partir das 21h, uma festa, com DJ Johnny. Porém, quando tudo isso aconteceu, já nós andávamos por outras paragens…