Ou
Alejandro Pedregosa (tradução de Elisabete Ramos)
faktoria
80 págs
12,50
A morte é uma figura bem presente nestes magníficos contos, que deixam no ar diversos sentimentos, entre um condão falsamente moral, um apuradíssimo sentido crítico, a consistência das crónicas de costumes transformadas em narrativa oral e passadas à revelia da fixação académica ou uma enorme ironia, justamente sobre a Academia, as fábulas, a narrativa ancestral e simbólica.
Logo no primeiro conto, o desenlace surpreendente tem um vago sabor a Jorge Luis Borges, mas, acima de tudo, alerta-nos para a violência na América Latina, marca de escritores tão distintos como Roberto Bolaño ou Pedro Juan Gutiérrez. Aliás, a segunda narrativa confirma isso mesmo, pela voz de um cadáver mexicano, recorrendo a uma voz narrativa assumidamente revolucionária: «Conhecemo-nos na Guatemala e atravessámos juntas o México todinho.
Dizem que é um país ling«do, lindo, e até pode ser verdade. Nós só tivemos tempo de conhecer a extorsão, a pancada, os abusos… curiosamente as mesmas barbaridades que deixei lá em El Salvador, e é por isso que digo que se poderiam evitar as fronteiras e os vistos pois, ao fim e ao cabo, a polícia maltrata em todo o lado por igual».
Em “Manbrú foi para a guerra ou O patriotismo” a honra supera a realidade e a memória é reinventada. “A morte de Sócrates ou A luta armada” traça um paralelismo entre a morte do filósofo e uma outra entrega voluntária, em contexto contemporâneo, com uma organização secreta em pano de fundo.
As histórias tradicionais voltam a estar no centro da inspiração, quando nos deparamos com “A casinha de chocolate Ou A Escravidão”. Aqui, o labirinto não é uma floresta, mas sim um bordel, onde os ciúmes e a lei do mais forte vão traçar armas. O humor, cortante, contundente, castigador, é uma constante nestas narrativas, disperso em diferentes cambiantes. Um exemplo da utilização sagaz desse artifício narrativo é, sem dúvida, “Dom Camilo e Don Peppone Ou As mamas italianas”, uma história pícara, divertida e descomplexada.
Os dois episódios finais são um pouco mais longos. “O complexo de Electra ou A pornografia”, serve-se inteligentemente do termo que usa no título para lançar pistas sobre o enredo, mimetizar nomes da Filosofia em registo de paródia e até mesmo uma lista de engenhosas designações, estratégia toponímica presente em outras narrativas do livro, como a última “Os exemplos de Patrónio ou A monarquia”.
Em duma, um conjunto de histórias bem arquitectadas, contadas com a vantagem malévola de quem sabe surpreender o leitor, avançando por territórios mais ou menos simbólicos, dilemas, circunstâncias e… surpresas!!!
João Morales