I’m Your Man – A Vida de Leonard Cohen
Sylvie Simmons (tradução de Paulo Faria)
Tinta-da-China
634 págs
27,90 euros
Leonard Cohen (1934-2016) conseguiu implantar o seu nome e reconhecimento de uma forma transversal a várias gerações, como poucos. Apesar de começar a publicar música nos anos 60 (e embora já tivesse um percurso anterior como poeta e novelista), a sua obra ultrapassou em muito todo o movimento hippie e a contracultura que enformou esses dias.
Mesclou a rebeldia com a espiritualidade, o romantismo com a exaltação do desejo, o recolhimento com a sagração pública, acabando por espelhar um artista reconhecido até ao fim, sem nunca fazer concessões, mantendo uma voz acima das modas e tendências, fruto de uma honestidade interior de que nunca abdicou e assumindo um papel de trovador místico, anunciador de reinos intemporais, pregador de um epicurismo que não se esgota na matéria, poeta sensível e deslumbrado perante a grandiosidade da vida.
«O Big Bang de Leonard, o momento em que a poesia, a música, o sexo e os anseios espirituais colidiram e se fundiram nele pela primeira vez, teve lugar em 1950, entre os seus décimo quinto e décimo sexto aniversários. Leonard estava parado diante de um alfarrabista, a remexer nos expositores em busca de algum livro que lhe interessasse, quando deparou com Poemas Escolhidos de Federico Garcia Lorca. Ao folhear aquelas páginas, deparou com “Gacela del mercado matutino”. O poema arrepiou-lhe os cabelos da nuca. Leonard já antes experimentar aquela sensação, ao escutar a energia e a beleza dos versículos lidos em voz alta na sinagoga – um outro repositório de segredos», lemos no mais recente livro dedicado ao homem e sua vida. Anos mais tarde, um dos filhos que teve com Suzanne (a sua mais famosa musa), cujo nome originou a canção homónima, foi a pequena Lorca, em homenagem ao poeta espanhol.
I’m Your Man – A Vida de Leonard Cohen revela-se um repositório de memórias, um baú de entendimentos, uma conjugação de caminhos para entender o homem que fez de Suzanne ou Marianne nomes simbólicos da devoção amorosa. Aliás, as mulheres marcaram presença axial na existência deste cantor e poeta, aspecto devidamente documentado no livro de Sylvie Simmons. Bem como outras histórias paralelas, em torno de figuras Nico ou Joni Mitchel, em que descobrimos o galã Jimi Hendrix cuja perícia no galanteio parece rivalizar com a mestria no dedilhar das seis cordas que afamaram.
«I’m Your Man teve o condão de dar a Leonard uma nova imagem, principalmente entre os fãs mais jovens, em vez de poeta sombrio, torturado, passou a ser visto como oficialmente cheio de estilo». No fundo, encontramos um homem com várias vidas, encarnadas num percurso só, que poderá parecer divergente, mas que conta com a coerência que o ar de cada tempo lhe transmite, como se as circunstâncias fossem apenas uma velha gabardine, mas o homem que ela protege permanecesse fiel aos mais humanos instintos e vontades. Da alma e, principalmente, do corpo.
João Morales